F-X2: Entre a Concorrência e a Linha de Voo, o Contrato
por Vianney Jr
Analista de Defesa e Aeroespaço /
Editor de Avaliação de Aeronaves
Tanto embora muito ainda haja a ser acompanhado, a ação dos senadores da CRE – Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, trouxe ao grande público a mais abrangente discussão, até o momento, sobre o programa de reequipamento e modernização da Força Aérea Brasileira, o F-X2. As perguntas diretas, e por vezes contundentes, lideradas pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da comissão, demonstraram uma postura compatível com o que espera o contribuinte, a prestação de contas e a transparência no que se refere à compra dos 36 caças Gripen NG, ao custo anunciado de 4,5 bilhões de dólares. De forma mais ampla, prestou-se ao tema da Defesa, um valioso serviço de desmistificação dos investimentos militares, revelando o outro lado da moeda. No caso, o retorno gerado pela elevação do padrão industrial e nível de excelência profissional no País.
Muito além da Guerra
A senadora Ana Amélia (PP-RS), foi muito feliz ao desvincular os investimentos nos caças como uma questão unicamente bélica. “Nós estamos em um ousado projeto, que não é apenas de Defesa. Eu penso que a absorção tecnológica numa área tão refinada e tão especializada como essa, dá ao Brasil um salto de qualidade e de acesso à tecnologia no desenvolvimento industrial e econômico do País, que é incalculável”, definiu a Senadora. Trouxe à luz, toda a esteira de desenvolvimento e capacitação que os projetos militares deixam ao dia a dia de toda a sociedade. A indústria aeronáutica, por si só, notabiliza-se pela qualificação dos postos de trabalho.
Senadora Ana Amélia (PP/RS) e Senador Eduardo Suplicy (PT/SP)
O comandante da aeronáutica estimou que 2.000 a 3.000 empregos diretos, além de 22 mil indiretos deverão ser criados em razão da produção de 80% do novo caça em território nacional, número que leva em conta a fabricação das aeronaves para a própria Suécia, e eventualmente para a Suíça, além das encomendas de exportações diretas a partir do Brasil. No aspecto da propriedade intelectual, cerca de 40% do projeto será desenvolvido por engenheiros brasileiros, segundo a empresa sueca SAAB, responsável pelo design do Gripen. Em suma, o contrato contemplará compensações (offset na linguagem de aquisições militares) da ordem de 170% de seu valor. Dentre as vantagens intangíveis, a qualificação necessária ao ingresso no seleto grupo de fabricantes de aviões supersônicos. A conquista desta e outras expertises é esperada refletir-se na qualidade das já conceituadas aeronaves fabricadas pela Embraer, que cada vez mais ocupam espaço no mercado internacional.
Nota DefasaNet,
Colocamos o estudo do Brigadeiro Crepaldi sobre Offsets (Contrapartidas Comerciais): A POLÍTICA DE OFFSET DA AERONÁUTICA NO ÂMBITO DA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA PDF Link |
O Relatório da FAB
O Tenente-Brigadeiro-do-Ar Juniti Saito, fez-se acompanhar do Brigadeiro-do-Ar José Augusto Crepaldi Affonso, presidente da COPAC – Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate, responsável pela confecção do relatório da Aeronáutica (concluído em janeiro de 2010) ao então Presidente Lula, e que segundo a FAB, balizou tecnicamente a decisão final da Presidente Dilma. Aqui vale lembrar o trabalho desenvolvido por dois destacados antecessores, Brigadeiro Fernando Cima, hoje na reserva, e o Major-Brigadeiro-do-Ar Carlos Baptista Jr., no momento deixando o COMDABRA – Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro, e assumindo a DIRMAB – Diretoria de Material Bélico Aeronáutico.
Brigadeiro Saito e Brigadeiro Crepaldi na Audiência Pública.
