Gen Ex Pinto Silva – Vivemos uma Hiper Democracia?

VIVEMOS UMA HIPER DEMOCRACIA?

 

Carlos Alberto Pinto Silva.[1]

O “povo” já sabia que era soberano; mas não acreditava nisso. Os direitos niveladores da generosa inspiração democrática se converteram, de aspirações e ideais, em apetites e supostos inconscientes.

1. PARA REFLEXÃO

As finanças do Brasil, os seus recursos naturais e sua capacidade produtiva foram roubadas de forma abusiva por alguns políticos e empresários corruptos, e usados para fazer valer sua vontade. Contrastando, as forças de reação democráticas são muitas vezes descritas como muito fracas, incapazes, não comprometidas, e muitas vezes desaminadas.

Observa-se, na atual conjuntura brasileira, a eclosão de um Ponto de Ruptura (Falta de ética na política, má gestão,  corrupção generalizada, e falta de segurança pública), que propicia uma reação que faz com que uma mudança (Social, política e ética), radical, seja esperada, e com o passar do tempo aconteça e vire numa certeza para nossa sociedade. Pontos de Ruptura desafiam a sociedade a ver, ouvir, pensar e reagir.

A percepção da influência de uma extensa “classe média não engajada” é capital para chegar ao sucesso, de forma que esses não engajados se tornem, mais cedo ou mais tarde, soldados da luta na defesa da democracia.

2.  A REBELIÃO DAS MASSAS

     Segundo José Ortega y Gasset em seu livro “A Rebelião das Massas”:

– O povo já sabia que era soberano; mas não acreditava nisso. Os direitos niveladores da generosa inspiração democrática se converteram, de aspirações e ideais, em apetites e supostos inconscientes. (Eliane Souza da Silva)

– Se, portanto, o nível médio da população se encontra hoje onde antes só chegavam as aristocracias, isso significa que o nível da história subiu de repente, num pulo, em uma geração. A vida humana ascendeu na totalidade.

Diríamos que o soldado de hoje tem muito de capitão; o exército humano já é composto de capitães. Basta ver a energia, a resolução, a facilidade com que qualquer indivíduo de hoje atravessa sua existência, agarra o prazer que passa, impõe sua decisão. Tudo tem sua causa e sua origem na elevação geral do nível histórico.

– Vivemos uma época de nivelações: nivelam-se as fortunas, nivela-se a cultura entre as diversas classes sociais, nivelam-se os sexos. Portanto, vista deste ângulo, a manifestação[2] das massas significa um fabuloso aumento de vitalidade e possibilidades. O homem médio aprende que todos os homens são legalmente iguais.

– De repente a multidão tornou-se visível e instalou-se nos lugares preferenciais da sociedade.

– É evidente, até acaciano, que a formação normal de uma multidão implica a coincidência de desejos, de ideias, de modo de ser dos indivíduos que a integram. Contudo, a massa não atua por si mesma. Veio ao mundo para ser dirigida, influída, representada, organizada, até para deixar de ser massa. Mas não veio ao mundo para fazer tudo isso por si. Necessita referir a sua vida à instância superior, constituída pelas Lideranças[3].

– Nunca lhe ocorreu opor às “ideias” do político outras suas, nem se quer julgar as “ideias” do político através do tribunal de reflexões que acredita ter.

– Numa boa organização das coisas públicas a massa não atua por si mesma. Essa é sua missão. Veio ao mundo para ser dirigida, influída, representada, organizada, até deixar de ser massa, ou pelo menos, aspirar a isso.

– O homem não permanece imune a repercussões originárias dos deslocamentos e crises do imperar e do Poder. Mas como é social fica transtornado em sua índole privada pelas mudanças que, a rigor, só afetam imediatamente a coletividade.

 

3. SITUAÇÃO DO BRASIL E A HIPER DEMOCRACIA[4]

“Democracia não consolidada: existe uma propriedade que se destina a avaliar se as autoridades eleitas exercem seus mandatos no que diz respeito ao genuíno poder de governar sem que sejam ofuscados por atores políticos não eleitos. Se as eleições são livres e limpas, mas elegem um governo que não consegue controlar algumas das principais arenas políticas pela causa, então esse regime político não apresenta uma democracia consolidada”[5].

“A composição dos poderes do Estado brasileiro, que adotou a teoria de Montesquieu em sua Constituição, funciona da maneira tripartite: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si. Cada um desses Poderes tem sua atividade principal e outras secundárias”[6].

A função mandar e obedecer é decisiva em toda sociedade principalmente quando se tratar da relação entre os poderes. Sempre que esta questão não estiver bem definida, tudo o mais funcionará mal, diferente e de forma lenta.

É necessário que, de início, se reúna dados para saber como anda em nosso país a consciência de mando e obediência, o que, certamente, mostraria a grande dose de desmoralização íntima, de aviltamento, que produz no homem médio de nosso país o fato de ser uma nação que vive com a consciência pesada no que se refere a questão de mando obediência. Como, também, não é possível converter em normalidade sadia o que é criminoso e anormal em sua essência, o indivíduo opta por se adaptar ou reagir.

Hoje, assistimos ao surgimento de uma hiper democracia na qual a massa atua diretamente sem uma norma que a legitime, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.

A massa presumia que, afinal contas, com todos os seus defeitos e imperfeições, as minorias políticas entendem um pouco mais dos problemas políticos do que ela.

Agora em vez disso, a massa acha que tem o direito de impor e dar força de lei aos seus problemas do dia a dia. Duvido de que em qualquer outra época da história a multidão tenha tentado a governar tão diretamente como em nossa época. Por isso se falar em hiper democracia.

A hiper democracia que tudo indica iniciamos a viver, paradoxalmente, dificulta a realização do bem comum, porque dificulta o trabalho de governar.

4. CONCLUSÃO

Podem-se discutir à vontade quais são as lideranças capazes de opor às ideias do político; mas que sem elas – sejam umas ou outras – as mudanças políticas não acontecerão. “As minorias pensantes é que são capazes de opor às ideias do político outras suas, que representem as tendências e desejos das massas”. 

“Os componentes dessa multidão não surgiram do nada. Os indivíduos que integram essas manifestações já existiam, porém, não como multidão. Espalhados em pequenos grupos, ou solitários, levavam pelo visto, uma vida diversa, dissociada, distante, passavam despercebidos, ocupavam o fundo do cenário político, agora se anteciparam às baterias, tornaram-se o personagem principal.  Já não há protagonistas: só há coro (A voz da massa)”.

É uma ingenuidade as pessoas pensarem que os Poderes da República irão se contentar sempre em agir para impor leis e ordens que elas queiram.     

É normal que eles acabem por definir e decidir por eles mesmos as ações que irão realizar e instituir, e que sejam naturalmente para atender os objetivos do Estado e os interesses da sociedade. O que leva a hiper democracia e a pontos de ruptura, e que deveria ser combatido, é quando são estabelecidas aquelas ações convenientes às autoridades para atender interesses próprios, algumas vezes escusos.

Permitam-me reafirmar que não é um problema do momento que vivemos, não se trata somente de defender um partido ou um governo.  A luta é pela vida, por liberdade, pela defesa de instituições republicanas, democráticas e com legitimidade e sem apoio do crime organizado. Se não houver mudanças na maneira de atuar e compromisso com o futuro dos principais atores institucionais a problemática continuará a existir em governos futuros.

 


[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Buda Inf. Sol, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

[2] Subversão.

[3] Lideranças formadas de cidadãos possuidores de representatividade, social, legal, ou pertencentes à iniciativa privada capazes de opor ideias aos Poderes constituídos. Ex: federação das indústrias; federação da agricultura; grupos de serviços.

[4] Ideia de José Ortega y Gasset em seu livro “A Rebelião das Massas” adaptadas para o atual momento.

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