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Infantaria Mecanizada – Uma Realidade no Exército Brasileiro

Coronel Walter Henrique Amaral de Deus*


O permanente processo de modernização da Força Terrestre busca adequar boa parte das Organizações Militares (OM) operacionais, dotando-as de grande mobilidade estratégica e poder de combate compatível com as potenciais ameaças ao país, de modo que possam atuar como elementos de dissuasão e de pronta resposta, no amplo espectro dos conflitos. O Projeto Guarani, um dos macroprojetos do Exército Brasileiro (EB), trouxe a oportunidade de criação das Brigadas de Infantaria Mecanizadas, dotadas de Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal Médias de Rodas (VBTP-MR) adequadas aos novos desafios das operações militares do mundo contemporâneo.
 
Nesse sentido, o Estado-Maior do Exército (EME) aprovou, em 2010, as bases doutrinárias da Brigada de Infantaria Mecanizada (Bda Inf Mec) e do Batalhão de Infantaria Mecanizado (BI Mec), e estabeleceu as diretrizes para a implantação, em caráter experimental, da base doutrinária da Bda Inf Mec. A concepção básica destas diretrizes prevê a implantação da doutrina de combate da Infantaria Mecanizada sendo executada de forma progressiva.

As ações foram distribuídas cronologicamente, iniciando-se no escalão pelotão, no sistema operacional manobra, sendo expandidas de forma gradativa para os escalões Subunidade e Unidade, e culminando com o escalão Grande Unidade (GU). No ano de 2012 foi realizada a experimentação doutrinária (Expr Dout) do pelotão de fuzileiros mecanizado (Pel Fuz Mec). Nos anos de 2013 e 2014 será executada a experimentação da companhia de fuzileiros mecanizada, e, nos anos subsequentes, a dos demais escalões e sistemas operacionais.

A previsão inicial é que os BI Mec sejam equipados com VBTP-MR Guarani da nova família de blindados do EB. Como estas viaturas ainda não se encontram disponíveis para a utilização na experimentação doutrinária, os primeiros trabalhos foram realizados com VPTP Urutu – e continuarão sendo, até que sejam distribuídas as novas viaturas.
 
A 15ª Brigada de Infantaria Motorizada (15ª Bda Inf Mtz), sediada em Cascavel – Paraná, foi selecionada para ser a Grande Unidade precursora da Infantaria Mecanizada, responsável por iniciar a implantação da nova doutrina e da estrutura de Bda Inf Mec1. O fato de a Brigada estar situada no Oeste do Paraná traz aspectos que favorecem o processo de transformação e o desenvolvimento da doutrina adequada à nova tropa. Trata-se de uma região dotada de grande malha viária, situada em planalto, onde a vegetação original deu lugar a grandes plantações e pastos, compondo cenário adequado ao emprego de viaturas de rodas.
 
A importância estratégica da Brigada oferece boas oportunidades de estudos doutrinários, com operações de defesa da fronteira, de combate a ilícitos transfronteiriços e de proteção de infraestruturas críticas existentes na região.
 
Esta importância estará sendo valorizada com a transformação e a ampliação da capacidade operacional dessa GU. O 33º Batalhão de Infantaria Motorizado (33º BI Mtz) foi designado para iniciar os trabalhos de implantação da base doutrinária da Bda Inf Mec, sob coordenação, orientação e com o apoio da 15ª Bda Inf Mtz. Sua missão é executar todas as atividades inerentes à experimentação doutrinária, o que o transformará na primeira unidade de Infantaria Mecanizada do Exército Brasileiro.
 
A PRIMEIRA UNIDADE DE INFANTARIA MECANIZADA DO EB
 
O 33º BI Mtz ocupa modernas instalações na cidade de Cascavel, próximas ao Quartel General da Brigada. Estes são dois aspectos que se mostraram favoráveis aos trabalhos ligados ao desenvolvimento da nova doutrina, pois, além da facilitada coordenação e acompanhamento por parte do comando da GU, será mais fácil adequar a infraestrutura física do Batalhão, pela excelência das instalações já existentes.

Diante dos novos desafios e na busca de criar ambiente favorável à condução do projeto, foi designado pessoal específico para conduzir a experimentação, de forma que não fossem comprometidas as rotinas e as demais missões do Batalhão. A existência de elementos voltados prioritariamente para o novo trabalho teve como objetivo, ainda, levantar as demandas já impostas, como a formação de motoristas de VBTP Urutu e atiradores de metralhadora calibre 0,50 polegada (Mtr .50), ainda no ano de 2011, para atender à Expr Dout do Pel Fuz Mec em 2012.
 