Foto Agência FAB
A apresentação do Brigadeiro Crepaldi construiu o mais relevante argumento no que pese à decisão no F-X2, repetido por várias vezes ao descrever a jornada do piloto brasileiro, de cadete à operacionalidade: o de cumpri-la em uma aeronave “desenvolvida e fabricada no Brasil”. “Não há defesa eficiente sem a participação da indústria nacional. Com o Gripen NG o Brasil dará o primeiro passo para o desenvolvimento de um caça de 5ª geração, além de permitir o domínio de novas tecnologias e, posteriormente, exportar tecnologia”, destacou o presidente da COPAC.
Pingos nos “i”s
Mesmo com este forte argumento do voo em aeronave “desenvolvida e fabricada no Brasil”, o Ministério da Defesa havia derrapado no tom das explicações iniciais quando do anúncio da decisão pelo Gripen NG. Muitos foram os superlativos usados para descrever o caça escolhido.
Apresentação do hot site www.gripenng.fab.mil.br Clique no link ou na foto
O próprio hotsite hospedado no domínio da FAB, na internet, ainda exibe o título de “Aeronave de Combate Mais Avançada do Mundo”! Talvez algum superlativismo inicial tenha sido oriundo do peculiar sentimento brasileiro de necessariamente se ter o melhor, o maior… Bem, nesta escolha, não é o caso. Numa grosseira analogia “automotiva”, um carro com configuração para sete passageiros não é necessariamente a melhor escolha para uma família de pai, mãe e um único filho, simplesmente por oferecer quatro assentos extras. Tudo é uma questão de adequação, e aqui, o argumento central da apresentação do presidente da COPAC indica um caminho convincente e justificável.
Mas aí, exatamente, a Audiência Pública da CRE deu oportunidade a esclarecimentos em pontos de suma importância, como por exemplo, o cronograma de desenvolvimento da aeronave.
Quanto ao frequente questionamento de que o caça sueco seria um “avião de papel”, o Tenente-Brigadeiro Saito respondeu aos senadores que o Gripen NG deverá ter seu protótipo construído provavelmente em 2015.
O Comandante da Aeronáutica disse, no entanto, não acreditar em gargalo tecnológico uma vez que o novo caça a ser desenvolvido é um “derivativo do Gripen C/D”, em voo desde 1997, e hoje em operação em seis países (Suécia, República Checa, Hungria, África do Sul, Tailândia, e uma aeronave na Escola de Pilotos de Teste – ETPS, no Reino Unido).
Sempre com uma postura bastante disponível, o Tenente-Brigadeiro Juniti Saito procurou traduzir ao linguajar comum, termos técnicos, fazendo uma exposição muito acessível ao contribuinte interessado em compreender o processo de compra dos caças. Neste particular, não se furtou a estender esclarecimentos sobre o eventual interesse do desenvolvimento de uma versão naval para a Marinha do Brasil, capaz de ser operado a partir de porta-aviões, como o NAe São Paulo, pertencente à Esquadra Brasileira. E atende ao futuro porta-aviões em desenvolvimento dentro do PRONAE (Programa de Obtenção Navio-Aeródromo).
Um Caça entre Gerações
Ao ser indagado pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) quanto ao significado prático de “Geração” de uma aeronave de combate, o Comandante Saito valeu-se da licença poética ao chamar o Gripen NG de um caça de geração “4.6”, uma vez que em sua avaliação, as características do avião, após concluído, o posicionarão em uma escala de desenvolvimento entre um caça de 4ª e um de 5ª geração (operacionalmente disponível apenas nos Estados Unidos).
Vide a matéria: Caças: O “X” da Quest…, digo, da Geração Link
Quem Protege os Céus do Brasil até a Chegada do Gripen NG?
Outra preocupação dos senadores foi esclarecer como fica a defesa do espaço aéreo brasileiro até a chegada dos Gripen NG. O inventário atual de aviões de combate a jato da FAB é de 57 caças F-5 para a defesa aérea, 43 aeronaves A-1 de ataque-ao-solo, a serem desativados a partir de 2025 e 2030, respectivamente.
Com a desativação das aeronaves de interceptação Mirage 2000C/B em dezembro de 2013, os caças F-5 assumiram esta tarefa. “Naturalmente não é a aeronave ideal, mas cumpriremos [a missão de defesa aérea] da melhor maneira possível”, explicou o Comandante da Aeronáutica.
