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Espiões da era digital

 

Leonardo Souza e Raphael Gomide

 

O programa nuclear iraniano foi criado nos anos 1950, cresceu depois da revolução islâmica de 1979 e, nos últimos anos, se tornou uma iniciativa clandestina, promovida à revelia dos organismos internacionais de inspeção. Ninguém hoje sabe quando — ou se — o Irã fará a bomba. Sabe-se, contudo, que a posição iraniana tem se revelado volúvel, imprevisível e, para a maioria dos países, pouco confiável. Em fevereiro de 2010, o então presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, quebrou um acordo verbal e anunciou que enriqueceria urânio em seu território, ao contrário do que estipulava a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), organismo da Organização das Nações Unidas (ONU) que zela pelo uso pacífico do aparato nuclear. Os Estados Unidos pressionaram por uma nova rodada de sanções internacionais – seria a quarta – e decidiram ir ao Conselho de Segurança da ONU. Por iniciativa do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil, numa atitude que misturava ousadia e ingenuidade, apresentou-se como mediador do conflito. Nunca antes o Brasil se colocara, numa querela internacional, entre uma superpotência e um de seus maiores inimigos. Mas nosso presidente era Lula – e ele acreditava que faria diferença.

 
A sugestão brasileira era que Ahmadinejad se comprometesse a enriquecer urânio fora de suas fronteiras. Mais exatamente na Turquia, país que, como o Brasil, ocupava um assento rotativo no Conselho de Segurança da ONU. Tal proposta fora aventada outras vezes – e nunca antes na história do Irã fora levada a sério. A situação era tensa, como nunca antes na história recente do Conselho de Segurança. Ele estava dividido. Brasil e Turquia trabalhavam por uma solução negociada e eram contra as sanções. Rússia e China, membros permanentes do Conselho, com poder de veto, emitiam sinais contraditórios. Havia dúvidas também sobre como votariam Bósnia, Gabão, Nigéria, Líbano e Uganda, integrantes rotativos que pouco externavam suas opiniões. Para evitar o risco de uma derrota no Conselho (são necessários nove votos em 15 para aprovar sanções), os americanos recorreram a uma solução tão antiga quanto o Egito dos faraós: a velha espionagem. Desde que veio à tona a prática de monitoramento sistemático de comunicações pelo governo americano, pela primeira vez é possível narrar um caso concreto. Um documento classificado como "Top Secret" (ultrassecreto, o mais alto grau de sigilo), a que Época teve acesso exclusivo, revela o que aconteceu e deixa claro o papel decisivo desempenhado no caso pela então embaixadora americana na ONU, Susan Rice.
 
"Velha" talvez não seja o adjetivo mais adequado para uma atividade que se transformou
radicalmente na era digital. Em lugar do cenário da Guerra Fria, um mundo bipartido entre Estados Unidos e União Soviética, vivemos a era da diplomacia multilateral. Cada país tem seus interesses, visões e desejos. Em vez dos agentes secretos infiltrados nas nações inimigas, como James Bond – o espião criado por Ian Fleming com suas pistolas munidas de silenciador e licença para matar – ou George Smiley – seu congênere que habitava o universo cheio de bruma, traições, deserções e mensagens secretas criado por John Le Carré -, hoje esse mundo envolve programadores e matemáticos capazes de decifrar códigos intrincados diante de suas telas de computador. No lugar das escutas clandestinas instaladas cirurgicamente, hoje é possível fazer varreduras amplas nas redes de telecomunicações e na internet. No lugar dos folclóricos espiões da CIA, a histórica Agência de Inteligência dos Estados Unidos, surge das sombras a NSA, a Agência Nacional de Segurança, especializada na guerra de informação na era digital.
 
Em busca de protagonismo no cenário internacional, Lula foi a Teerã em 17 de maio de 2010 – de lá saiu exultante. Trazia na mala um acordo assinado por Brasil, Irã e Turquia, em que Ahmadinejad se comprometia a enriquecer urânio fora de suas fronteiras, dentro das determinações da AIEA. No dia seguinte, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, afirmou que os cinco integrantes do Conselho de Segurança da ONU – além dos Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China – haviam decidido levar as sanções a votação. O acordo assinado por Ahmadinejad não era considerado confiável. A diplomacia brasileira estranhou, pois recebera sinal verde do governo de Barack Obama para prosseguir com as negociações. Ao longo do mês de maio, Lula gastou sapato e saliva defendendo as boas intenções de Ahmadinejad. Em vão. No dia 9 de junho de 2010, Susan Rice estava exultante.
 