O EME estabeleceu os objetivos da experimentação e definiu os Elementos Essenciais de Informações Doutrinários (EEID). A seguir, foram detalhados os parâmetros a serem seguidos durante a Expr Dout, até o nível batalhão, com a organização das frações nível pelotão, subunidade e unidade de Infantaria Mecanizada, bem como a distribuição, por fração, das viaturas blindadas e seus respectivos armamentos.
 
Foi apresentado o primeiro Quadro de Cargos (QC) de BI Mec, baseado no QC de Batalhão de Infantaria Blindado (BIB). Para essa experimentação, o Batalhão passou a concentrar as ações em três áreas: adequação de infraestruturas, mudanças no QC e experimentação propriamente dita. Desenvolvidas simultaneamente, as três ações trouxeram a criação de nova mentalidade logística, extremamente necessária ao processo de transformação a que está sendo submetido o Batalhão, que sai da concepção de unidade motorizada e ingressa no conceito de OM mecanizada, equipada com sistemas de armas de alta tecnologia.
 
A inexistência de campo de instrução próximo à guarnição de Cascavel impôs realizar reconhecimentos e levantamentos topográficos para identificar áreas que atendessem satisfatoriamente às necessidades de adestramento da tropa de Infantaria Mecanizada6. Para a adequação das instalações, foram feitos entendimentos junto ao comando da Brigada e colhidas informações em outras guarnições do EB.
 
Concluiu-se pela necessidade de elaborar um projeto que descentralizasse as garagens por subunidades, facilitando a instrução e a manutenção das novas VBTP-MR, a partir de seu recebimento. Essa nova concepção de instalações, inspirada em organizações militares de Cavalaria, trará uma rotina peculiar às tropas blindadas e mecanizadas, permitindo o contato diário dos militares com suas viaturas.
 
Identificou-se, também, a necessidade de ampliação das áreas de circulação de veículos no Batalhão. Assim, foram apresentadas sugestões para a criação de estacionamento de veículos e pistas de desaceleração, para o trânsito das viaturas blindadas nas áreas interna e externa da unidade, junto ao seu perímetro.
 
Quanto às mudanças previstas no QC, já nos primeiros estudos verificou-se a necessidade do aumento do número de cargos de efetivo profissional do Batalhão, fator considerado preponderante para a formação, no médio prazo, do número de motoristas projetado para atender às demandas de uma unidade mecanizada, respeitando-se imposições do Código Nacional de Trânsito.
 
Em agosto de 2012, juntamente com a diretriz complementar para a execução da Expr Dout, o EME definiu o QC do BI Mec que serviria de referência para a experimentação. Na mesma época, o Comando da 15ª Bda Inf Mtz coordenava estudos visando a propor novo QC para o BI Mec, enfatizando a criação e a transformação de cargos que trouxessem maior operacionalidade e sustentabilidade logística. Foram analisadas as possibilidades e limitações do BI Mec no campo operacional, visando a levantar demandas de cargos para as atividades de comando e controle e logística da nova unidade.
 
Com relação a esta última, foram buscadas referências em outras tropas do EB, sobretudo na Aviação do Exército. Esse trabalho deu origem a uma nova proposta, ainda em fase de apreciação pelo EME, que traz importantes reflexos para o processo de implantação da Infantaria Mecanizada e da nova família de viaturas blindadas. Destaque para a estrutura de manutenção, que deverá ser adequada à quantidade de itens embarcados nas VBTP com alta tecnologia agregada – algo sem precedentes no âmbito da Força.
 
EXPERIMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA DO PELOTÃO DE FUZILEIROS MECANIZADO
 
Sob a coordenação da 15ª Bda Inf Mtz, o 33º BIMtz vem desenvolvendo a Expr Dout com uma sequência de ações que visam ao desenvolvimento da doutrina do EB para essa tropa de Infantaria.  Em 2011, foram formados os motoristas de VBTP Urutu, veículo empregado nessa fase inicial da Expr Dout do Pel Fuz Mec, e os atiradores de metralhadora .50, com o apoio do 16º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado (16º Esqd C Mec). Para a definição da sequência de atividades, foram observados os objetivos da experimentação definidos pelo EME, com especial atenção aos EEID – questionamentos a serem transformados em tarefas práticas que proporcionassem a obtenção dos resultados da experimentação.

