Armando Durán
ex-ministro de Relações Exteriores da Venezuela,
é jornalista e colunista do jornal venezuelano "El Nacional"/GDA.
A Comunidade da América Latina e Caribe (criada no ano passado como uma espécie de contrafação à Organização dos Estados Americanos e sem participação dos Estados Unidos) responde ao delírio antiamericano de Hugo Chávez em termos idênticos aos propostos durante meio século por Cuba, embora com características muito diferentes.
Primeiro, os EUA já não são o poder imperial que foram durante os anos da Guerra Fria, tampouco ninguém se lembra do macarthismo, como expressão fanatizada de um anticomunismo vulgar e teimoso. Além disso, Cuba há muito tempo deixou de ser uma ameaça subversiva na América Latina.
Na dramática encruzilhada dos anos 50, os latino-americanos se escoraram entre as opções possíveis do momento: democracia ou ditadura, democracia de origem liberal ou revolução socialista à cubana.
Superados este e outros desafios, como a pavorosa aplicação da chamada doutrina de segurança nacional no Sul do continente ou as guerras de Nicarágua e El Salvador, o dilema evoluiu favoravelmente para a busca de uma intersecção de caminhos que resultassem muito menos escabrosos. Em grande medida, essa foi a razão de ser das Cúpulas Ibero-Americanas.
Em segundo lugar, porque em vez de ser uma ação individual, como a de Fidel Castro em 1959 – esforço desesperado que apenas três anos mais tarde o levou tão longe a ponto colocar o mundo à beira de uma hecatombe nuclear -, Hugo Chávez tenha pensado ser possível aproveitar a vantagem comparativa oferecida pela imensa riqueza petrolífera e financeira da Venezuela para promover a construção pacífica de um espaço cada vez mais socialista da América Latina no marco estratégico que representa um gradual distanciamento político de Washington. Esta é a sua concepção da guerra anti-imperialista por outros meios.
Um terceiro aspecto é que são muitos poucos membros da Comunidade da América Latina e Caribe que estão dispostos a acompanhar Chávez em sua aventura delirante imperialista. Ainda pior para o seu projeto, a maioria dos governos regionais é democrática e todos tentam manter as melhores relações possíveis com Washington – muitos deles perseguem o objetivo ambicioso de realizar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos.
Resistem, pois, a integrar-se em mecanismos rojos rojitos abertamente imaginativos, como Aliança Bolivariana (Alba), mas se fazem de ingênuos ante Chávez e companhia, passando por alto destes objetivos políticos de aparência integracionista, tal como vem fazendo Juan Manuel Santos desde que assumiu a presidência da Colômbia.
A única e pragmática intenção desta ambiguidade mais ou menos em escala continental se fundamenta na conveniência de aproveitar qualquer oportunidade de se aproximar de Chávez para adiantar alianças econômicas, comerciais e aduaneiras com a Venezuela e com outros membros de organismos de integração sub-regional em plena decadência nestes dias, precisamente por culpa de Chávez, como a Comunidade Andina de Nações e o Mercosul. Não se trata, pois, de uma autêntica iniciativa latino-americana entre iguais para alcançar juntos uma meta de bem-estar coletivo, mas de um descarado oportunismo comercial e nada mais.
Em quarto lugar, Chávez não ignora em absoluto as filigranas e dissimulações daqueles que não compartilham seu projeto político, e os assume de muito bom grado porque tanta cumplicidade "inocente" lhe permite:
1) legitimar o suposto caráter democrático de seu governo;
2) fortalecer sua imagem de beligerante líder latino-americano, apesar do pouco democrático que é a sua gestão;
3) por último, contribuir, pela via do seu contínuo contrabando ideológico e da cumplicidade interessada de muitos governos da região que se acreditam mais preparados que ele, a fomentar na América Latina interesses políticos que não são exclusivamente contrários aos interesses dos Estados Unidos, mas que também apontam, e muito, a futuras e grandes mudanças no processo político latino-americano.
Não é possível antecipar o resultado desta Comunidade da América Latina e Caribe que acaba de nascer. O mais provável é que se dilua na névoa de outros impulsos semelhantes – o Grupo do Rio, por exemplo. No entanto, uma coisa fica clara. Desta vez, o motor da iniciativa é a confrontação enunciada entre o delírio anti-imperialista de Chávez e a débil resistência de governos que aspiram a ser cada vez mais tecnocráticos e menos políticos. Um fator que, sem dúvida alguma, dá a Chávez a vantagem inicial.