Uma Passagem para o Futuro
por Vianney Jr.
Enviado Especial DefesaNet à Suécia
Nota DefesaNet – Materia publicada originalmente no dia 07 Setembro 2012
Texto en inglês GRIPEN – A ticket to the future Link
A apresentação de Eddy De La Motte, vice-presidente de marketing da Gripen International, em Farnborough, foi a penúltima peça em um quebra-cabeça que comecei a montar desde minha visita à sede da SAAB, em Linköping, após o Aerospace Forum Sweden em maio de 2012. Minha missão, avaliar o caça multifunção, Gripen. Isto poderia parecer uma tarefa fácil para alguém que tem feito avaliações por tantas vezes e com diversas aeronaves.
Na verdade a coisa não seria tão fácil quanto possa parecer. Eu não estava buscando avaliar uma aeronave acabada, mas sim uma “Next Generation” em processo de construção. Nossas conversas nem sempre seriam confortáveis, pois meu papel era de perguntar questões sobre assuntos sensíveis, e eu não estava lá para uma visita de promoção da aeronave. Muito menos para aqueles “voos” de estande cujo pré-set do simulador faz qualquer entusiasta pensar que domina a máquina e é quase um ás da caça. Eu estava lá para a coisa real.
Pondo as cartas na mesa
Muito agressivo? Hábitos de voo, talvez. Eu estava ansioso para realmente me aprofundar no novo caça sueco, finalista no F-X2, o certame brasileiro para modernização de sua Força Aérea. Longe das frases de efeito dos folders, e das apresentações sempre auto-elogiosas dos vendedores, eu queria testar e comprovar os mais recentes avanços na produção do novo Gripen, um Next Generation que justificasse o auto-rótulo: O Caça Inteligente; e Melhor Caça Monomotor do Mundo. Após o treinamento teórico e no simulador, e depois de estudar as análises de testes de voo anteriores, eu voaria o JAS-39 Gripen D, uma vez que o avião demonstrador do conceito NG estava no hangar exatamente para incorporar um destes avanços, o novo radar SELEX Galileo AESA ES-05 Raven, o coringa da SAAB para permanecer competitivo no jogo dos super caças. Esta importante “carta” dotará o Gripen de um ângulo de varredura de ±100º e faz parte das especificações de material nº 21 para o Gripen E/F.
Mas porque voar o D? Porque eu precisaria descobrir em que estágio o Gripen estava para entender aonde o projeto queria chegar. A indústria aeronáutica sueca alcançou um impressionante nível de desenvolvimento, o que realmente chama atenção uma vez que estamos falando de um alto grau de tecnologia em um país não alinhado com grupos de grandes potências.
Portanto, cada pequeno detalhe seria importante para se conduzir uma análise abrangente. Desde o desenvolvimento de um traje de voo apropriado à performance do avião, o Dynamic Flight Simulator – um simulador dinâmico que vai de 0 a 9 Gs em menos de 10 segundos, e o treinamento exigido para se suportar 9Gs por 15 segundos como um critério de aprovação ou eliminação dos pilotos a operar o Gripen (observe que isso afeta diretamente a adoção de certas manobras táticas como, por exemplo, a evasão de mísseis). Além do prazer de voar, estas eram algumas das razões para se voar o D.
Questões delicadas
Antes de Farnborough, eu estive com Eddy de la Motte na Base Aérea de Malmen na Suécia, e fui tão longe em minhas perguntas até obter um “eu não posso mais falar sobre isso porque é segredo nacional”, como resposta.
Tenho dialogado com diferentes fabricantes de aeronaves e duas das mais importantes indústrias, a americana e a russa, tem buscado novas tecnologias para a questão de super-manobrabilidade. Neste sentido, vê-se cada vez menos os canards (mesmo em projetos que previamente o usavam). Então, Eddy, porque usar canards?
Existem diferentes razões para o uso do canard, por exemplo, manobrabilidade a baixa velocidade. O avião é fácil de pilotar tanto nas aproximações para pouso como na interceptação de aeronaves mais lentas. De outro lado, o caça ganha mais agilidade nas manobras. Se você tem canards, você cria sustentação na parte frontal da aeronave, desta forma, pode mudar a atitude do avião muito rapidamente, o que significa curvas de raio menor. Outra razão é a estabilidade. O Gripen é uma aeronave instável, o que novamente significa agilidade, sendo assim nós temos os canards que por meio de 3 canais separados, atuam nos sistemas de controle de voo da aeronave, trabalhando de forma independente e comparando os parâmetros das situações aerodinâmicas e dos comandos do piloto. Se dois deles encontram um padrão estranho eles desconectam aquele canal com indicação anormal. Assim, a cada instante você tem um controle dinâmico atuando sobre as superfícies de comando da aeronave oferecendo a melhor reação em voo, seja qual for a atitude, velocidade ou situação, sempre com a resposta mais rápida possível, graças aos canards”, defende Eddy.
