HAIS DE LUNA
MARIA FERNANDA SEIXAS
O massacre de Curuguaty, no Paraguai, que deixou 17 pessoas mortas na sexta-feira passada, deflagrou um julgamento político relâmpago que pode custar o cargo do presidente paraguaio, Fernando Lugo. Menos de 48 horas separam o pedido de impeachment — apresentado pelo conservador Partido Colorado (de oposição), na noite de quarta-feira — do veredicto. O parlamento, transformado em um tribunal sumário, deve proferir a sentença às 16h30 de hoje (17h30 em Brasília). Envolta em tensão, com as ruas do centro fechadas, a capital, Assunção, é palco do que líderes como o boliviano Evo Morales chamam de "golpe de Estado".
Lugo já avisou que não abandonará o poder. "Este presidente não vai apresentar renúncia ao cargo e se submete com absoluta obediência à Constituição e às leis, para enfrentar o julgamento político com todas as suas consequências", afirmou. "Denuncio ante o povo que sua vontade está sendo alvo de um ataque", acusou. A iniciativa mobilizou a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) a enviar seus 12 chanceleres ao país, inclusive o brasileiro Antonio Patriota.
O presidente é acusado de "mau desempenho de suas funções", um dos motivos na Constituição paraguaia para que ocorra o pedido de impeachment. O texto não cita prazos para o processo de julgamento, que terá cinco deputados como promotores. O advogado de Lugo considera injusto o fato de a ação ser concluída em tão pouco tempo. "Se isso é considerado uma violação, não é pelo julgamento político em si. O que não se respeitam são os prazos processuais", advertiu Adolfo Ferreiro.
A acusação culminou com os confrontos de Curuguaty, no Departamento (Estado) de Canindeyú, na fronteira com o Brasil. A morte de oito policiais e de nove camponeses, durante tentativa da polícia de expulsar 150 sem-terra que ocupavam uma reserva, já havia custado ao governo as quedas do ministro do Interior, Carlos Filizzola, e do comandante da polícia, Paulino Rojas.
"Este presidente não vai apresentar renúncia ao cargo e se submete com absoluta obediência à Constituição e às leis" Fernando Lugo, presidente do Paraguai
Em entrevista ao Correio, o senador do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), Roberto Acevedo, admitiu que o massacre desencadeou o processo, embora o Legislativo já levasse em conta uma série de problemas envolvendo a invasão de propriedades privadas e de violência por parte do governo. "O governo de Lugo tem sido uma decepção. A morte dos camponeses e policiais na semana passada foi muito ruim para a imagem do país", criticou. Acevedo afirmou que a população sente muito medo, ante os últimos assassinatos e as invasões a fazendas. "Muitos brasileiros que vivem na fronteira com nosso país ou que moram aqui se sentem totalmente inseguros. Meu partido e eu estamos muito decepcionados." O PLRA integrava a coalizão do governo Alianza Patriótica por el Cámbio (APC), mas aprovou o julgamento e retirou o apoio ao mandatário.
Manobra
Cezar Britto, presidente da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), lembra que o Congresso paraguaio é composto por uma maioria derrotada nas eleições. Segundo ele, a união dessas forças significa um golpe branco, com o objetivo de afastar um presidente democraticamente eleito. Britto crê que o rápido processo de impeachment demonstra a intenção golpista do parlamento. "Lugo pode recorrer à Suprema Corte. O que nos preocupa é que, na América do Sul, muitas coisas acontecem de maneira cíclica. Um golpe pode servir de exemplo para outros países, por isso, a reação da Unasul deve ser contundente na defesa da democracia."
O custo de um impeachment seria muito alto para o Paraguai. É o que afirma Maria Celina D"Araújo, cientista política da Pontíficia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. "Os camponeses vão agir com violência para defender Lugo", prevê. A queda do líder prejudicaria a estabilidade do Paraguai, alertou William Smith, especialista em política da América Latina pela Universidade de Miami (EUA). "Se a decisão do julgamento for negativa para Lugo, a sucessão poderia ter sérias consequências para a consolidação democrática do país."
Unasul
A Unasul enviou ontem seus 12 ministros de Relações Exteriores ao Paraguai para defender a democracia, anunciaram o chanceler do Brasil, Antonio Patriota, e o secretário-geral do bloco, Alí Rodríguez. A decisão foi tomada após reunião dos representantes do bloco no gabinete da presidente Dilma Rousseff. "Diante da iniciativa dos partidos políticos de promoverem o julgamento do Presidente da República, Fernando Lugo, decidiu-se o envio de uma missão de chanceleres que partirá hoje, às 19h, do Rio de Janeiro para Assunção.
Eu integrarei essa missão", afirmou ontem Patriota, por meio de nota. "Os presidentes expressaram sua convicção de que se deve preservar a estabilidade e o pleno respeito à ordem democrática do Paraguai, observado o pleno cumprimento dos dispositivos constitucionais e assegurado o direito de defesa e o devido processo", acrescentou. O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, defendeu o diálogo, para manter a "paz interna" no país.