O nacionalismo que vem do Leste Europeu

Não que sejam necessárias ainda mais provas de que os países do Leste Europeu que integram a União Europeia (UE) estão cheios de autoconfiança.

Mas o primeiro-ministro da Hungria e homem forte do país, Viktor Orbán, aproveitou um recente convite para participar de uma reunião fechada do partido conservador bávaro União Social Cristã (CSU) para pronunciar claramente que refugiados muçulmanos são, para os húngaros, invasores muçulmanos: "Não queremos isso".

E muito menos quer a Hungria ser alvo de imposições, declarou Orbán ao diário Bild, em resposta a comentários do presidente do Partido Social-Democrata (SPD) alemão, Martin Schulz. Orbán afirmou que intromissões na política de seu país são ultrajantes e que a Hungria merece mais respeito.

As afirmações do chefe de governo em Budapeste não deixam dúvidas: os países-membros da União Europeia estão seguindo rumos distintos. Não aos valores ocidentais Paradoxalmente, a União Europeia já chegou a ser um sonho de consumo do antigo bloco soviético – e isso há meros 25 anos.

Desde então, os membros mais jovens vêm causando sobretudo problemas para a união de países europeus – e vice-versa. Hoje em dia, o único aspecto positivo que Polônia e Hungria veem na UE é o do bloco como máquina de fazer dinheiro. Os dois países rejeitam o centralismo de Bruxelas e enxergam o multiculturalismo europeu como ameaça.

No lugar dele, Varsóvia e Budapeste estão recuperando antigos valores: a pátria, a fé cristã, a família. Esses mesmos ideais políticos e sociais valem na República Tcheca e na Eslováquia, formando um movimento contrário às sociedades liberais da Europa Ocidental.

Por trás desse movimento está a ideia de voltar a priorizar a "nação" em meio a uma existência globalizada e sem fronteiras. Com isso, Orbán e seu partido Fidesz reinventam a escala de valores da Hungria, numa tentativa de tornar novamente simples um mundo que ficou complicado e que é coletivamente percebido como ameaçador.

Jaroslaw Kaczynski, ex-primeiro-ministro da Polônia e presidente do partido Lei e Justiça (PiS), segue o mesmo curso. Tido como verdadeiro homem forte do país agora governado por Mateusz Morawiecki, Kaczynski – assim como Orbán, na Hungria – dirige a Polônia de forma autocrática e não esconde sua resistência a modelos sociais ocidentais.

Orbán chamou sua Hungria de "Estado iliberal", enquanto Kaczynski apelidou sua reforma governamental de dobra zmiana, (uma boa mudança). Aparentemente, o Leste Europeu está reformando o ideal europeu.

Do comunismo para o neoliberalismo

A consequência dessa alteração na política é uma nítida guinada à direita na margem oriental da UE. Essa pouco tem que ver com problemas econômicos. A República Tcheca desmente a tese de que uma economia em crise e altas taxas de desemprego incentivem sentimentos nacionalistas. Um crescimento econômico de quase 5% em 2015 (a previsão para 2017 é de 4,3%) e uma taxa de desemprego espetacularmente baixa, de meros 3% em 2017, não impediram uma guinada à direita sob a batuta do primeiro-ministro Andrej Babis.

A evolução na Polônia é parecida. Em 1990, o salário médio de um polonês era 12 vezes menor que o de um alemão. Em 2016, subiu para um terço. Mesmo assim, o nacionalismo avança. Segundo o diário americano The New York Times, "o populismo tem sua casa no Leste Europeu".

Para Piotr Buras, um dos cientistas políticos mais conhecidos da Polônia, esse cenário tem muito que ver com o fato de os países do Leste Europeu não terem passado por uma fase social-democrata após 1990.

Assim, o neoliberalismo atingiu as sociedades, recém saídas do comunismo, de forma praticamente desenfreada. Não havia Estado de bem-estar social, e os sindicatos eram fracos. O capitalismo invadiu o Leste Europeu sem ser amortecido.