Aparentemente a decisão do Brasil depende muito da transferência de tecnologia envolvida no contrato. Baseado na bem sucedida experiência sueca, onde a Indústria, o Governo e a Força Aérea integraram esforços para buscar o desenvolvimento de tecnologia aeronáutica em estado-da-arte, como o Gripen poderia representar uma vantagem considerável neste sentido para a Embraer e a Força Aérea Brasileira? De la Motte não hesita em expressar suas convicções.
“Este é realmente o porquê de nós, como um pequeno país (Suécia), podermos fazer este tipo de produto tão especializado. É a habilidade em se perseguir um objetivo comum. Nós trabalhamos juntos, do piso da indústria ao dia-a-dia do operador. Este modelo também foi útil para nos tornar capazes de compreender as diferentes realidades comerciais e as necessidades de nossos clientes no exterior. No início do projeto do Gripen, a Administração de Material de Defesa e a Força Aérea Sueca estiveram presentes desde o primeiro momento, mesmo antes de o Gripen voar. Ainda no simulador, eles ajudaram a estabelecer o que seria importante no caça, dizendo a partir de sua realidade o que era importante para o cumprimento de suas missões, assim sendo, há um diálogo constante que direciona os upgrades durante todos estes anos. Eu acredito que isto tenha sido a razão de produzirmos uma aeronave tão competitiva e ajustada aos operadores. Este método resultou em uma interface homem-máquina (HMI) que tem nas necessidades do piloto para executar as multifunções, uma prioridade.
Sobre o Brasil, se você olhar os últimos 40 a 50 anos, um grande número de fabricantes de aviões saiu do mercado. Basicamente, apenas uma nova empresa entrou neste negócio, a Embraer. Em termos de transferência de tecnologia, e não fazendo comparação com outros competidores, no meu ponto de vista uma parceria entre a Embraer e a SAAB faz todo sentido, uma vez que a SAAB descontinuou a produção de aeronaves comerciais, mas por outro lado domina a criação, produção e desenvolvimento de jatos supersônicos. Assim, ambas as companhias tem a chance de um negócio ideal, onde uma pode fortalecer a outra. Nós não estamos competindo entre si, mas nos complementando. Se você procurar no mundo todo, pouquíssimos contratos de transferência de tecnologia realmente foram bem sucedidos ou sequer aconteceram como o combinado. Eu ouso dizer que nós somos provavelmente o único caso de sucesso. Nós fazemos isto, por exemplo, com a África do Sul, e não estamos falando de como fazer rebites, como perfurar metais ou como agrupar compósitos. Nós estamos falando da transferência de tecnologia total, desde a capacidade de projetar uma aeronave, modificá-la, fazer a integração de armas até mudar suas interfaces homem-máquina. Uma vez que você se torna capaz de fazer todas estas coisas, você se torna independente”, afirma Eddy.
Alguns slides
Mas, mesmo com a baixa RCS (assinatura radar) do Gripen C/D, a mudança da estrutura proposta para o NG não caminha em direção de uma geometria furtiva – stealth. Será que agora atingi o calcanhar de Aquiles das projeções/marketing da SAAB? Eddy diz que não.
“Primeiramente, nós não acreditamos totalmente no valor stealth, como se tem abordado, especialmente se você considerar os atuais aviões “stealth” em serviço, com seus inúmeros problemas técnicos e custo-benefício desvantajoso. A razão desta afirmação é que se você olhar o espectro total, stealth representa se muito, alguns milímetros dentro do Wide Spectrum Combat – uma representação das amplitudes ou intensidades (o que geralmente traduz-se por energia) das componentes ondulatórias de um sistema quando discriminadas uma das outras em função de suas respectivas frequências (ou comprimentos de onda). Em um espectro as componentes ondulatórias distinguem-se fisicamente umas dos outras não por suas naturezas, mas sim pelas suas frequências.
O stealth atual representa uma furtividade bastante limitada. O que nós tentamos alcançar em nossos projetos de evolução do Gripen é um design equilibrado que nos permita ser furtivos o bastante sobre todo o espectro, e não como os outros, sendo stealth em apenas uma pequena área de frequência. É realmente difícil entrar em detalhes sobre isso; o que estamos fazendo, nossas pesquisas, que métodos estamos utilizando, porque isto não é apenas um segredo da companhia, mas um segredo de Estado, também”, finaliza o vice-presidente de marketing da Gripen International.
