por Vianney Junior
Herdeiro da tradição de aeronaves de combate que reúnem em um mesmo conceito robustez e versatilidade, o Boeing F/A-18 E/F Super Hornet tem uma folha de serviço de veterano, mas, ostenta impecável forma de um jovem cadete. Essa “disposição ao front” dá-se graças a um competente programa de incorporação constante de atualizações, upgrades e novas tecnologias. Em 2006, o F/A-18 concluiu o programa de substituição do Grumman F-14 Tomcat, aeronave imortalizada no filme Top Gun – Ases Indomáveis, e responsável por despertar a vocação de toda uma geração de aviadores. A missão de substituir uma lenda não era das mais fáceis, porém, o êxito do projeto foi tal que, não só re-equipou a linha de frente de combate da Força Aeronaval Americana, como também, elevou sobremaneira a capacidade de multi-funções da aviação da US Navy e do Marine Corps.
Dois motores com custo inferior a um F-16
Da criação deste caça multirole, até os dias de hoje, a Boeing tem conduzido uma modernização tão completa e significativa que as aeronaves em operação na atualidade revelam um novo avião, se comparados aos primeiros a entrar em serviço¹, seja no aspecto de aerodinâmica e desempenho em voo, aviônicos, motorização, radar, sensores, links e integração de diferentes sistemas de armas, o que culminou em uma impressionante eficiência e disponibilidade, que resultaram em um custo operacional por hora voada cada vez mais reduzido.
No quesito manutenção e disponibilidade, os números estatísticos são de chamar a atenção. Com apenas 3 níveis de manutenção, o avião permanece em missões por mais tempo e, chegado o momento de cumprir os programas mais complexos de revisão ou reparos, retorna muito rapidamente à linha de voo. Para se ter uma idéia, uma troca completa de motor dura menos de 60 minutos com a utilização de apenas 4 tipos de ferramentas de uso padrão, e o reabastecimento e armamento para uma missão de escolta, por exemplo, não excede os 35 minutos, com o envolvimento de não mais que sete profissionais, entre manutenção e material bélico.
A versatilidade e robustez do “conjunto da obra” podem ser ilustradas com duas características curiosas: as distâncias mínimas para operações de pouso e decolagem, e a ausência de qualquer limitação do regime de potência. O caça da Boeing armado com 2 AIM-9 Sidewinder e 2 AIM-120 AMRAAM decola em apenas 440 metros e pousa em 780 metros (2)¹ . Praticamente em uma “pista de aeroclube”. Quanto ao uso dos motores, nenhuma restrição quanto a limitações de regime. Pode-se se ir direto do idle a full afterburner (ou seja, da “marcha lenta” à máxima potência de pós-combustão) sem medo de danos às turbinas, ou falha de resposta.
Quanto à discussão sobre as vantagens e desvantagens de um caça com um ou dois motores, principalmente levando-se em conta o custo operacional, e em uma realidade de restrições orçamentárias, é importante comentar sobre os números aos quais DefesaNet teve acesso. Eles revelaram a partir de relatórios oficiais que, nos dias de hoje, o custo de uma hora de voo de um Super Hornet, uma aeronave equipada com 2 motores F414-GE-400 que oferecem 44.000 lbs de empuxo, é mais barato que o de um F-16, caça monomotor da General Dynamics Lockheed Martin equipado com um turbofan F110-GE-129 no Block 50, ou o F100-PW-229 no Block 52, que disponibilizam 29.588 lbs e 29.160 lbs de empuxo, full afterburner respectivamente.
Um veterano em constante estado da arte
Do mais recente incremento de novas tecnologias, saído da linha de montagem em St. Louis, Missouri, nos Estados Unidos, a incorporação de pods de armamentos e tanques conformais que se estendem ao longo da fuselagem, incrementam a capacidade aerodinâmica e dão o toque Stealth – capacidade furtiva – ao Super Hornet, reduzindo ainda mais a já baixa RCS frontal – assinatura radar.
