Eduardo Marson
Presidente Fundação EZUTE
Publicado Página Opinião Estado de São Paulo 09 Julho 2018
Quando a Força Aérea dos EUA, no final da década de 1950, encomendou ao laboratório de pesquisas do Massachusetts Institute of Technology o desenvolvimento de um sistema de defesa aérea do país, logo percebeu que os tempos da academia eram diferentes da necessidade objetiva do momento. Os administradores americanos então decidiram que esse trabalho deveria ser conduzido por uma corporação privada sem fins lucrativos. A organização a ser criada deveria ser livre de conflitos de interesses para poder realizar um trabalho de articuladora independente num projeto de geração de conhecimento estratégico que envolvia pesquisa, desenvolvimento, inovação e defesa da soberania, com múltiplos atores.
Essa foi a origem da Mitre Corporation (de MIT Research), uma organização que desde então exerce o seletivo papel de honest broker, oferecendo apoio à gestão pública, ao desenvolvimento tecnológico e à resolução de problemas complexos da administração dos EUA, mantendo uma equidistância saudável entre as entidades governamentais, as empresas industriais e de serviços, a academia e outros institutos de ciência e tecnologia.
Depois de desenvolver o sistema de defesa aérea e outros programas governamentais, o foco da Mitre se expandiu. Agindo como um eixo eficaz para melhor aproximar a teoria lançada pela academia e a prática produtiva da indústria, de modo que o país fizesse o melhor uso dos recursos, obtendo junto ao mercado civil uma oportunidade para multiplicar a geração de riqueza embutida nos produtos, a Mitre exerceu seu papel de honest broker no gerenciamento de grandes encomendas governamentais de tecnologia para modernizar outros setores, como segurança pública, saúde, Judiciário, transportes e energia.
A expressão honest broker foi criada na cultura anglo-saxônica, ainda na era medieval, para um árbitro independente cujo papel era dirimir as disputas entre súditos. O papel das atuais honest brokers deve ser pensado como de uma articuladora isenta, capaz de conciliar os interesses, os objetivos e o timing governamental, acadêmico e da iniciativa privada, que muitas vezes não são iguais.
O Brasil tem enorme premência em desenvolver uma série de projetos de interesse nacional, com foco estratégico em sistemas tecnológicos complexos, que exigem serviços especializados intensivos em conhecimento, com uma atuação integradora e muita eficácia gerencial para obter resultados. E a maior parte desses projetos depende de uma visão sistêmica que reúna dados de especialistas, estudos estruturados e metodologias consagradas, para o desenvolvimento de soluções que contribuam para o domínio e a aplicação de tecnologias críticas com alto valor agregado, e que muitas vezes envolvem questões de soberania e inserção do País numa nova posição geopolítica global.
Um exemplo de projeto de interesse nacional que revelou uma atuação integradora com visão sistêmica foi o Sivam, o Sistema de Vigilância da Amazônia. O projeto exigia a concepção e integração de um inovador sistema de inteligência, constituído por vigilância e controle do espaço aéreo numa região sujeita à ocorrência de todo tipo de ilícitos, como a Amazônia Legal brasileira. Um grande “sistema de sistemas” que depois de desenvolvido pudesse ser repassado para a indústria nacional continuar a fazêlo evoluir enquanto produto, o que efetivamente aconteceu.
A falta de visão sistêmica em projetos resulta, na maioria das vezes, em desperdício de tempo, energia e, principalmente, de recursos, que deveriam ser mais criteriosamente empregados para atender às necessidades da sociedade. Detectar uma necessidade, equacioná-la a partir de dados científicos e propor uma solução por meio de uma metodologia sólida e reconhecida é o papel que se espera de uma honest broker.
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Não podemos mais tentar responder aos desafios
sem privilegiar o pensamento sistêmico
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No vasto campo existente no Brasil para a atuação de uma organização com essas características se destaca o da segurança pública, um processo que precisa ser encarado com uma visão sistêmica que resulte numa ação eficaz. Não bastam aquisições isoladas de veículos e equipamentos, armas ou munição. Existe urgência no desenvolvimento de um sistema que permita fortalecer e ampliar as melhores práticas de gestão de planejamento e operação de controle da criminalidade, tendo como atributos força institucional e criação de base de dados unificada, racionalidade de recursos e compromisso com a modernização pública e com o bem-estar social.
Em relação ao programa espacial, mais do que nunca ficou evidente que as tentativas isoladas levaram a uma estagnação, impedindo o pleno cumprimento de seus objetivos de desenvolvimento das tecnologias necessárias de veículos lançadores, produção de satélites e exploração espacial em geral no País.
A própria emergência das cidades inteligentes exige essa visão. Não adianta pensarmos nas cidades sem que a instalação de equipamentos de última geração, destinados à melhoria da gestão urbana, consiga aperfeiçoar efetivamente a sua administração, como infelizmente vem ocorrendo atualmente no Brasil.
Não podemos mais cair na armadilha de tentar responder aos desafios sem privilegiar o pensamento sistêmico, a partir do uso da ciência organizacional e da adoção da moderna governança dos processos. Para isso são necessárias organizações capazes de atrair as melhores mentes científicas, proporcionar ambiente favorável à pesquisa, realizar análise independente e imparcial, dar sobrevivência de longo prazo aos trabalhos, desvincular os centros da necessidade de obter lucro, estabilizar equipes interdisciplinares e desenvolver as tecnologias adequadas aos problemas. E fazer tudo isso com absoluta isenção e confidencialidade, permitindo que governo, academia e setor privado possam adotar as melhores soluções para os desafios complexos que envolvem o interesse nacional.
Não podemos mais tentar responder aos desafios sem privilegiar o pensamento sistêmico