Comparações, sempre comparações…
Mundo afora o método comumente utilizado para indicar uma aeronave em um certame F-X é comparar o desempenho do caça em serviço no país com o dos concorrentes nas diversas funções operacionais, o que sugere ser o modelo natural para garantir um melhoramento real de seus vetores ante as necessidades de determinada nação. A realidade dos dias de hoje tem incutido novos critérios nestas avaliações. Sim, a performance ainda é crucial, mas a itens como transferência de tecnologia, cenário político global, coalizões e operações combinadas, a mudança dos tipos de conflito armado e o enorme impacto dos desafios econômicos, tem afetado a maneira de tomar decisões. A interdependência destes fatores é inegável.
O que isto significa? Poderia uma aeronave com desempenho mais fraco em uma determinada função ser avaliada mais adequada que outra de melhor performance? Uma pista para responder esta questão reside no crescimento de um consenso em praticamente todas as forças aéreas do mundo: custos de operação são mais importantes que custos de aquisição.
Se você juntar a essa questão o “fator upgrade” – a capacidade de incorporar ou mesmo mudar partes do projeto original para utilizar novas tecnologias a fim de melhor cumprir as missões atribuídas – você estará bem perto de entender todas as nuances de um processo de aquisição.
De repente, enquanto escrevia este resumo público (e espero agradável a todo tipo de leitor) de minhas análises técnicas, relembrei um breve encontro com um aclamado editor de um importante grupo de informação estratégica, durante um churrasco na Suécia. Naquela ocasião, ele estava interessado sobre uma recente análise que eu havia feito sobre um caça bimotor que é considerado exatamente um caso bem sucedido de contínua incorporação de upgrades.
Da aerodinâmica à neutralização de alvos, passando por FCR (radares), FCS (computadores de voo) e HMI (interface homem-máquina), a palavra chave é, sem sombra de dúvidas, “inteligência”. Sob a perspectiva do piloto isto significa segurança, consciência situacional, carga de trabalho reduzida graças à racionalização da pilotagem e operação, e precisão. A busca pela “inteligência” é um objetivo comum entre todos os construtores, contudo, alguns tem feito aeronaves mais inteligentes que outras.
O Gripen reuniu todo conhecimento e legado da SAAB e tem proposto soluções bem próprias e personalizadas para enfrentar os desafios atuais. Mesmo concorrendo com as companhias mais ricas, o caça sueco vem participando de seleções F-X pelo mundo todo, com criatividade e inovação, visando permanecer competitivo e sobreviver no combate aéreo, digo, combate da indústria aeronáutica, um jogo em que, como no ar, não há pontos para o segundo colocado.
Fortes argumentos
Ninguém tem mais palavras elogiosas para um filho que um pai, mas neste caso, mesmo havendo sido uma grande honra conhecer o primeiro piloto a voar o Gripen, Stig Holmström, não foi a descrição apaixonada sobre as qualidades de voo do jato sueco – metade águia, metade leão, mas a “lógica” como parte da “equação”, como a SAAB costuma descrever a evolução de seu caça, que mais chamou minha atenção. Sim, ele é extremamente ágil, é agradável de voar e tem interfaces bastante amigáveis, como Stig havia falado. Realizei todas as manobras recomendadas pelo experiente piloto para explorar o envelope do avião.
Mas, definitivamente, foi a maneira de pensar tipo “iPhone App” que marcou como destaque esta experiência de uma semana na Suécia. De maneira similar a um smartphone, esse conceito vem de uma arquitetura de aviônicos dividida, onde os sistemas de controle de voo são separados dos sistemas táticos. Desta forma podem-se fazer mudanças, adaptações e melhoramentos nos sistemas de missão sem interferir com os setups de sistemas de controle da aeronave.
Mais que uma demonstração do jeito de pensar criativo do caça sueco, o método reivindica para si, outros tipos de inovação: a forma da transferência de tecnologia e o modelo de negócio, uma vez que permite a cada operador desenvolver seus próprios aplicativos táticos de missão, compartilhar entre si e continuamente melhorá-los sem a necessidade da intervenção do fabricante. A SAAB proclama haver colocado no mercado de caças de alta performance um ativo único: independência. Este tipo de liberdade permite aos operadores integrar um enorme leque de armas de diferentes fabricantes, assegurando a independência em eventuais limitações de importações ou embargos.
