Henrique Gomes Batista
e Gabriela Valente
O Brasil começa a ter estrutura diplomática de gente grande. Já conta com 228 postos (contra 155 em 2003) pelo mundo, quantidade similar à da Alemanha e acima da Índia e da África do Sul. O total de diplomatas no país passou de 1.023, em 2000, para 1.557, em 2012. Ao mesmo tempo em que a estrutura está ficando mais adequada às pretensões brasileiras de ser um ator global, dando suporte às empresas nacionais que se internacionalizam, o Brasil será cobrado a se posicionar mais firmemente em questões mundiais, alertam especialistas. Eles dizem ainda que a posição do governo brasileiro será mais relevante e, para as pequenas nações, sobretudo na América Latina, o Brasil poderá reforçar a sua imagem de potência imperialista, o que afetaria a avaliação, em geral positiva, que a maior parte dos povos tem do país. Este é um desafio típico de nação desenvolvida que o Brasil, país emergente, começa a enfrentar e que é tema do último dia da série de reportagens do GLOBO, iniciada domingo.
O embaixador Tovar da Silva Nunes , porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, conta que este crescimento da diplomacia nacional chegou a causar até problemas de espaço físico no Itamaraty. Ele afirma ainda que o maior peso do Brasil nos debates globais faz com que outras nações anunciem embaixadas no Brasil, como o atual caso de Ilhas Fiji, o que faz com que o Brasil, pela reciprocidade, também abra embaixadas nestes países. Ele diz que, com a alta dos negócios do Brasil, esta nova estrutura é fundamental.
– Além da busca por um espaço maior nos debates mundiais, a demanda cresce com o avanço do país. Temos mais brasileiros no exterior, mais empresas multinacionais. Esta estrutura do Itamaraty é fundamental até para ampliarmos os negócios brasileiros – disse.
País pode sofrer desgaste
Nunes explica que o Brasil conseguiu garantir uma presença em mais países com a criação de embaixadas cumulativas. Ele conta ainda que não foram apenas mais postos, mas alguns pontos importantes, como a representação em Bruxelas, que ganhou mais diplomatas. Apesar de considerar que o país hoje está com estrutura adequada, ele lembra que ainda está atrás de grandes nações como Estados Unidos, Reino Unido e França, e até da Rússia e da China:
– Entre os Brics temos uma estrutura maior apenas que a Índia e a África do Sul.
Ele conta ainda que o Brasil começa a enfrentar mais pressão em suas fronteiras, até pelo avanço da imigração ilegal -tema da primeira reportagem desta série.
Oliver Stuenkel, professor e pesquisador do Centro de Relações Internacionais da FGV, afirma que este avanço no número de diplomatas não é suficiente para um país que queira grande representação. Ele lembra, por exemplo, que na China, principal parceiro comercial do Brasil, são apenas 16 diplomatas. Em Nova Déli, somente 6. Mas, para ele, o Brasil vai repetir o que ocorreu com a China e, em breve, terá sua avaliação positiva arranhada.
Defesa militar também deve crescer
– Como a presença econômica do Brasil cresce, essa visão pode mudar. A diplomacia brasileira terá que defender os interesses nacionais, o que nem sempre será bom para os outros países. O Brasil terá de entrar nos debates complexos, se posicionar – diz Stuenkel.
O professor acredita que a boa imagem brasileira e a tradição de não-interferência em temas internos (como no caso da Síria) pode dar ao país a condição de mediador de conflitos. Mas também deverá defender com força conceitos como direitos humanos e democracia – principalmente na América Latina, onde a democracia gera estabilidade, previsibilidade e negócios.
– O que ocorreu com o Paraguai, rapidamente expulso do Mercosul, tende a se repetir quando há interesses nacionais em jogo. Em outros casos, contudo, o Brasil deverá ser pragmático como as grandes potências – disse Stuenkel.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Estevão Martins, gastar mais não é coisa de país rico, mas de nação inteligente. No entanto, ele critica como a expansão diplomática no Brasil foi feita de forma "atabalhoada" nos últimos anos. O país aumentou a presença na África e em nações árabes – que querem mais cooperação. Na prática, isso significaria vantagens comerciais e financiamento do BNDES nos moldes do que foi feito nos últimos anos na América do Sul. Para ele, o Brasil não teria capacidade para fazer.
– O Brasil deu um passo maior que suas pernas. Não somos tão ricos quanto dizem.
Além disso, o Brasil precisa ampliar sua atuação militar, para se proteger até do terrorismo. Oficialmente, o governo diz que nenhuma organização atua no Brasil. Nos bastidores, monitora esparsos sinais de atividade e prepara um esquema especial para os grandes eventos esportivos e para a visita do Papa Bento XVI em 2013.
Forças Armadas e Polícia Federal mapearam pontos nas cidades-sede da Copa do Mundo que poderiam ser alvo de ataque. E a PF fará um treinamento no exército de Israel.
– Isso (terrorismo) não deve ser visto com alarmismo porque não temos esse tipo de atividade em solo brasileiro – disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. – O que não quer dizer que nós não tenhamos de estar preparados para isso, até pelos grandes eventos.
No entanto, os militares já identificaram integrantes da Al Qaeda a poucos quilômetros do centro do poder em Brasília. Fontes admitem que representantes da organização atuam na Feira do Paraguai, o camelódromo da cidade.
Especialistas defendem o aumento do gasto do país com Defesa. Os investimentos na área deveriam chegar a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano. É o que querem especialistas e o ministro da pasta: Celso Amorim. Hoje, o gasto é de 1,5% do PIB, quase tudo com salários de militares. Entre os BRICS, a média é de 2,5% .
– A sua casa está aberta ou fechada? Aposto que você não tem inimigos, mas ela está fechada – brinca Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Seguranca (Abimde).