F/A-18 – O voo… ainda não.

O voo… ainda não.
 

Vianney Jr.

 

Imagino que nesta altura do campeonato, o nosso leitor, que na sua grande maioria é dotado de refinados conhecimentos militares e mesmo aeronáuticos, esteja ansioso para ter maiores detalhes desta avaliação de desempenho, mas não poderíamos prosseguir sem darmos o merecido registro ao profissionalismo com que nos deparamos nas etapas de avaliações médicas e fisiológicas, de treinamento das técnicas e uso dos equipamentos de sobrevivência, pelas quais passamos no Aviation Survival Training Center na Estação Naval de Norfolk, em Virgínia.

Fomos recebidos pela diretora do centro, CDR (Commander, posto equivalente à Capitão-de-Fragata) Lee Vitatoe, que nos conduziu através dos diversos estágios necessários à certificação de nossas condições para o cumprimento da missão. A experiência dos militares que nos treinaram incluía em sua maioria expedições em teatros de combate, como Iraque, Afeganistão e Líbia, no currículo. A estrutura disponível é um capítulo a parte. Dotados de equipamentos de ponta, num constante processo de pesquisa e desenvolvimento, o centro de treinamento consegue alimentar a cadeia de melhoramentos a partir dos próprios resultados obtidos em suas atividades regulares. Durante as aulas teóricas, a troca de experiências entre os participantes, muitas vezes relatando situações críticas vivenciadas em ambiente de combate, condições meteorológicas adversas, ou ainda, descrevendo um eventual mau funcionamento, falha de equipamentos, aeronaves ou sistemas, enriquecia sobremaneira a instrução e eram devidamente registrados para incorporação na doutrina de voo, aprimoramento de procedimentos e retroalimentação das equipes de desenvolvimento dos equipamentos de segurança. Uma perfeita conjunção de fisiologia aeroespacial e tecnologias de suporte ao desempenho de funções em atividades aeronáuticas militares.


           

CDR Lee Vitatoe apresentando os modernos equipamentos
de voo da US Navy Foto – DefesaNet

Para o voo em um caça supersônico, o treinamento do abandono da aeronave em uma emergência é de primordial importância, uma vez que, pelas altas velocidades envolvidas, a mudança de uma simples anormalidade para um sinistro inevitável ocorre numa questão de milésimos de segundo. O F/A-18E/F é equipado com um assento ejetável Martin Baker SJU-5/6 zero/zero, o que significa que o piloto pode ejetar-se mesmo no solo e com a aeronave parada, fato que poderia ocorrer em caso de uma colisão, incêndio ou explosão, situações onde o abandono imediato do caça fosse imperativo. No treinamento de ejeção, inclusive, nos foi apresentado o incrível episódio ocorrido com um piloto de F-15 Eagle, que se ejetou em velocidade supersônica. E sobreviveu! O feito deu-se em 18 de abril de 1995, quando o Capitão da Força Aérea Americana, Brian Udell, comandou o punho de ejeção em um mergulho invertido abaixo de 3.000 pés (914 metros) a inacreditáveis 780 nós (1.445 km/h), apenas meio segundo antes de colidir com a superfície do mar, durante um exercício de combate noturno sobre o Oceano Atlântico, em decorrência de uma pane do HUD (Head-Up Display) e do sistema eletrônico de indicação de direção de atitude (EADI).

Durante a ejeção o Capitão Udell teve seu capacete, máscara de oxigênio, protetores de ouvido, relógio, luvas, canetas, carteira, bolachas do esquadrão e uma garrafa de água arrancados. Sua camiseta ficou em pedaços, os cadarços rasgaram o couro de suas botas e seu colete salva-vidas foi reduzido a fiapos. Após a abertura do paraquedas, ele ainda tentou alcançar seu bote inflável, quando percebeu que seu braço esquerdo estava deslocado, e usando os dentes e o braço direito, a poucos segundos de chegar à água, conseguiu ajustá-lo e inflá-lo. Lutando para manter-se em cima do bote com a perna e o tornozelo esquerdos quebrados, o cotovelo esquerdo luxado, um corte no olho esquerdo e muitos outros na face e pelo corpo, além de muitas costelas partidas, ele esperou quatro horas em um mar com ondas de um metro e meio, ventos de 27 km/h e uma temperatura de 15ºC até que fosse localizado e resgatado. Durante este tempo ele utilizou-se de todo o treinamento que havia recebido e depois no hospital durante sua recuperação, atestou que um aviador que não leve este tipo de treinamento a sério pode pagar o preço da própria vida por não fazê-lo.
           

Instrução no assento ejetável Martin Baker SJU-5-6. Foto – DefesaNet

Após o treinamento na Martin Baker SJU-5/6, o parachutismo, afinal se fosse necessário deixar o avião era bom estar igualmente preparado para retornar ao solo com segurança, o que incluía desde o estudo de aberturas anormais do velame (corpo do paraquedas) até a operação dos batoques (alças que comandam o equipamento) nas situações de emergência, passando pelos procedimentos de aterragem e desvencilhamento, no solo, água, árvores, cabos de tensão e regiões montanhosas.

Na moderna e ampla câmara hipobárica do Centro é possível emular com grande velocidade as diferentes condições atmosféricas de variação altimétrica, no que diz respeito à densidade e consequente concentração de oxigênio/m², o que permite as simulações relacionadas com os efeitos da expansão de gases, percepção dos sintomas da hipóxia e instruções de utilização dos sistemas de suprimento artificial de oxigênio.

A moderna câmara hipobárica  do ASTC Fot – DefesaNet
 

Se por um lado as tripulações da US Navy, em particular as dos esquadrões de caça e ataque são levados ao limite e mantidas afiadas para emprego a qualquer momento, local, condição meteorológica, seja dia ou noite, a partir do solo ou embarcadas em porta-aviões, o que sugere um elevado grau de estresse, por outro lado a preocupação com o elemento humano percebe-se até mesmo na rotina diária, como o uso dos toaletes. Em praticamente todos os Centros de Treinamento e Esquadrões em que estivemos, vimos afixados nos mictórios, escalas de coloração da urina que sugeriam a condição de hidratação corporal, para comparação pelos pilotos, lembrando a estes da importância da constante reposição líquida, uma vez que no caso de aviadores, o fator hidratação pode inclusive influir diretamente sobre seu desempenho em voo, cite-se a resistência ao G-Loc (perda da consciência pelo efeito de elevadas cargas de aceleração gravitacional).

Continuação – F/A-18 – Agora sim, o Voo – Parte 1

Aula do treinamento de sobrevivência para pilotos – Foto – DefesaNet

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