Por 12 votos a favor, dois contra (Brasil e Turquia) e uma abstenção (Líbano), os Estados Unidos aprovaram as sanções. Algo mudara radicalmente em relação ao cenário nebuloso de meses antes Quando Susan Rice entrou no plenário para a votação, sua delegação já tinha certeza da vitória – e venceu.
 
O documento obtido por Época revela como os EUA espionaram oito integrantes do Conselho de Segurança, entre os quais ao menos um permanente (França) e três não permanentes (Brasil, Japão e México), durante as negociações. Todos esses países são considerados "aliados". Pela ação da NSA, os Estados Unidos descobriram como votariam. Isso lhes deu uma posição de vantagem nas discussões com os demais países-membros. O documento, intitulado "Sucesso Silencioso", celebra o sucesso da empreitada. A previsão era que fosse aberto ao público somente em 2035. Documentos desse tipo são proibidos para estrangeiros (carregam o selo "Noforn", ou "no foreigners").
 
Procurado por Época, o governo dos Estados Unidos, por intermédio de sua embaixada em Brasília, informou que não comenta nenhum tipo de atividade secreta e que, portanto, não se pronunciaria sobre o assunto. O porta-voz substituto do secretário-geral da ONU, Eduardo del Buey, afirmou que "todos os países-membros da ONU são obrigados por lei a respeitar a privacidade de comunicações diplomáticas e espera-se que o façam". Em resposta a Época, a embaixada da França enviou declarações dadas em julho pelo presidente François Hollande. Ele disse que "não podemos aceitar este tipo de comportamento entre parceiros e aliados" e pediu que os EUA "parem imediatamente". "Não podemos ter negociações, transações em qualquer área, a não ser que haja essas garantias", afirmou. "Falo pela França, mas isso vale por toda a União Europeia e, eu diria, por todos os parceiros dos EUA. Sabemos bem que há sistemas que devem ser controlados, notadamente pela luta contra o terrorismo. Mas não penso que seja dentro de nossas embaixadas ou da União Europeia que exista esse risco."
 
Época contatou as embaixadas de Japão e México. Nenhuma das duas respondeu até
o fechamento desta edição. O Itamaraty também não quis se pronunciar.
 
Objetivo, resultado e método
 
O documento esclarece os objetivos, resultados e métodos empregados pela NSA na operação. Em relação aos objetivos, o texto afirma: "No fim da primavera de 2010, 11 seções de cinco linhas de produção se uniram a agentes do NSA para fornecer as informações mais precisas e atualizadas para a embaixadora dos Estados Unidos na ONU e a outros clientes (no governo dos EUA) sobre como membros do Conselho de Segurança da ONU votariam na Resolução sobre as Sanções ao Irã. (…) O SIGINT (inteligência coletada por meio eletrônico) foi um elemento-chave para manter a representante dos Estados Unidos na ONU informada sobre como os outros membros do Conselho de Segurança da ONU votariam". O material coletado pela agência de segurança era endereçado a Susan Rice. Foram gerados mais de 100 relatórios para subsidiar sua equipe.
 
O documento afirma que houve coleta de informações por meio eletrônico -como trocas de emails, ligações telefônicas, comunicação por voz na internet ou mensagens de celular -, embora não especifique o tipo de dado obtido. O governo americano nega ter acesso ao conteúdo dessas comunicações. Afirma que se limita a guardar registros das conexões, como o nome do usuário, data e duração de ligações, conhecidos como "metada-dos". Uma declaração da própria Susan Rice incluída no relatório sugere, no entanto, que desta vez houve acesso ao conteúdo – e com excelentes resultados. "O SIGINT me ajudou a saber quando outros membros permanentes estavam falando a verdade (…) revelou suas posições reais sobre as sanções (…) nos deu uma posição de vantagem nas negociações (…) e forneceu informações sobre os limites de vários países." Susan Rice não foi mera receptora de informações. Ela também solicitou o levantamento de dados sobre como votariam membros do Conselho que não haviam sido incluídos na investigação inicial. "Em resposta à solicitação específica da representante dos Estados Unidos na ONU, a NSA começou a ter como alvos outros quatro membros não permanentes", informa o documento ultrassecreto. Se as solicitações de Susan Rice foram atendidas, será possível afirmar que a NSA espionou a grande maioria dos países que, à época, integravam o Conselho de Segurança.
 
