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Gen Ex Santa Rosa – O ARQUÉTIPO CINCINATO

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Gen Ex R1 Maynard Marques de Santa Rosa
 

               
Lucius Quinctius Cincinnatus foi um patrício romano do século VI a.C. cujo desprendimento político passou para a História como modelo civilizatório. Convocado pelo Senado em duas oportunidades, ele pacificou um conflito interno, eliminou uma ameaça externa e ainda legou um código harmonizador das relações entre tribunos e plebeus. Após pacificada a República, renunciou duas vezes ao cargo de ditador, e retornou à sua quinta.

Arquétipos são conteúdos mentais do inconsciente coletivo que agem como instintos psicológicos de um povo, segundo a teoria de Jung.

Gilberto Freyre destacou o Exército como a mais genuína Instituição nacional. (Nação e Exército – Conferência de 1948 na Escola Estado-Maior do Exército) Liderado por chefes escolhidos por mérito e composto de mestiços, negros e brancos desde a epopeia de Guararapes, a Força tem evoluído no tempo, regida por regras de honestidade, disciplina e organização que não foram acompanhadas pelo conjunto da sociedade. O bombardeio ideológico das últimas décadas relativizou os valores sociais e deturpou os costumes, criando um fosso de critério entre a Instituição militar e a sociedade civil.

O idealismo juvenil das escolas militares, regado pela rotina cerimonial de culto à pátria dos quarteis, perenizou-se na alma do soldado como sentimento cívico arraigado.

A geração dos “tenentes” de 1922, inconformada com o coronelismo e a corrupção que atrasavam o país, mobilizou-se no meio castrense e viabilizou a Revolução de 1930, que projetou Getúlio Vargas. O Estado Novo urbanizou o país e refundou a base econômica nacional, mas não reverteu o patrimonialismo atávico. Em vez disso, alimentou o corporativismo de grupos às custas da justiça e da liberdade. A liderança resiliente de Getúlio ensejou-lhe o retorno, em 1951, mas exacerbou a desconfiança da oposição com a sua ambição política e leniência ao nepotismo.

A reintegração forçada de quadros politizados na década de 1930 traumatizou o Exército e afetou-lhe a produtividade. É notório que o exercício da atividade política nos quarteis afeta a disciplina e compromete a hierarquia.

O suicídio de Vargas suscitou um vácuo de poder no país. A ascensão de Juscelino garantiu certo equilíbrio instável sob aval militar, até a reversão conservadora das eleições de 1960. A renúncia de Jânio Quadros e a debilidade do sucessor mergulharam o país no clima da Guerra Fria. O movimento comunista aproveitou para impulsionar o seu projeto revolucionário. No final de 1963, a sociedade assistiu, atônita, à paralisia crescente da atividade econômica pelas greves políticas.

Sempre que impelido pelo instinto de defesa ante risco iminente, aflora o arquétipo à consciência coletiva, em busca do arrimo das Forças Armadas, desde os primórdios da abdicação do Imperador, em 1828.

Em março de 1964, a atenção da sociedade voltou-se para o Exército, quando a crise caminhava para um cenário similar ao da Guerra Civil Espanhola. Os generais revolucionários pertenciam à geração politizada dos tenentes de 1922 e 1924. A maioria da população acolheu a intervenção militar em expectativa plácida e esperançosa. A prova é que não houve qualquer reação, nem uma única baixa.

Implantada a nova ordem, tratou o Exército de banir toda atividade política nos quarteis, para profissionalizar os quadros e melhorar a eficácia operacional. Foi nesse ambiente que se formou a atual geração de chefes militares. Se, por um lado, esmaeceu o ardor patriótico que estimulava iniciativas políticas, por outro, a Instituição ganhou em disciplina e coesão, e passou a merecer credibilidade interna e prestígio externo.

É razoável considerar que foi a longa duração do regime militar que o desgastou. A intenção do governo Castello Branco de devolver o país à normalidade democrática tão logo restabelecidas a lei e a ordem e reorganizadas as instituições, foi frustrada pelo agravamento da ameaça subversiva e pela pressão de certas corporações.

Após a redemocratização, voltou o Brasil a enfrentar o dilema ideológico, com o retorno dos quadros políticos anistiados. A criação do Ministério da Defesa, embora represente uma racionalização estratégica, ocorreu sob motivação ideológica e revanchista. Na sua implantação, o governo FHC aplicou a doutrina do “controle civil objetivo”, proposta pelo pensador globalista Samuel Huntington e sintetizada no slogan: “A chave do cofre e a caneta em mãos civis”.

A intenção era centralizar na administração central as atividades de inteligência, comunicação social e a gestão dos fundos institucionais das três Forças. Felizmente, não aconteceu. No entanto, os fundos foram inseridos na LOA (Lei Orçamentária Anual) e ficaram sujeitos a contingenciamento anual implacável. Foi ainda introduzido o conceito de “série histórica”, que congelou os orçamentos militares no teto de 1995 e restringiu as possibilidades de reequipar e modernizar os sistemas operacionais.

Houve uma rejeição velada à presença de militares em atividade governamental, entre 1990 e 2019, como produto politicamente correto do paradigma da submissão à “sociedade civil organizada”.

Atualmente, a mão-de-obra militar tem sido empregada para compensar a inexistência de quadros partidários do governo. Convém lembrar que, na reserva, o militar é autônomo como pessoa física. Porém, quando na ativa, a farda representa a Instituição perante o público. O envolvimento de militar da ativa em atividade política compromete a imagem institucional.  

A conjuntura mostra um perigoso conflito nas relações entre os Poderes da República coincidente com a crise global da saúde pública. Na hipótese de se chegar ao comprometimento da lei e da ordem, resta o remédio do Art. 142 da Constituição Federal, e o acatamento das Forças Armadas pela opinião pública será essencial na pacificação. Afinal, é no inconsciente coletivo do povo que reside a fé no braço forte e a confiança na mão amiga.

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