Um ponto definitivo em favor do Gripen é sua HMI – Human Machine Interface. A alavanca da manete de potência em “dois andares”, com um joystick acoplado na parte superior que permite além da seleção de alvos, navegar o cursor entre os 3 displays é um bom exemplo das soluções inovadoras encontradas no Gripen e juntamente com as funcionalidades do manche apresentam uma eficiente e racional operação HOTAS – Hands On Throttle-And-Stick. Uma vez que uma posição do manche é mantida, o FCS assume a intenção do piloto e mantém a aeronave na atitude e direção. Os pedais do leme (que poderiam ser levados no bagageiro, de tão pouco que são utilizados) também podem de forma similar mudar a direção de voo. A única força que é percebida na mão do piloto é a parada suave e a parada abrupta do curso total do manche tipo joystick. Não se sente peso nem nenhuma ação de “trimagem” (compensador) é requerida.
Ágil! Sim, ele é. Não é apenas a baixa RCS (Radar Cross Section), assinatura radar, a vantagem de ser um caça pequeno. O Gripen tem respostas muito ágeis e executa curvas extremamente rápidas em um pequeno raio. A razão de rolagem de mais de 250º/seg é bem efetiva para um imediato Split S, útil em um dogfight, como também para realizar completos e repetidos 360º, úteis para nada, mas excelentes para se ter uma boa diversão.
Manobras giroscópicas não é seu ponto forte, devido ao pequeno leme de direção, o que não significa lá grande coisa, uma vez que é tudo uma questão de controlar a parte do ovo tático – área de manobras em um combate aéreo aproximado, que você quer manter o engajamento, e pilotos bem treinados e utilizando táticas eficientes sempre mantêm um eventual dogfight onde possam obter alguma vantagem. No caso do Gripen as curvas rápidas e de raio menor, sem drenar tanta energia.
Os sensores e a capacidade centrada em rede permitem o processamento das informações de diferentes fontes e as exibem de forma racionalizada (não precisa, não mostra) nos 3 displays coloridos multifuncionais e no HUD (Head-Up Display) de ampla visão, dando ao piloto uma excelente consciência situacional. Como eu voei o D não vou comentar o radar atualmente em uso, mas aguardar pelo desempenho do ES-05 Raven. A maneira que o Gripen tira vantagem de sua arquitetura de gerenciamento de informação tem no “Beaming Link” a base das principais táticas utilizadas hoje. Elas são tema de “O Jogo da Hiena: Como vencer o Rei da Selva”, um artigo onde discorro sobre a evolução tática adquirida na operação do Gripen e diálogos com Björn Danielsson, piloto de caça da Flygvapnet (Força Aérea da Suécia) e Analista Operacional da SAAB.
Entretanto, o argumento mais forte em favor do Gripen não está necessariamente no ar. Ele encontra bases na redução de custos, hoje universal e no mantra de todas as Forças Aéreas: “Fazer Mais, Cada Vez Com Menos”, entoado sobre as in
O Gripen NG deverá ter uma hora de voo abaixo de US$ 5.000, prevê a SAAB. Este valor é entre um terço a um quarto das estimativas da empresa sueca para o Super Hornet, Eurofighter, Rafale ou F-35, seus principais concorrentes em vários certames F-X mundo a fora. Junto ao fato de ser muito fácil de voar e operar, a SAAB proclama mais uma economia nos custos, a conversão dos pilotos, uma vez que apenas poucas horas de voo são necessárias para que estes alcancem os padrões operacionais e níveis de prontidão.
O futuro
O Gripen, que hoje tem uma relação peso-potência de aproximadamente 0.96 e 1.44 em plena pós-combustão, irá com a nova motorização da F414G incrementar em 33% seu empuxo, o que não significa dizer um crescimento para 1.92 de razão, uma vez que o peso (principalmente devido à nova capacidade interna de combustível) também aumentará.
Seguindo à incorporação do SELEX Galileo AESA ES-05 Raven, o IRST Skyward-G (já apresentado durante o Aerospace Forum Sweden, em maio) será um dos próximos passos concretos do Gripen no sentido de consolidar as previsões defendidas nos slides do material de marketing, quanto à capacidade de ingresso silencioso das esquadrilhas e ao incremento da detecção passiva de alvos.
Eu tentei descrever o estágio de evolução do Gripen até aqui, o que não é fácil, já que o caça tem tido grande parte de sua programação de upgrades antecipada e sua seleção como finalista de vários processos de F-X tem sido o combustível para acelerar estes melhoramentos. Se você recorda o início deste texto, eu falei sobre a penúltima peça. Qual seria então a última para formar a figura completa? Eu conto depois do meu próximo voo no Gripen F.