VALE – Estratégias em negócio de carvão

No centro de Brisbane, próximo ao movimentado rio que corta a terceira maior cidade da Austrália, fica o escritório central da Vale. Pelo rio, navegam pequenos barcos de passageiros, que o utilizam para transitar pela cidade, além de barcos de carga, que abastecem e transportam materiais das grandes empresas produtoras de minérios. A localização é representativa para a estratégia da empresa: a região, no Estado de Queensland, nordeste da Austrália, é uma das maiores produtoras de carvão do mundo. O setor, ainda pequeno dentro das operações globais da mineradora brasileira, é um dos seus focos de crescimento. Para ganhar espaço, a ideia da Vale é simples: está redesenhando seu grupo de ativos para se centrar na produção do carvão tipo metalúrgico, em detrimento do térmico.

"Nossa estratégia é desenvolver um portfólio forte em carvão metalúrgico. O carvão térmico não saiu do portfólio, mas só vamos ampliá-lo se conseguirmos ativos próprios que tenham classe mundial, ou seja, que sejam extremamente competitivos", afirmou, em entrevista exclusiva ao Valor, o diretor global de carvão da Vale, Mauro Neves.

Enquanto o carvão térmico é utilizado para gerar calor e energia em usinas termelétricas, o metalúrgico é aplicado em siderúrgicas, fazendo parte do processamento de minério de ferro para produção do aço. Essa diferença mostra o porquê dessa estratégia da companhia. "Nosso foco é siderurgia e acreditamos no ciclo de crescimento que embasa nossos negócios voltados para atender infraestrutura", explicou.

Os melhores preços do metalúrgico, além das oportunidades que surgem para as operações na Austrália com a proximidade dos países de alto crescimento da Ásia, são algumas das razões que levaram a Vale a reestruturar seu portfólio. Desde o início do ano, os preços do carvão térmico no mercado internacional – na faixa dos US$ 90 a tonelada métrica – recuaram mais de 18%, enquanto os preços do metalúrgico, com cotação à vista no patamar dos US$ 278 por tonelada métrica, caíram cerca de 13%. O preço do carvão destinado para gerar energia tem desempenho inferior porque ele é mais abundante e tem menor teor de carbono.

Um capítulo da reestruturação da Vale já aconteceu na segunda-feira, quando a empresa anunciou a venda dos ativos de carvão térmico na Colômbia por US$ 407 milhões. A compradora foi a CPC, subsidiária da Colombian Natural Resources. A produção dessas operações somou 3,565 milhões de toneladas métricas no ano passado, mostrando um bom desempenho em volume: houve crescimento de 20% frente aos resultados de 2010. A Colômbia representava 80% do total de carvão térmico produzido pela Vale.

Os demais negócios de carvão da brasileira estão em Moçambique, na China e na Austrália. No total, a Vale produziu 4,506 milhões de toneladas métricas de carvão térmico e 2,766 milhões de carvão metalúrgico no ano passado.

Em Moçambique, o projeto Moatize, que entrou em operação em julho do ano passado, tem capacidade de 11 milhões de toneladas ao ano. A empresa está duplicando a capacidade, com produção final de 70% do metalúrgico e 30% do térmico. Na China, a Vale é minoritária (com 25%) em duas produtoras de carvão e coque.

Na estratégia da companhia, os projetos na Austrália se tornam ainda mais importantes. A Vale está presente no país desde 2002, onde tem três operações: Integra Coal, Carborough Downs e Isaac Plains. Com esse portfólio, as operações australianas representaram 90% do que a Vale produziu em 2011 de carvão metalúrgico. Todos esses projetos na Austrália são joint ventures, sendo que somente na operação de Isaac Plains a Vale não é majoritária. Toda a produção no país é exportada, principalmente para a China, Japão e Índia, onde os investimentos em infraestrutura crescem a cada dia.

"O mundo está vivendo um ciclo de urbanização e elevação de padrão de vida que vai demandar aço. Os negócios de carvão metalúrgico têm muita sinergia com as nossas demais operações", comentou Neves.

O executivo – que assumiu o cargo em novembro do ano passado – tem a meta de fazer com que a empresa esteja entre as cinco maiores produtoras de carvão da Austrália até 2021. "Queremos que a área de carvão esteja logo entre as maiores do mundo. Acreditamos que temos como chegar lá, apesar de ainda termos muito o que avançar", afirmou Neves.

Para sua expansão, hoje a Vale tem diversos projetos de exploração na Austrália, espalhados em uma área de 10 mil km2. Dentro deles, se destaca o de Belvedere, em Queensland, no qual tem participação de 75,5%. Alí, a empresa pesquisa carvão em uma mina subterrânea e ainda está na primeira fase de desenvolvimento, ou seja, de análise de pré-viabilidade e ainda não foi aprovado pelo conselho. Já o Eagle Downs, também em Queensland, está aprovado e vai envolver investimentos de US$ 19 milhões. Planejado para ser desenvolvido em uma joint venture na qual a Vale terá 50% de participação, a capacidade nominal de produção do projeto é de 4 milhões de toneladas por ano e o início das operações está previsto para o primeiro semestre de 2016. Ambos projetos são de carvão metalúrgico.

Do total de US$ 21,4 bilhões orçados pela Vale em investimentos para 2012, 8,9% serão destinados à área de carvão. Em 2011, a receita de vendas desse segmento alcançou R$ 1,795 bilhão, 34% superior ao registrado em 2010. O montante representa um pouco mais de 1% das vendas totais da Vale.

Apesar de ter negócios ainda relativamente pequenos, com seus planos de avanço no setor de carvão, a brasileira tem ganhado espaço na economia australiana, onde a matéria-prima é uma das mais importantes. As exportações de carvão do país representam 15% das suas vendas totais para o exterior. Segundo Associação Australiana de Carvão, a produção soma 405 milhões de toneladas, sendo que, sozinho, o Estado de Queensland produz 202 milhões de toneladas/ano. Para chegar ao topo desse consolidado mercado, a vale terá que alcançar outras gigantes, como a BHP Billiton e a Rio Tinto.

Nesse cenário de competição às margens do rio Brisbane, falta saber se duram, e por quanto tempo, as operações de carvão térmico da Vale. Como contrapartida ao que perde com a venda dos ativos, a empresa terá que avançar em produtividade e ter a capacidade de absorver tecnologias na área do metalúrgico. Como diz Neves, a Vale "pede passagem na Austrália".

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