Gen Ex Etchegoyen – “Foi uma execução. E nada justifica”

 

Leonardo Cavalcanti

e Paulo de Tarso Lyra

 

Dois dias depois do assassinato da vereadora do PSOL-RJ Marielle Franco, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Geberal-de-Exército Sérgio Etchegoyen, é taxativo: foi uma execução. Em entrevista exclusiva ao Correio, um dos homens fortes do governo Michel Temer e mentor da intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro vai além, apontando para camadas reacionárias que minimizaram o episódio. “Tenha sido ela mais ou menos agressiva, aguerrida, não interessa. Não há nada que justifique a execução, ela tinha a idade das minhas filhas”, resumiu.

O general, de 66 anos, assessor direto de Temer nas questões de segurança, afirma que o delegado responsável pela investigação precisa colocar à mesa todas as opções possíveis, sem descartar nada. A única convicção de Etchegoyen é que é uma loucura achar que o assassinato foi realizado para enfraquecer a ação das forças de segurança no Rio. “(Era) uma vereadora contra a intervenção. Estamos fazendo política rasteira em cima de um cadáver trágico. Eu achava que haveria uma reação à intervenção. A reação que eu estava imaginando era mais confronto entre facções, porque, quando você intervém, reduz o espaço dessa gente”, justificou.

Etchegoyen também não hesita em defender a atuação no segundo maior estado do país. “Eu vejo a intervenção como o que sobrou. O governo se envolveu lá atrás, investiu dinheiro, decretou a garantia da lei e da ordem e liga a televisão durante o carnaval, e acontece o que aconteceu? Quem estava cuidando do Rio de Janeiro?”, questionou com a habilidade, inclusive, para escapar das críticas de açodamento. “Em qualquer tempo, nós teríamos dificuldade. Se nós parássemos para planejar isso um mês depois, seria mais um mês perdido. Na consideração política, o tempo é uma variável”. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

O crime contra a vereadora tem todas as características de execução…

Não tem todas as características, foi uma execução. As razões para aquela execução, eu acho que não é prudente abandonar nenhuma. Eu, se fosse o delegado, deixaria todas em cima da mesa e iria afastando. Isso aconteceu há dois dias, com que velocidade anda a polícia técnica, os exames balísticos, a verificação de todas as câmeras? Tem que ouvir gente. Discorde-se ou se concorde, a moça tem a idade das minhas filhas. Tenha sido ela mais ou menos agressiva, aguerrida, não interessa, não há nada que justifique a execução. Não há nada que justifique que a execução de um adversário é uma opção presente no campo político.

O que justifica no jogo político em um país sadio utilizar a execução? Porque compensa. Vamos imaginar a prisão dos assassinos neste momento, agora. O que vai acontecer? Eles vão ser presos preventivamente, vai se discutir quanto tempo essa prisão vai levar, vai haver uma investigação e eles vão ser julgados. Quando? Daqui a um ano e pouco, dois anos, vamos imaginar que ande rápido pelo clamor, mas eles continuam soltos, aí vão para a segunda instância, tem mais um período para caminhar. Vai se discutir se na segunda instância podem ser presos ou não, vamos para a terceira instância e vai até o trânsito em julgado, lá na frente.

Quando chegar ao trânsito julgado, cinco ou seis anos, não sei ser otimista, nem pessimista, mesmo porque não sou advogado. Eles foram condenados a 30 anos, o máximo, vão cumprir 1/6 da pena e aí começa a progressão, eles vão cumprir cinco anos. Se tiver biblioteca vai reduzir mais um pouquinho e vão cumprir três anos. É com isso que nós estamos lidando.

Ministro-chefe do GSI diz que a polícia deve trabalhar com todas as possibilidades para chegar aos autores do crime contra a vereadora Marielle Franco. Para ele, a intervenção federal no Rio de Janeiro foi a opção que restou para controlar a violência no estado

O senhor está dizendo que esse ato vale a pena.