O Comando de Operações Terrestres (COTer) passou, então, a realizar reuniões na cidade de Cascavel, para definir as tarefas que seriam realizadas no ano de 2012. Dessas reuniões participaram representantes do EME, do Comando Militar do Sul, da 5ª Região Militar e 5ª Divisão de Exército e do Centro de Instrução de Blindados. Foram definidas as atividades e o cronograma para o ano, concentrando a experimentação em operações ofensivas [Ataque Coordenado (Atq Coor) e Marcha para o Combate (M Cmb)], em operações defensivas (Def) e de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
 
Os trabalhos foram conduzidos com cinco VBTP-SR Urutu repotencializadas e entregues ao 33º BI Mtz. Em setembro de 2012, teve início o primeiro Estágio de Formação de Motoristas de Urutu, realizado em uma OM de Infantaria, o qual teve a finalidade de readaptar os motoristas de VBTP-SR formados no final de 2011, no 16º Esqd C Mec, e habilitar aqueles necessários à experimentação prevista para 2013. Todos os objetivos propostos no PPT 17/1 (Programa Padrão de Treinamento Específico de Motorista de Viatura Blindada) foram atingidos.
 
Em 01 Out 12, foram iniciados os exercícios da Expr Dout de Pel Fuz Mec, seguindo as fichas de experimentação doutrinaria elaboradas para cada situação de emprego – M Cmb, Atq Coor, Def e GLO. Essas fichas transformaram os EEID em tarefas executáveis pela tropa, no terreno. Os exercícios permitiram responder os EEID com propriedade, pois se conseguiu ter a real noção das possibilidades e limitações de um Pel Fuz Mec dotado com a VBTP Urutu.
 
Para as ações no terreno, o pelotão foi organizado de acordo com a estrutura apresentada pelo EME, baseada nos Pel Fuz dos BIB. Entretanto, com o desenvolvimento das ações, concluiu-se pela necessidade de serem realizadas alterações na estrutura do pelotão. Verificou-se, sobretudo, que ele deveria ser estruturado de forma a melhor atender as capacidades requeridas quando atuando desembarcado, segundo uma das possibilidades de emprego previstas para a tropa Inf Mec – “executar, quando desembarcada, operações terrestres sob quaisquer condições de tempo e terreno”,Foi incluída uma peça de Mrt 60 milímetros na organização do pelotão, composta por um Chefe da Peça/Atirador e um Municiador.
 
A intenção foi proporcionar apoio de fogo imediato, quando operando desembarcado. Além disso, foi proposta a alteração da graduação dos atiradores das VBTP de soldados (como nos BIB) para cabos da Qualificação Militar (QM) 0701, pois há a previsão de que as VBTP-MR Guarani possuam sistemas de armas com mais tecnologia incorporada, o que sugere a necessidade de operadores com qualificação mais detalhada.
 
Pelo mesmo motivo, propôs-se a alteração da QM dos cabos motoristas, atualmente da QM 0701 (Infantaria), para a QM 0951 (Mecânico), julgada mais adequada. Sendo de uma QM logística, o motorista de VBTP, desde o inicio da sua formação militar, aprenderia as técnicas correntes de manutenção, tornando-se, dessa forma, um eficiente auxiliar de manutenção do chefe de garagem da companhia de fuzileiros, além de ser um militar mais capacitado a operar todos os sistemas embarcados na viatura.
 
Outra questão a ser respondida dizia respeito ao armamento que deveria mobiliar cada uma das quatro VBTP orgânicas do Pel Fuz Mec. A torre Remax, armada com metralhadora calibre Mtr .50, mostrou-se a mais adequada. Além de facilitar o fluxo de suprimento de munição, essa configuração confere uma capacidade adequada para que o Pel Fuz Mec cumpra a maioria das missões que lhe serão atribuídas, em combate. Assim, mantem-se a possibilidade de que o pelotão seja reforçado com elementos de apoio da Cia Fuz Mec, de acordo com a situação. Ademais, o reparo automatizado da Mtr .50 pode ser adaptado para receber armamento de calibre 7,62 milímetros, mais adequado para emprego em ações de menor intensidade.
 
Cabe ressaltar, ainda, que a utilização de quatro viaturas armadas permitirá a condução do tiro por seção, facilitando o desengajamento das viaturas quando atuando como base de fogos para a manobra do pelotão, no combate a pé. Para a atuação do Pel Fuz Mec nas Operações no Amplo Espectro, concluiu-se que seu emprego se equivalerá em muitos aspectos ao de um Pel Fuz Bld, mas adquirindo um grau de flexibilidade sensivelmente maior, uma vez que possuirá proteção blindada conjugada com a Mtr .50 ou 7,62mm, além de possuir estrutura organizacional que conta com uma peça de Mrt 60.