A evolução no cockpit, e que até já foi apresentada no Brasil, tem como ponto alto o LALCD – Large Area Liquid Crystal Display, com função touch-screen, que reduz em muito o work load do piloto, uma vez que traz de forma condensada, integrada e intercambiável todas as informações nas diferentes configurações operacionais (navegação, combate ar-ar, ar-superfície, data link, TFLIR, monitoramento de sistemas e motores, etc.), e por substituir vários displays, traz também a vantagem da redução do custo por unidade.
O conceito Locked – Loaded – Linked definido pela equipe industrial do projeto na Boeing, pode ser bem compreendido ao se utilizar os sistemas integrados embarcados em conjunto com os recentes pods de designação de alvos, bombas inteligentes e mísseis de última geração (o que fizemos na condição SIM em voo e nos exercícios de treinamento no simulador). A harmonia entre armas e informações de SA – situational awareness, consciência situacional – fornecidas pela atuação combinada do radar APG-79 AESA – Active Electronically Scanned Array, ou radar de varredura eletrônica ativa, o JHMCS – capacete com sistema de aquisição de alvos integrado, IRST e ATFLIR – rastreamento e visualização de alvos por infravermelho, respectivamente – junto ao MIDS (Link-16) asseguram a este “Vespão” que seu ferrão continue bem afiado e seus olhos bem atentos.
A definição de multirole do Super Hornet vai bem além do conceito técnico da expressão, uma vez que além do desempenho de funções múltiplas “normais”, pode assumir até mesmo a função tanker, reabastecendo em voo outras aeronaves, sem que para isto seja necessária qualquer conversão ou alteração de sua estrutura ordinária ou sistemas.
O F/A-18 é uma aeronave altamente testada, com a incrível marca de 166.000 horas em combate. A estrutura de cada caça prevê um ciclo de vida da ordem de 9.500 horas de voo, e a permanência em serviço ativo do modelo na Marinha Americana será, a princípio, até 2035. A futura incorporação do JSF – Joint Strike Fighter – F-35, está concebida dentro da operação conjunta com o Super Hornet, onde a relação do inventário seria de 2 F/A-18 para 2 F-35, atuando concomitantemente.
Esse é o Boeing F/A-18 Super Hornet, e nós voamos a versão F na Base Naval de Oceana, Virgínia. A primeira vez de uma equipe de jornalismo especializado estrangeira em voos de teste no espaço aéreo dos Estados Unidos da América.
O “nosso” Esquadrão
A forma com que os oficiais comandantes nos recepcionaram já anunciava o padrão de todos dentro do VFA-106 Gladiators, um alto nível de profissionalismo aliado a uma gentileza e boa vontade constante em nos oferecer amplo acesso aos mínimos detalhes do Super Hornet. Tivemos a clara percepção de que, a distinta maneira com que fomos integrados ao grupo, reflita o momento de pré-disposição do Governo Americano em estabelecer laços de parceria com o Brasil, em um nível mais amplo e aprofundado.
O VFA-106 Gladiators, sob o comandado do CDR (Commander, posto equivalente à Capitão-de-Fragata) Scott Knapp, é responsável pela conversão, treinamento e adaptação de pilotos nos F/A-18C/D e nos Super Hornet F/A-18E/F que voarão na Frota do Comando de Caça e Ataque da Força Aeronaval do Atlântico, CSFWL, que tem como seu Commodore, o CAPT (Captain, posto equivalente à Capitão-de-Mar-e-Guerra) Paul Gronemeyer. A estrutura da SFWL – Strike Fighter Wing Atlantic – é a maior da Marinha Americana, com 18 unidades voando mais de 300 aeronaves, sendo seis variantes do F/A-18 Hornet e Super Hornet. Fica baseada em Oceana e abriga também a SFWSL – Strike Fighter Weapons School, Atlantic – que conduz o Strike Fighter Advanced Readiness Program (SFARP), uma espécie de pós-graduação em táticas e sistemas de caça e ataque, na qual os pilotos passam duas semanas estudando, primeiramente em suas próprias unidades, 18 conteúdos que abrangem sistemas de armas da aeronave, táticas e seu emprego no F/A-18, tudo conduzido por um instrutor designado da SFWL. Alcançada a aprovação nesta fase, as tripulações tem mais uma semana, onde realizam os primeiros cinco voos de 15, do SFARP, para depois seguirem para a NAS Fallon onde poderão aprimorar em enfrentamentos com “adversários” suas habilidades para as futuras operações reais.
O padrão de excelência é mantido com constância, a fim de manter as tripulações prontas ao emprego imediato em terra ou embarcadas em porta-aviões, seja quais forem as condições de tempo, dia ou noite, parte do trabalho do oficial de operações, CDR John "Gabby" Wise, um grande camarada e excelente piloto (vocês poderão ler sobre isso no artigo sobre meu “engajamento” com Gabby no treinamento no simulador em rede).
(1) Do F/A-18A/B e C/D Hornet, carinhosamente chamado de Legacy – legado, ao Super Hornet F/A-18E/F há uma longa estrada, e que ainda não chegou ao fim. Destaque-se aqui a grande confusão do público em geral quanto aos “F’s”. A aeronave em disputa no FX-2, em curso, é o F/A-18E/F, que tanto embora tenha absorvido toda a experiência obtida com o pequeno Hornet, é um completo redesenho sobre o conceito original, tendo uma estrutura 25% maior e mais eficiente, mais potência e uma suíte de aviônicos de última geração. Desfeita qualquer confusão, ainda assim, o Super Hornet F/A-18E/F já mudou muito, e continua sempre incorporando novas tecnologias. Para simples comparação, observe a evolução do painel do caça, nas imagens que ilustram o artigo.
(2) Condições atmosféricas presentes no ensaio: Pista seca, nível médio do mar, temperatura e umidade padrão, e vento calmo
Organização
Unidades Subordinadas A Strike Fighter Wing Atlantic exerce o comando administrativo e operacional do Esquadrão de Reposição da Frota (VFA-106) e o comando administrativo de mais 16 esquadrões operacionais de F/A-18 Hornet e F/A-18E/F Super Hornet, da Frota. Em cada esquadrão servem uma média de 22 oficiais e aproximadamente 190 praças.
• VFA-11 Red Rippers Adicionalmente o CSFWL exerce comando operacional e administrativo da SFWSL – Strike Fighter Weapons School Atlantic. |
Ficha Técnica Boeing F/A-18E/F Super Hornet
Tripulação: F/A-18E: 1 Comprimento: 18,31 m Envergadura: 13,62 m Altura: 4,88 m Área da Asa: 46,5 m²
Peso Vazio: F/A-18E: 14.552 kg Peso Máximo de Decolagem: 29.937 kg
Capacidade Interna de Combustível: F/A-18E: 14.400 lbs
Percentual Peso Estrutural: Alumínio……………30% Motorização: (2) GE F414-GE-400 Empuxo Full Afterburner: 44.000 lbs Velocidade Máxima: 1.6 Mach Teto de Combate: 50.000 ft Alcance: 2.346 km, sem tanques externos, com 2 AIM-9 Raio de Combate: 722 km sem reabastecimento em voo
Alcance em Traslado: 3.330 km Armamento Canhão: 1× 20 mm M61A2 Vulcan tipo gatling gun
Cabides: 11 totais Mísseis:
Ar-Ar: AIM-9 series Sidewinder Bombas mais utilizadas:
GBU-12/16 LGB Bombas guiadas a Laser
Raytheon AN/ALE-50 towed decoy (chamariz de mísseis rebocado)
Raytheon APG-79 Radar
Operadores: US Navy – Estados Unidos |
Notas do Autor
“Bullshit”, ou em bom português, uma grande bobagem
Muito opinam como argumento contrário ao F/A-18E/F – sabe-se lá a que interesses – o fato do caça ter sido desenvolvido como um multirole naval, portanto, encontraria restrições quanto a sua operação por uma Força Aérea. Querer desqualificá-lo quanto à adequação às necessidades de defesa aérea brasileira pelo fato de originalmente operar a partir de porta-aviões, o que o faz seja dia ou noite e em qualquer condição de tempo, onde geralmente suporta sol, chuva e maresia (sem qualquer comprometimento da vida útil da aeronave), e, pasmem, julgar como excesso, a robustez do trem de pouso do Super Hornet, chega a ser risível.