91,5% dos casos não são descobertos. O dela, pelo clamor, as pessoas que dependiam do trabalho dela certamente vão ajudar, tem o disque denúncia. Eu sou otimista, acho que se chega aos pervertidos, em quem fez isso. Pega um cidadão que coloca essa opção de execução de alguém como uma opção disponível, essa pessoa que acha que é uma coisa da vida dela, botar um fuzil, seguir alguém e fazer a execução que fez.

Tente se colocar nessa situação, uma pessoa que é capaz de fazer um negócio desse, qual a expectativa de vida que ela tem? Será que não tem consciência que, com o tipo de vida que leva, daqui a pouco é a vez dela? Eu imagino que quem está em uma vida dessa, a qualquer momento… O cara olha para o horizonte dele, lá na frente vai pegar cinco anos de cadeia na pior hipótese.

No meio político começou a circular uma versão de que a inteligência trabalha com a possibilidade de o assassinato ser uma reação à intervenção…

Se isso fosse verdade, teríamos a inteligência mais burra do mundo. Não é possível, uma burrice monumental. Dois dias depois, sabemos a linha. Matou-se uma adversária da intervenção para protestar contra a intervenção? Mataram uma menina que tinha uma atuação política que incomodava muita gente e podia incomodar ao máximo, nada justificava uma torpeza dessa. Tem um lado muito triste, nós estamos fazendo política rasteira em cima de um cadáver trágico. Eu achava que haveria uma reação à intervenção. Mas não isso.

E qual seria essa reação?

A reação que eu estava imaginando era mais confronto, porque, quando você intervém, reduz o espaço dessa gente. O problema do Rio é que é o único lugar do mundo que o domínio de uma atividade criminosa implica no domínio de um território. Por isso tem fuzil lá porque é com fuzil que se detém território, não é com pistola. O fato de o Rio de Janeiro ter essa característica, e coloca uma intervenção, a polícia para subir o morro, bota as Forças Armadas para cercar o morro, começa a reduzir o espaço. Desde o ano passado, a gente, o governo, vem fazendo operação em círculos externos do Rio de Janeiro, da linha imaginária. Assunção, Santa cruz, Lima, Bogotá.

Esse circo externo, eles negaram muita logística. Vou dar um dado para vocês. Vou pegar o exemplo da Amazônia. Em 2016, foram aprendidos na ordem de 6 toneladas de droga. Em 2017, 22 toneladas. Em janeiro de 2018, 8 toneladas, porque nós aumentamos a pressão na fronteira. Essa droga produz dinheiro, que vai produzir arma. Foram apreendidas mais de 700 armas. Mais de 100 mil cartuchos de munição, mais de cento e tantas toneladas de maconha e de cocaína. O Rio de Janeiro está ficando asfixiado, e com a presença policial, agora, mais dura.

Qual a reação que o senhor imaginava?

Um choque entre as facções. Ou elas vão se unir, ou disputar, ou virá apoio de fora. E aí, você já deve ter ouvido a história do PCC chegando ao Rio de Janeiro. Muito mais organizado que o Comando Vermelho. O PCC é uma estrutura departamental clássica. O comando vermelho é mais uma confederação. Enfim, imaginava-se que podia haver esse choque.

As regras sobre a atuação nos morros mudarão?

Tem que haver essa mudança na legislação e acho que está andando. O congresso elegeu um pacote que é chamado Pacote de Segurança Pública coordenado pelo Alexandre Moraes, do STF, e ele está andando.

Do ponto de vista do serviço de inteligência, a intervenção é viável?

Eu vejo a intervenção como aquilo que sobrou. Como a gente atua na intervenção? A Agência Brasileira de Inteligência é o órgão central do sistema brasileiro de inteligência. É o órgão que tem que integrar todas as inteligências que trabalham, e são muitas, 32, em benefício, nesse caso específico, da intervenção. Quais são as inteligências? Policial, ANTT, Defesa, polícia estadual, Polícia Federal, toda essa estrutura é integrada pela ABIN.

A ABIN coordena?