Com relação ao método de trabalho, o documento aponta a existência de um núcleo da NSA dentro da delegação americana na ONU. "Por fim, o impressionante apoio tático da NSA não poderia ter tido esse impacto tão significativo sem o esforço hercúleo do representante da NSA na delegação dos Estados Unidos na ONU, que entregou inteligência e dicas antes da publicação, muitas vezes a instantes das consultas, e forneceu comentários para os analistas da NSA sobre a produção adicional de informações e prioridades." O relatório diz ainda que, dada a relevância da ação para os Estados Unidos, "os analistas e linguistas da NSA trabalharam horas extras (inclusive finais de semana), colaborando e dividindo informações livremente entre as linhas de produção, para garantir que a representante dos Estados Unidos na ONU recebesse as informações mais precisas a tempo de fazer a diferença". Afirma ainda que Susan Rice se beneficiou do trabalho de várias áreas da agência, incluindo especialistas legais e especialistas em coleta de informações. "A adoção bem-sucedida das sanções adicionais do Conselho de Segurança da ONU contra o Irã é um excelente exemplo dessa sinergia de equipes diferentes da NSA.
 
Para os Estados Unidos, a aprovação das sanções contra o Irã, em 2010, foi um momento especial da atuação do país no Conselho de Segurança. De acordo com a página na internet da missão americana na ONU, tratou-se da maior vitória da gestão de Susan Rice – e da administração Obama nas Nações Unidas. "Sob a liderança de Susan Rice, a missão dos EUA na ONU ajudou a conquistar as mais duras sanções já adotadas pela ONU contra o Irã e a Coreia do Norte, uma ação sem precedentes para impedir a proliferação de armas e materiais nucleares", diz o texto. Se Susan Rice já tinha uma posição de peso no governo americano em 2010, sua estatura ficou ainda maior neste ano. Ela foi nomeada conselheira de Segurança Nacional. Hoje com 48 anos, é uma das integrantes do governo americano mais próximas do presidente Barack Obama, de quem é aliada desde a primeira hora – ela fez parte da campanha eleitoral de 2008. Era a primeira opção de Obama para substituir Hillary Clinton como secretária de Estado no segundo mandato. Suas chances foram sepultadas após uma entrevista à TV, em que atribuiu a um protesto espontâneo o ataque ao complexo diplomático dos EUA em Benghazi, na Líbia, que resultou na morte do embaixador Christopher Stevens e de mais três americanos.
 
Posteriormente, o governo interpretou o episódio como um atentado terrorista. Por causa desse erro de avaliação de Susan, o cargo, de maior visibilidade no governo americano depois do presidente, acabou indo para o senador John Kerry.
 
Como conselheira de Segurança Nacional, ela é uma espécie de eminência parda nas relações internacionais. Tal é seu prestígio com Obama que muitos se questionam sobre o poder que resta a John Kerry. Ao anunciá-la para o novo cargo, Obama a descreveu como uma "feroz defensora da justiça e da dignidade humana". Diante da relação de confiança entre Obama e Susan, cabe questionar se ele sabia das atividades de espionagem realizadas pela NSA.
 
Privacidade. Guerra e espionagem
 
Criada depois da Segunda Guerra Mundial, a NSA tinha como missão original obter
informações que ajudassem a prevenir ataques-surpresa como o de PearlHarbor, em 1941.
 
Depois do 11 de setembro de 2001, ganhou sucessivas suplementações de orçamento para concentrar-se no combate ao terrorismo. A NSA esteve nas manchetes das últimas semanas por causa dos documentos revelados por Edward Snowden, ex-funcionário de uma consultoria que prestava serviços à NSA. O jornal britânico The Guardian publicou, a partir de 6 de junho, a primeira de uma série de reportagens sobre um esquema de espionagem eletrônica em massa, em que a NSA é acusada de operar nos Estados Unidos.
 
Os documentos que embasavam a matéria foram fornecidos por Snowden ao jornalista americano Glenn Greenwald, colunista do Guardian e atualmente colaborador de Época. Segundo os relatórios de Snowden, a NSA monitora e coleta informações eletrônicas -de e-mails, telefonemas, mensagens de texto e redes sociais -, em cooperação com empresas de telecomunicações. O jornal O Globo, em parceria com Greenwald, revelou um sistema de espionagem para a América Latina destinado não apenas a questões de segurança, mas também comerciais. Segundo os documentos de Snowden, a coleta dos metadados é indiscriminada. Eles sugerem que ninguém que use alguma forma de meio digital para comunicação está a salvo do monitoramento.
 
A divulgação dos documentos de Snowden pelas reportagens de Greenwald levantam três
questões trazidas pela era digital nas comunicações: como ela afeta a privacidade, a guerra digital e a espionagem propriamente dita. O ponto que causou mais controvérsia foi a privacidade. É lícito que um organismo de inteligência bisbilhote a vida dos cidadãos, mesmo que seja por uma boa causa? Sabe-se que escutas telefônicas ajudaram a mapear o paradeiro do terrorista Osama bin Laden e levaram à captura de Khalid Sheik Mohammed, o arquiteto dos atentados de 11 de setembro. Desde que os arquivos vieram à tona, várias vozes se fizeram ouvir. O escritor e jornalista Kurt Eichenwald, um especialista no assunto – ele é autor do best-seller que deu origem ao filme de espionagem O informante, afirma que, sob certos limites, é lícita a violação de privacidade. Ele argumenta, num artigo, que o governo americano tem acesso a dados bem mais estratégicos da vida de um cidadão do que os "metadados" colhidos pela NSA. São salários, despesas médicas e ganhos financeiros, colocados na rede na declaração do Imposto de Renda. O governo, diz Eichenwald, poderia usar esses dados contra os cidadãos e não o faz. Por que o faria no caso das ligações telefônicas? Além disso, quantos potenciais atentados terroristas não teriam sido previamente identificados graças a essas investigações e desarmados antes de fazer vítimas?
 
Do outro lado se levanta um coro de vozes libertárias, entre elas a de um ex-agente da própria NSA, William Binney, um matemático que largou a agência por se sentir parte do que considerou uma ação "inconstitucional". Em entrevistas, Binney diz que participou de um grupo, dentro da NSA, que estudava um jeito de submeter os pedidos de escuta telefônica e digital a tribunais jurídicos. Segundo ele, seria fácil conseguir autorizações rápidas, na velocidade exigida pelos serviços de inteligência, usando meios digitais. A discussão, diz Binney, não foi adiante, simplesmente porque a NSA não estava interessada em ter uma linha direta com a Justiça. Mesmo existindo, nos Estados Unidos, uma lei bastante tolerante em relação à espionagem de estrangeiros. Criada no final da Guerra Fria, a lei conhecida como Fisa (Fo-reign International Surveillance Amendments Act) facilita o grampeamento de telefones de suspeitos de ser inimigos da pátria. Ela foi atualizada em 2008, de forma a permitir varreduras em redes telefônicas e de internet, além de isentar de responsabilidade empresas de telecomunicações que fornecessem dados solicitados pelos organismos de inteligência. A principal controvérsia gerada por Snowden é que eles sugerem uma violação sistemática de dados de cidadãos dos Estados Unidos, não apenas a espionagem de estrangeiros. Na semana passada, a Câmara de Representantes rejeitou, por uma pequena margem, uma proposta de lei que restringiria o tipo de autorização que os tribunais controlados pela Fisa podem conceder e limitaria os poderes da NSA.
 
A segunda questão levantada por Snowden é a guerra digital. Os estudiosos da arte militar hoje já consideram o ciberespaço o quinto domínio da guerra -além da terra, do mar, do ar e do espaço. Não existem, no entanto, acordos internacionais que regulem as armas que podem ou não podem ser usadas neste domínio – ao contrário do que ocorre, por exemplo, na área nuclear. Esses acordos seriam necessários? Recentemente, o assunto voltou à tona, e novamente por causa da NSA. O ex-agente Snowden a acusa de ser responsável, ao lado do governo israelense, pela criação do verme digital Stuxnet, uma sofisticada arma de guerra digital. O verme – vírus que se propaga rapidamente por redes – foi programado para atacar sistemas de controle das centrífugas de enriquecimento de urânio no próprio Irã. Se Snowden estiver certo, isso significaria que a mesma NSA que grampeia telefones e e-mails é capaz de desenvolver armas poderosas na guerra digital. Até que ponto é lícito usar esse tipo de arma que, além de alvos militares, pode atingir também os cidadãos comuns?
 