Como forma de mitigar o gap gerado na capacidade de defesa do espaço aéreo brasileiro, já avançam as negociações para um leasing de caças da versão em operação, Gripen C/D, diretamente oferecidos pela Flygvapnet, a Força Aérea da Suécia. Este contrato abrangeria algo entre 10 e 12 aeronaves, a chegarem a partir do segundo semestre de 2015, ou primeiro semestre de 2016, uma vez que os primeiros caças Gripen NG do programa F-X2 só seriam entregues no final de 2018, mas mesmo assim “só poderemos estruturar um esquadrão a partir de 2019 ou 2020”, afirmou Saito.
Postura Republicana
Afora as questões de natureza tecnológica, operacional e técnica, os senadores Ricardo Ferraço, Aloysio Nunes Ferreira, Ana Amélia e Eduardo Suplicy exploraram os tópicos relativos ao incentivo à indústria nacional, geração de emprego e renda, e os itens atinentes ao orçamento e financiamento previstos para o F-X2. Quando indagado sobre o efetivo desembolso de valores referentes à compra das 36 aeronaves, o Tenente-Brigadeiro Juniti Saito explicou que entre as cláusulas contratuais em discussão, está contemplado o início do pagamento do financiamento, entre 6 a 8 meses após a entrega da última aeronave, a princípio prevista para 2023.
Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da CRE conduz os trabalhos
Também discute-se o escalonamento dos pagamentos, que devam ficar ao redor de parcelas anuais de 500 milhões de dólares, durante 9 anos até a quitação total. Para uma simples referência, estas parcelas representariam algo em torno de 10% do orçamento anual da Aeronáutica.
O senador Aloysio Nunes Ferreira manifestou sua preocupação quanto à demora excessiva nas decisões, e quebra da continuidade da alocação de recursos para os programas de Defesa, alertando para o prejuízo que tais condutas podem causar ao Brasil, quer pela diminuição de efetividade de suas Forças, quer pelo enfraquecimento e defasagem da indústria nacional.
Vide a matéria: Quando o Interesse do Estado perde para o Projeto Eleitoral Link
Com uma intervenção técnica, a senadora Ana Amélia manifestou sua preocupação com a garantia de recursos, e lembrou que por se tratar, o F-X2, de contrato internacional, não há possibilidade de contingenciamento. Em suas colocações, o senador Aloysio Nunes Ferreira cobrou de seus pares ressonância do tema no mundo político, e fez alusão ao papel primordial da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional nesta seara.
O proceso de Avaliação e Seleção do Programa F-X2 do dentro da COPAC.
Ainda a percorrer o processo Legislativo, Relações Exteriores Planejamento, Fazenda, e outros
Ponto marcante desta Audiência Pública, a louvável demonstração do Parlamento com uma perceptível postura mais dinâmica no envolvimento com as questões de Defesa, dando prova de que o acompanhamento de tais matérias tem migrado de uma mera formalidade, para o bom debate dos projetos de interesse do País nesta área. Sim, o Brasil tem grandes déficits sociais, mas a iniciativa do Senado, apoiada pela Força Aérea, contribuiu para fazer despertar no cidadão comum brasileiro a compreensão de que Defesa é também importante, assim como o são a Saúde, a Educação. Talvez menos perceptível no dia a dia de um povo tão carente, mas certo é que os investimentos neste setor contribuem para o desenvolvimento do País, além de garantirem o exercício pleno da soberania sobre seu território e suas riquezas, para o bem comum de todos os brasileiros.
É pois, um ato republicano cobrar das Comissões, tanto no Senado como na Câmara dos Deputados, que cumprindo com suas atribuições legais, e em defesa da instituição FAB, se comprometam em acompanhar de perto o desenrolar dos capítulos decisivos do F-X2, e garantam a alocação de recursos para sua conclusão, uma vez que o mesmo implicará em grande parte no futuro da própria Força Aérea Brasileira pelos próximos 40 anos, no mínimo.