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Na mesa do Planalto, questões inquietantes

Washington Novaes

Começa a aglomerar-se sobre a mesa da Presidência da República um complexo de problemas e equações econômicas, políticas e estratégicas – em muitos casos, contraditórias entre elas – de dificílima solução. E que lançam muitas perguntas sobre o futuro próximo e até de prazo maior.

O primeiro ponto parece estar na dificuldade de manter a aliança político-partidária que tem assegurado a permanência do esquema de poder do partido majoritário e o "aparelhamento" que o acompanha. Desde a campanha presidencial de 2002 – quando entendeu a ameaça que representava para sua candidatura a insatisfação dos setores e instituições internos e externos descontentes com as propostas de política econômica – a coalizão partidária liderada pelo PT definiu uma estratégia de política econômica da qual viria a ser o garantidor o ex-ministro Antônio Palocci. No quadro institucional interno, consolidou-se uma aliança multipartidária, com a repartição dos cargos de mais alto nível. E tudo isso permitiu levar adiante o barco durante oito anos.

Mas agora surgem muitos complicadores. O primeiro é a necessidade de "expurgar" o governo de aliados – ou até mesmo de membros exponenciais do partido dominante, como Palocci – por causa das acusações de improbidade. Como fazer isso sem romper alianças? Tem-se recorrido muito à mediação do ex-presidente – mas aí se esbarra em outra questão: como manter a imagem de uma presidente com pensamento, voz e ação próprios, ainda mais no quadro político brasileiro, em que a regra costuma ser a ruptura entre o eleito (em busca de autonomia e imagem próprias) e aquele que o escolheu para lhe suceder? Nesse quadro de difícil equilíbrio, como manter a maioria no Legislativo e assegurar a predominância política?

Tudo isso ocorre numa conjuntura político-econômica internacional que complica todo o panorama. As questões colocadas pela crise financeira global configuram outra equação inquietante. Reduzem-se impostos para assegurar a manutenção dos mercados interno e externo a vários setores (automobilístico, têxtil, calçados, móveis, etc.). E imediatamente saltam sobre a mesa muitas perguntas: vai-se continuar estimulando o transporte individual, em detrimento do coletivo, com todos os problemas e contradições que isso implica? E ainda sabendo que de janeiro a julho já foram vendidos 2,017 milhões de veículos e que 457,3 mil deles foram importados? Vai-se estimular mais poluição do ar (e mais problemas de saúde), mais adensamento do trânsito nas grandes cidades, mais necessidade de investimentos em infraestruturas viárias? Vai-se abrir mão de parcela importante da arrecadação de impostos no momento em que setores vitais como saúde, educação e ciência vivem à míngua? Vão-se dar mais argumentos a países, principalmente europeus, que veem nessas políticas subsídios a exportações brasileiras (de produtos industrializados e commodities agrícolas), vedados por convênios internacionais? Vai-se dar corda aos já presentes defensores de "cortes na Previdência" – sem cortar onde é preciso, e sim nos proventos de aposentados do setor privado? E que se fará com a política de juros, que, por manter a mais alta taxa real no mundo, transforma o País em refúgio de aplicações financeiras especulativas externas, com consequências complicadas no câmbio, na inflação, em tudo?

Mais ainda: e tudo se fará sem mexer realmente em nós fundamentais do comércio internacional, sem criar na proporção indispensável estímulos para a inovação, já que só 4,2% das empresas que inovam conseguem apoio público (Glauco Arbix e João Alberto Negri, Folha de S.Paulo, 4/8)? E sem benefícios diretos para o consumidor interno, pois mesmo com as isenções de impostos adotadas os preços por aqui não serão atingidos. E até montadoras de outros países se preparam para se virem beneficiar das novas condições internas.

Talvez, entretanto, o mais grave seja perceber que nesta hora grave não se percebem movimentos em direção a estratégias consentâneas com a conjuntura mundial. Já não há como fazer de conta que a crise não tem nada que ver com o "descolamento" entre os mercados financeiros e a realidade concreta. Pouco a pouco, muitos analistas vão chegando à questão central: como manter equilíbrio, se a movimentação nos mercados financeiros chega a US$ 600 trilhões e o produto mundial está em torno de US$ 62 bilhões, um décimo daquele valor? Que garantias reais podem ter os papéis? Que fazer quando, em determinado momento, o equilíbrio aparente se rompe – como foi o caso de hipotecas de imóveis nos Estados Unidos, com suposto valor de mercado muitas vezes acima das garantias reais – e começa a arrastar para o despenhadeiro papel atrás de papel, país atrás de país?

Nesta hora, um país como o Brasil, com a relativa abundância de fatores concretos – território, recursos hídricos, biodiversidade, possibilidade de matriz energética renovável e "limpa" -, detém enorme vantagem comparativa, que, cedo ou tarde, pesará fortemente no quadro mundial. Mas neste mesmo momento se vê que o próprio Ministério de Minas e Energia tem de intervir para anular decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de reduzir a meta de produção de energia renovável no País (Folha de S.Paulo, 4/8). Era um órgão da própria cúpula caminhando contra o bom senso.

Tão grave quanto é tomar conhecimento de que o desmatamento na Amazônia continua a crescer e não ficará, neste novo período, em números menores que o dos 12 meses anteriores – e isso significa aumento das emissões brasileiras de gases que prejudicam o clima, pois desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo significam quase 60% das nossas emissões totais (e estamos entre os cinco maiores emissores do planeta).
O quadro sobre a mesa presidencial é muito inquietante. Resta ver que desdobramentos terá.

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