Por último, existe a questão da espionagem. Para a privacidade, existem leis. Para a guerra digital, pode haver acordos internacionais. Para a espionagem, não existe tribunal. Por um motivo simples. Desde a Antiguidade, todo mundo a pratica. O jornalista James Bamford, autor do livro The shadow factor, sobre a NSA, afirma que a agência, ao longo do tempo, deixou de se dedicar à prevenção ao terrorismo para entrar no ramo da espionagem de todo tipo. Segundo ele, as verdadeiras prioridades da NSA são decifrar códigos e coletar o que eles chamam "deepnet" – dados governamentais e segredos militares de diversos países. Se na espionagem não existe tribunal, um fato é irremediável: nenhum país gosta de ser espionado. Para se proteger da prática, os países têm de desenvolver tecnologia e fazer gestões diplomáticas adequadas, às vezes duras. Como reagirão – tecnológica e diplomaticamente – nações como França, Japão, México e Brasil à informação de que foram espionados na votação das sanções econômicas ao Irã? Com a palavra, o presidente François Hollande, o premiê Shinzo Abe, o presidente Enrico Pena Nieto – e a presidente Dilma Rousseff.
 
"Passei a ter mais cuidado"
 O jornalista Glenn Greenwald revelou a extensão das ações da NSA

Numa tarde de julho, o jornalista americano Glenn Greenwald, colunista do diário britânico The Guardian, entrou apressado no saguão de um hotel na Zona Sul do Rio de Janeiro, com uma mochila e um laptop. "Espere um minuto, porfavor, que preciso falar com Snowden", disse, ao sentar–se numa poltrona. A conversa com Época fora marcada na véspera, em meio a reportagens sobre espionagem dos Estados Unidos a telefonemas e comunicações pela internet de cidadãos do mundo todo.
 
Edward Snowden, com quem Greenwald se comunicava por um sistema seguro de bate-papo na internet, é o ex-analista a serviço da NSA (Agência Nacional de Segurança, dos EUA) que revelou ao mundo documentos ultras-secretos do órgão de inteligência e o programa maciço de espionagem americano. Naquele dia, ainda não se sabia se Snowden estava no aeroporto de Moscou. Greenwald disse também desconhecer seu paradeiro. "Não falo com ele há quatro dias", disse. Snowden estava em Moscou. Greenwald, no Rio de Janeiro, onde vive há oito anos, com seu companheiro, David Michael Miranda.
 
Agitado, Greenwald deu ainda naquela tarde uma entrevista em vídeo a uma agência de notícias estrangeira. Nesse encontro, iniciou-se a aproximação de Greenwald com Época. Ele passará a colaborar em reportagens conjuntas com a redação, sobre a espionagem da NSA em relação a outros Estados e cidadãos do Brasil e da América Latina.
 
Após terminar de falar com Snowden, Greenwald contou a Época como foi procurado com insistência por ele para ter acesso a um dos maiores furos jornalísticos dos últimos anos. "Você sabe, nós, jornalistas, somos a toda hora procurados por muitos malucos que dizem ter informações explosivas", disse. "E também por gente que sempre acredita que seus dados são os mais importantes do mundo, quando não são. Já perdi muito tempo com isso." Advogado de Direito Constitucional, Greenwald escreve no Guardian sobre "questões vitais de direitos civis, liberdade de informação e justiça – e seus inimigos". É autor de três livros na lista dos mais vendidos do New York Times. Snowden o procurou por sua coluna num jornal britânico em dezembro de 2012. Seu e-mail vinha sem nome e pedia que baixasse um programa de criptografia para receber documentos secretos de inteligência do governo dos EUA. Mesmo depois de mandar um vídeo, Snowden foi ignorado e ficou frustrado. "Quase perdi o maior furo de minha vida", diz Greenwald. Para sua sorte, Snowden procurou uma amiga dele, que fazia um filme sobre a NSA, e reforçou o pedido. Recebeu de Snowden 25 documentos secretos, já em junho.
 
"Quando vi, não conseguia respirar!". Teve de ir a Hong Kong receber os demais documentos. Durante 11 dias, passou mais de seis horas por dia com Snowden. "Ele é muito calmo, tranquilo. Sabe os riscos do que está fazendo."
 
Greenwald vive uma nova realidade após as revelações. Passou a ter uma agenda cheia de entrevistas para veículos do mundo todo e artigos a escrever. Ele se deu conta, de modo surpreendente, de que o medo de ser vigiado pode ser mais do que paranoia. O laptop de seu companheiro, com alguns documentos secretos, desapareceu e nunca mais foi encontrado. "Não estou totalmente confortável Passei a ter mais cuidado."

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