Moscou planeja desenvolver antes de 2021 uma versão terrestre dos mísseis utilizados pela sua Marinha, depois da saída dos Estados Unidos e da Rússia do Tratado INF, sobre sistemas de mísseis terrestres de alcance intermediário.
O ministro russo da Defesa, Serguei Shoigu, anunciou nesta terça-feira (05/02) que o país desenvolverá em menos de dois anos a variante terrestre do míssil de cruzeiro Kalibr e um míssil hipersônico de médio alcance, em resposta à decisão dos Estados Unidos.
Ele ordenou o início dos trabalhos. Shoigu afirmou que os Estados Unidos já "trabalham ativamente" no desenvolvimento de um míssil terrestre de alcance superior a 500 km e, por isso, a Rússia precisa adotar medidas equivalentes. Segundo ele, o sistema Kalibr, de mísseis de longo alcance, teve muito bom rendimento na Síria.
A Rússia utilizou pela primeira vez os mísseis Kalibr em 2015, em operações contra jihadistas e rebeldes sírios. No total, 26 mísseis foram lançados a partir de um navio no Mar Cáspio, a 1.500 km da zona de impacto. Esses mísseis, equivalentes aos Tomahawk, dos Estados Unidos, podem atingir boa parte da Europa.
Shoigu destacou que o fato de eles já existirem em suas versões marítima e aérea reduzirá o prazo e o custo de fabricação dos mísseis terrestres. O ministro propôs a fabricação de novos mísseis no sábado passado ao presidente Vladimir Putin, depois de este ter anunciado a saída de Moscou do Tratado INF, assinado pelos EUA e pela então União Soviética em 1987.
O Tratado INF se refere apenas a sistemas de mísseis terrestres e não àqueles lançados do ar ou do mar.
Com a suspensão do tratado, Estados Unidos e Rússia podem agora desenvolver mísseis com alcance entre 500 e 5.500 km e lançados a partir de bases terrestres, até então proibidos pelo acordo. Os dois países se acusam mutuamente de violá-lo. Especialistas afirmam que o fim do tratado deve levar a uma nova corrida armamentista.
Putin disse no sábado que não vai estacionar mísseis terrestres na Europa ou em outras regiões do mundo a não ser que os Estados Unidos façam o mesmo antes. Em tese, o tratado ainda pode ser salvo, pois ele prevê que a saída seja comunicada com seis meses de antecedência, período pelo qual ele permanece em vigor.
Mas especialistas duvidam que, até lá, Estados Unidos e Rússia se acertem. Muitos especialistas também afirmam que os Estados Unidos não têm mais interesse no INF por ele não incluir a China, país que desenvolveu nos últimos anos sistemas de mísseis proibidos pelo acordo.
Fim do INF é corrida armamentista à vista
Sem dúvida, segundo todas as informações disponíveis, os Estados Unidos têm razão: com seus mísseis 9M729, a Rússia viola o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF). Segundo informações da DW, diversos serviços secretos ocidentais confirmam isso, independentemente. Então, por que se agarrar a um pacto que não é mais respeitado?
A corda-bamba na qual o mundo se equilibra, no mais tardar desde a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, perde uma importante rede de segurança. Pois os EUA abandonam o Tratado INF sem que haja uma perspectiva realista para um acordo substituto.
De russos e americanos, escuta-se repetidamente que essa medida na verdade se dirige aos chineses. Estes, de fato, estão basicamente desvinculados de tratados de desarmamento ou outros acertos limitadores e se armam em grande escala. Isso é um problema sobretudo para a Rússia. Do ponto de vista de Moscou, para poder ampliar o potencial de ameaça em direção ao Leste são necessários mísseis de médio alcance baseados em terra.
Também contra isso há pouco a ressalvar, do ponto de vista militar. Os próprios EUA observam com preocupação crescente os gastos armamentistas e militares da China. Mas, façam-me o favor, como é que justamente o abandono de um dos últimos grandes acordos sobre armas nucleares poderá melhorar a situação? Os americanos fazem assim o mesmo que os russos: eles ficam brincando com o pavio do fim do mundo.
Por toda parte, atualmente a mudança climática é invocada como possível golpe fatal para a humanidade. Pode ser, mas uma nova, descontrolada corrida armamentista entre Rússia e EUA, combinada com a China como nova potência militar mundial, faz o futuro parecer ainda mais sombrio.
Todos nós, mas em especial os europeus, enquanto peça no tabuleiro e potencial campo de batalha das superpotências, tivemos uma enorme sorte, na época da Guerra Fria, de que a tensão não tenha desembocado numa guerra nuclear. Durante a crise de Cuba, em 1962, isso quase aconteceu. Um motivo pelo qual esse pavoroso cenário pôde ser evitado foram os protagonistas políticos da época, em especial John F. Kennedy e Nikita Krushov.
Hoje em dia, é incomparavelmente mais difícil encontrar políticos dessa velha, tendencialmente prudente escola por trás dos botões das armas nucleares. Por sorte, até há pouco Trump se mantivera basicamente fora das questões militares, e na Otan insistia antes por dinheiro e contribuições dos parceiros de aliança. Ao que tudo indica, esse tempo passou.
O presidente russo, Vladimir Putin, prefere brincar com fogo no oeste de seu gigantesco império. Pois, por mais que seja convincente a argumentação da ameaça chinesa, isso não justifica que ele fique brandindo seus mísseis de médio alcance na cara dos europeus. Portanto não só a União Europeia, mas também o resto do mundo, em breve não terá mais o Tratado INF.
Dos grandes instrumentos de limitação e desarmamento nuclear, sobra apenas o acordo New START, que sairá de vigor em 2020. No mais tardar aí, teremos exatamente o contrário daquilo de que o planeta precisa, que seria um acordo abrangente, de escala mundial, para controle das armas nucleares.
Nada mais tem boas perspectivas de longo prazo, sobretudo considerando-se os muitos países menores que também cultivam ambições nucleares. Desse modo, os atuais políticos das superpotências estão legando para as gerações futuras um mundo realmente assustador.
É certo que muitos na Europa quase não sentem qualquer ameaça, e a maioria nem sabe mais como é uma guerra. Em si, isso é algo fantástico, mas as chances de que permaneça assim pioraram mais ainda após a retirada americana do Tratado INF.
O ser humano tem memória curta, e isso também se aplica às nações e seus presidentes. A Rússia e os EUA precisam se conscientizar o quanto antes sobre quão terrivelmente devastadoras são as forças com que eles estão brincando.