Isso deixou cicatrizes, por exemplo o complexo de inferioridade que predomina nesses países até hoje. O escritor Ziemowit Szczerek avalia que a imagem que os poloneses têm de si mesmos ainda é igual à que o Ocidente tem da Polônia: "Um pouco pobre, um pouco atrasada e menos eficiente".

Protestos antigoverno em Varsóvia: Kaczynski (c.) e suas marionetes, a ex-premiê Beata Szydlo e o presidente Andrej Duda

A Polônia e a tendência ao autismo

Na semana passada, Morawiecki, que recém assumiu o governo polonês, fez sua primeira visita oficial internacional – a Budapeste, e não Bruxelas. Trata-se de uma clara declaração política: a Hungria é mais importante para a Polônia que a União Europeia. Em seguida, Morawiecki foi para a Eslováquia.

Na Polônia não há vozes pedindo que o país dê as costas para Bruxelas, mas, no que diz respeito aos laços internos da UE, Varsóvia se comporta como um estranho no interior da família europeia. Muitos poloneses acreditam que a UE está tirando a dignidade do país. Segundo a escritora Inga Iwasiow, do Oeste só vêm limitações, problemas e relativismo moral. Temas sociais que são consenso em países ocidentais – como igualdade de direitos, laicismo e direitos das minorias – nunca chegaram à Polônia, afirma.

Em vez disso, nesses tempos do partido populista de direita PiS, os poloneses se voltam sobretudo para si mesmos. Essa tendência ao autismo deverá se exacerbar ainda mais em 2018, ano em que a Polônia lembra o restabelecimento de sua soberania nacional, há exatamente um século. Em Varsóvia, a nação é o valor absoluto, e lições de Bruxelas ou Berlim não são bem vistas. Segundo a lógica do PiS, a Justiça precisa se submeter à "vontade do povo".

Por trás de todos esses fenômenos da guinada política e social à direita está o sentimento vigente na Polônia de que, historicamente, o país sempre foi vítima. Patriotismo e nacionalismo são a resposta.

Identidade nacional insegura

A situação na Hungria pode ser descrita de forma similar. Sistematicamente, Orbán nomeia seus seguidores para cargos administrativos e na Justiça. A tese de que, após a virada política dos anos 1990, a Hungria seguiria os ideais ocidentais de uma Constituição democrática, uma economia de mercado e multiculturalismo, estava errada, afirma o reitor da Universidade Centro-Europeia (Central European University) em Budapeste, Michael Ignatieff.

Co-fundada e generosamente apoiada com dinheiro pelo investidor húngaro-americano George Soros, a faculdade tem renome internacional e é uma pedra no sapato de Orbán. Em dezembro, a revista semanal Der Spiegel constatou que os estudantes da universidade integram justamente aquela elite da qual os húngaros desconfiam. "Soros é uma figura que simboliza aquele capitalismo financeiro definido como ameaça às tradições pelos populistas de direita", diz o texto.

Também aqui o embate cultural dá pistas de como funciona a identidade coletiva. Apenas em 1920, a Hungria se tornou um Estado próprio, criado após o fim da dupla monarquia de Habsburgo (Império Austro-Húngaro). Era uma nação jovem, que precisava tirar o atraso no quesito identidade. Para muitos húngaros, o regresso de Orbán aos "valores húngaros" transmite apoio e segurança. Segundo a Spiegel, é um mundo "sem estrangeiros, 'biohipsters' ou funcionários públicos de Bruxelas".

O que ocorre hoje no Leste Europeu não estava nas previsões da maior parte dos intelectuais europeus, há mais de 25 anos. Acreditava-se que, em poucos anos, a região assumiria os valores democráticos e de livre-mercado, com ou sem o componente social. O sociólogo alemão Ralf Dahrendorf se opôs a essa previsão em 1990. Ele avaliou em 60 anos o prazo para a construção de uma sociedade democrática. E são especialmente os "bons alunos" entre os países mais recentes a aderirem à UE, a Polônia e a Hungria, que parecem confirmar que o caminho rumo à harmonia interna na Europa é longo.

 

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