Prova de que o caça atende de forma satisfatória tanto requisitos de uma marinha quanto à aeronáutica, é o fato do Super Hornet ter sido adquirido pela Real Força Aérea Australiana (RAAF), onde tem demonstrado um alto índice de disponibilidade e onde ocupa hoje a função de principal vetor de defesa aérea daquele país. A compra dos F/A-18F pela Austrália, renderam à Boeing premiação pela entrega antecipada de todas as unidades, em relação aos prazos contratados, fato este, igualmente registrado nas entregas nos Estados Unidos.
Um Olhar “Linkado”
O Brasil tem constantemente reivindicado o seu reconhecimento como ator de influência global, reiterando pleito a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Para isso, temos que fazer a estrutura de nossos instrumentos de defesa condizer com a extensão de nossas fronteiras, o valor de nossas riquezas e a importância de nosso povo. O primeiro passo concreto no sentido de construir um conjunto razoável de proteção da soberania e defesa dos interesses do Brasil é tratar a questão como política de Estado e não de Governo. Um olhar pertinente e com ações de continuidade. Deixar de pensar em comprar armas, no sentido isolado, e passar a planejar a compra de sistemas militares integrados como um todo. A guerra moderna tem na capacidade de atuação “linkada” das forças, combatentes e instrumentos bélicos, a condição sine qua non para o sucesso em um teatro de operações, e sem isso, é impossível se pensar em participações de importância em operações conjuntas de nações aliadas.
Em nossa visita às maiores bases da US Navy, podemos atestar o quão importante é este conceito onde navios, submarinos, caças, tropas terrestres e tanques “conversam” ente si, produzindo uma espécie de “foto panorâmica” do cenário de conflito a ser enfrentado.(ver foto sobrevoo caças F/A-18 Destroyer US Navy)
Preservadas as tradições e individualidades de cada força, não podemos aceitar como justificativa para comportamentos antiquados e desatualizados, a atuação dicotomizada, sem integração conjunta e com pudores de compartilhamento de mesmo tipo de equipamentos, estruturas e facilidades. Apenas para exercício desta linha de raciocínio, imaginemos que, se em função e a partir da compra dos caças previstos no F-X2, lançasse de pronto o Ministério da Defesa a necessária reposição de nossos caças navais, considerando em paralelo à sua aquisição, um acordo bi-lateral pelo qual poderíamos dispor uma esquadrilha operando sob o comando de pilotos do VF-1 da Marinha do Brasil, a partir de um porta-aviões estrangeiro em apoio a operações conjuntas aprovadas por resoluções da ONU. Alternando-se por temporadas, esses aviadores navais, além de ganharem uma experiência formidável, a ser trazida de volta a suas unidades, teriam a oportunidade de filtrar o que de bom poderíamos absorver e incorporar como doutrina de combate. Vislumbremos, despidos de pudores tupiniquins, o salto de qualidade que poderíamos dar em relação ao profissionalismo militar brasileiro. Se isto tudo parecer muito absurdo, parem, respirem, e relembrem que já tivemos algumas experiências bem sucedidas neste sentido, como por exemplo, o envio de militares brasileiros à LSO – Landing Signal Officer School, de onde, uma vez concluso o curso teórico e simulado, embarcaram em porta-aviões da US Navy para por em prática seu aprendizado, o que incorporou à Marinha do Brasil, grande know-how para a operações no NAe São Paulo.
Alberto Martins Torres
Este herói, infelizmente, gozou de mais reconhecimento no estrangeiro que em seu próprio país. Ele foi condecorado com duas Distinguished Flying Cross, por ato de bravura, Air Medal with Four Clusters, Croix de Guerre avec Palme, a Cruz de Guerra Francesa, Mérito Aeronáutico, Medalha de Aviação, Cruz de Aviação, Medalha da Campanha na Itália, Medalha Atlântico Sul. Sugestão: Recomendamos a leitura de “Overnight Tapachula”, disponível para compra somente em sebos. Um relato autobiográfico riquíssimo, que revela o olhar de um piloto sensível e um ser humano de muitas qualidades. Sua visão sob o comprometimento da aviação no apoio aéreo aproximado das tropas aliadas merece destaque. Vale à pena conferir. |