Nas operações ofensivas e defensivas, é possível crer que possíveis limitações impostas por condições de transitabilidade do terreno degradado pelo mau tempo serão eliminadas e/ou mitigadas com a adoção da VBTP-MR Guarani, que possui sistemas de tração e capacidade de transposição de obstáculos muito superior à VBTP Urutu.

Estima-se que a VBTP-MR Guarani proporcione maior rapidez de concentração de meios ao Pel Fuz Mec, o que conferirá à fração maior amplitude em sua área de atuação – uma capacidade extremamente relevante, sobretudo nas operações de não guerra. Tal capacidade torna-se ainda mais importante quando consideramos a área de atuação das OM da futura 15ª Bda Inf Mec, a Região Oeste do Paraná. Com as novas viaturas, a GU terá melhores condições de cumprir sua missão, contribuindo de forma mais eficaz para a segurança do país em uma área tão importante e sensível do território nacional.
 
Além disso, em função da adequada combinação das características de mobilidade, ampliada, podendo, ainda, ser empregada em qualquer parte do território nacional dentro de pouco tempo a partir do acionamento, haja vista, entre outros aspectos, a grande malha viária existente no País.
 
Considerações finais
 
Apesar de a Expr Dout Pel do Fuz Mec não ter sido realizada com a VBTP-MR Guarani, foi possível verificar aspectos fundamentais que deverão ser atendidos a partir da adoção dessa viatura, para a Infantaria Mecanizada. As capacidades do Pel Fuz Mec, testadas nesta primeira fase, serão certamente potencializadas e ampliadas com a nova viatura. A tecnologia embarcada proporcionará mais segurança, controle automático de tiro e capacidade de conduzir o combate noturno embarcado, aspectos que possibilitarão a operação com as escotilhas totalmente fechadas, sem exposição desnecessária da tropa.
 
A VBTP-MR Guarani possui, ainda, mecanismos de proteção (incluindo proteção contra minas anticarro), modernos sistemas de navegação e estabilização de tiro, além de oferecer mais espaço ao combatente embarcado, reduzindo o desgaste desnecessário.
 
Assim, o Pel Fuz Mec estará organizado segundo uma concepção moderna e adequada ao emprego em todo o espectro dos conflitos. As ampliadas mobilidade e consciência situacional o capacitarão ao combate continuado e de curta duração, com rapidez nas ações e empregando força proporcional à ameaça, apoiado por grande aparato tecnológico. Em um eventual quadro de operações convencionais, a infantaria mecanizada estará mais apta às manobras de flanco.
 
A previsão de emprego na região Oeste do Paraná está coerente com as características de rapidez no deslocamento, segurança e dissuasão que lhe confere a viatura Guarani, seja em operações de combate a ilícitos transfronteiriços, seja dinâmico. Como em qualquer situação que envolva doutrina de emprego da F Ter, as conclusões de hoje podem e devem ser continuamente questionadas, aplicando-se mudanças de rumo ao projeto, quando julgadas necessárias.
 
Na eventualidade de serem identificadas necessidades de alteração de rumos durante as próximas fases da experimentação doutrinária da Cia Fuz Mec ou do BI Mec, elas serão sugeridas, sem dúvida. A F Ter pretende ter, ao final do ano de 2016, sua própria doutrina de emprego das Unidades de Infantaria Mecanizada, não uma simples cópia da doutrina de outros países. É fundamental que ela esteja perfeitamente dimensionada às necessidades e à realidade do Exército Brasileiro – de acordo com a dimensão continental do Brasil e alinhada à posição do país no cenário internacional.

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  Publicado Originalmente: DOUTRINA militar TERRESTRE e m r e v i s t a | Ano 001 | Edição 002 | Abril a Junho/ 2013 – Centro de Doutrina do Exército

Coronel Walter Henrique Amaral de Deus*
O Coronel de Infantaria Walter é instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), no Rio de Janeiro. É Bacharel pela Academia Militar das Agulhas Negras e pós graduado em Ciências Militares pela ECEME. À época em que redigiu este artigo, era o Comandante do 33º Batalhão de Infantaria Motorizado, em Cascavel, no Paraná.

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