MH-17: Holanda articula caçada aos culpados pela tragédia


Voo MH-17: Holanda articula caçada
aos culpados pela tragédia

 
Roberto Lopes
Exclusivo para Defesanet
robertojlopes@hotmail.com

 
O governo de Haia solicitou o apoio da Agência Europeia de Defesa e a colaboração do presidente russo Vladimir Putin para tentar identificar quem executou o disparo do míssil que, a 17 de julho último, derrubou sobre o território ucraniano fronteiriço com a Rússia o Boeing 777 da Malaysian Airlines, e de onde partiu a ordem para a derrubada da aeronave. O jato fazia a rota Amsterdam-Kuala Lampur, e dentre os 283 passageiros, 193 (68%) possuíam nacionalidade neerlandesa.

Tanto o acionamento da Agência (sediada em Bruxelas), ocorrido formalmente no início de agosto, quanto o pedido de ajuda feito (por diversas vezes desde a terceira semana de julho) diretamente a Putin, configuram o maior desafio às autoridades de segurança européias, desde que, na década de 1990, investigadores militares e civis do Velho Continente foram incumbidos de capturar criminosos de guerra sérvios, apontados como responsáveis por morticínios de caráter étnico ocorridos durante a Guerra da Bósnia.

A perseguição que a Holanda e seus aliados da União Europeia agora iniciam na fronteira russo-ucraniana pode ser tarefa para vários anos.

Acusado de ser conivente com os massacres na Europa Central, o ex-líder sérvio-bósnio Radovan Karadzic permaneceu foragido por 13 anos, antes de se entregar ao Tribunal Penal Internacional da Iugoslávia; seu principal chefe militar, general Ratko Mladic, iludiu seus captores por um lapso de tempo ainda maior: 15 anos.     

No caso do voo MH-17, as reações que as autoridades holandesas obtiveram aos pedidos de ajuda feitos tanto à Agência quanto ao presidente da Rússia deixam entrever, efetivamente, um processo de apuração (de identidades e paradeiros) longo e difícil.

A socialista britânica Catherine Ashton, presidenta da Agência Europeia de Defesa, admitiu mobilizar os recursos humanos e materiais de sua organização tão logo os peritos internacionais definam que o Boeing foi mesmo abatido por um míssil terra-ar, e não por um artefato ar-ar, por exemplo. Em diferentes contatos com o governo de Haia, Vladimir Putin insistiu que o jato de passageiros pode ter sido abatido por um caça ucraniano, e não pela artilharia antiaérea dos separatistas.

Mas a administração holandesa considerou altamente suspeita a novidade que chegou, a 7 de agosto, da cidade ucraniana de Donetsky, um dos enclaves dos separatistas pró-Rússia.

Nessa data, meros 19 dias após a derrubada do avião, o russo Alexander Borodai, de 42 anos, anunciou sua renúncia ao cargo de líder do grupo rebelde de Donetsk.

Para não dar a impressão de que tentava escapulir do cenário de apuração de responsabilidades em decorrência da catástrofe com o jato da Malaysian Airlines, Borodai anunciou que deixava o comando das forças separatistas para ocupar a fantasiosa função de “primeiro-ministro” da “República Popular de Donetsk”, denominação que os insurretos dão ao território por eles controlado – mas que nem mesmo Moscou reconhece (ainda) como a área de um Estado independente.

O trabalho de identificação dos autores do atentado partirá dos nomes que aparecem nas escutas telefônicas feitas pelo governo ucraniano à época da tragédia, e que indicam o envolvimento de ao menos três integrantes das forças separatistas no lançamento do míssil que derrubou o jato malaio.

Apontado como ativista próximo aos serviços de Inteligência da Rússia, Alexander Borodai era (e talvez seja ainda) o “mentor” desses rebeldes. Seu aparecimento na cena internacional aconteceu à época da crise da Crimeia. Borodai foi assessor de Sergei Aksyonov, nome patrocinado por Moscou para assumir o comando da península, depois que, em março, Putin ordenou a anexação desse braço de terra sobre o Mar Negro, que fazia parte da Ucrânia.

Desde abril Borodai, além de comandar as ações militares dos rebeldes, cumpria também uma função pública, de porta-voz dos insurretos no leste da Ucrânia. Nos últimos quatro meses, as raras imagens do militante russo mostravam um líder permanentemente cercado por guarda-costas corpulentos, armados de fuzis-metralhadoras.

A atuação de Borodai à frente dos destacamentos separatistas passou à responsabilidade do Major General de Polícia Vitaliy Yuriyovych Zakharchenko, de 51 anos, ex-ministro de Assuntos Internos da Ucrânia, durante o governo pró-Rússia de Viktor Yanukovych em Kiev. Nessa posição, Zakharchenko liderou também a Militsiya, a Polícia Nacional Ucraniana que se notabilizou por investigar os (civis e militares) defensores da aproximação da Ucrânia com a União Europeia.

Na cúpula da Agência Europeia de Defesa, presidida por Ashton, já existem algumas fortes desconfianças.

A primeira, de que os disparos de mísseis antiaéreos feitos rotineiramente, nos últimos meses, pelos separatistas ucranianos, contavam com a autorização expressa de Borodai – além da assistência técnica de especialistas russos (não apenas em manutenção, mas também no enquadramento dos alvos pelos sensores do lançador dos mísseis). A segunda desconfiança é a de que a artilharia antiaérea dos rebeldes abateu o Boeing 777 por engano, pensando tratar-se (por sua velocidade, superior aos 800 km/h) de um avião de combate pertencente à aviação da Ucrânia.

A alta direção da Agência também teme que tanto Borodai como os três separatistas citados no grampo telefônico possam, em breve, “desaparecer” dentro do território russo, o que tornaria praticamente impossível a sua localização e captura.

Criada em julho de 2004 para fomentar medidas de segurança no âmbito da União Europeia – inclusive a formação de tropas expedicionárias capacitadas a intervir em locais de crise –, a Agência Europeia de Defesa foi citada, recentemente, como a organização que poderia receber o porta-helicópteros Vladivostok, construído pela indústria naval francesa para a Rússia. O governo de Paris sofre forte pressão, desde março, para não entregar o navio à Marinha russa.

No caso de a embarcação ser entregue mesmo à Agência, sua operação ficaria a cargo de duas forças navais que não dispõem no momento de embarcações dessa classe, e poderiam utilizar o Vladivostok para treinar seu pessoal na complexa arte de tripular um navio-aeródromo: Bélgica e Holanda.
 

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