A ABIN responde à orientação que recebe. A competência, do ponto de vista do conhecimento, está lá. Esse é o papel que a gente desempenha na intervenção. É um fato administrativo, e isso tem sido pouco compreendido, não quer dizer que a culpa é de quem não compreendeu, às vezes, a culpa é de quem está falando. A intervenção é um ato administrativo, chegaram ao Rio,  tiraram a fatia de poder correspondente à polícia, segurança pública e administração penitenciária e nomearam um governador. De fato, tem dois governadores, um que governa tudo, menos isso, e outro que governa segurança pública e administração penitenciária, é muita coisa.

Esse governador do Rio de Janeiro não recebeu nenhum poder extraordinário, não recebeu nada além do que está na Constituição do Estado que diz respeito a isso. As Forças Armadas não receberam mais competência do que têm com a garantia da Lei e da Ordem, que foi contínua desde julho do ano passado. A Polícia Militar e a Civil continuam com suas competências preservadas e fazem o trabalho delas. O problema todo era gestão, credibilidade de um sistema de gestão, de modelo. Existem problemas nas polícias do Rio? Óbvio, mas voltamos à questão da gestão, como lidar com eles.

Aí você coloca um interventor que não tem compromisso nenhum com a próxima eleição nem com partido nenhum. Se o presidente coloca na intervenção do Rio de Janeiro a dona Maria ou seu João, alguém vai se lembrar que eles tinham uma ligação com o deputado fulano, vereador sicrano. Num momento extremamente complicado que estamos vivendo, tem que colocar alguém crivelmente neutro. O problema do Rio, o que aconteceu no carnaval, o gatilho que disparou a intervenção, foi a não foto, não filme. O governo vem investindo, desde muito no Rio, o que não tinha para investir.

Como assim?

Foi a primeira vez que o governo se envolveu, investiu dinheiro, colocou meios, decretou a garantia da lei e da ordem, colocou uma coisa tão longa trabalhando nisso em cima da garantia da ordem lei e da ordem que é desgastante, trabalhosa. E aí, liga a televisão durante o carnaval, e acontece o que aconteceu. Tinha claramente um vazio. Quem está cuidando do Rio? Será que é o primeiro ano que teve carnaval? Não era previsível que fôssemos ter problemas no carnaval?

Não foi muito rápida essa decisão, como no improviso?

Eu acho que o tempo é uma decisão política. Eu não sei responder sobre a decisão política do Temer. Em qualquer tempo, teríamos dificuldade. Se nós parássemos para planejar isso um mês depois, seria mais um mês perdido. Na consideração política, o tempo é uma variável.

Em cima da banda podre das polícias e das milícias, não deveria ter sido uma ação efetiva no primeiro momento?

Por que não é? Eu não vi publicado, também não ouvi, mas não tenho dúvida de que estão tratando. No segundo dia da intervenção foram presos um agente penitenciário, um delegado da Polícia Civil e cinco policiais ligados ao crime organizado. A primeira coisa que fizeram foi mudar os comandos. As figuras que foram colocadas ali, toda a sociedade aprovou, tem uma mensagem muito clara, não estou comparando com os outros.

Aqui existem pessoas de conduta irretocável, aprovadas pela sociedade, por diversas organizações civis, esse é um grande recado. Agora, você pode decretar um ato institucional número 1, sair caçando todo mundo ou vai produzir investigação, dar o direito contraditório de defesa, fazer um devido processo legal e tomar as providências?

Nesse processo, avançou-se em relação às corregedorias, por exemplo?

As corregedorias foram contratadas com o governo do Rio. Em janeiro, assinou o memorando de entendimento e o item número 1 era a criação de corregedorias, autônomas, mais independentes. A corregedoria da PM está na PM, a corregedoria da Polícia Civil está na Polícia Civil e tinha a terceira corregedoria na Secretaria de Segurança Pública. Lá atrás, antes da intervenção federal, foi acertado com o governador do estado que essas corregedorias seriam autônomas e independentes. Já tem um compromisso do estado para fazer isso.

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter