Paulo Mena Barreto
Especial para o DefesaNet
A Armênia vê o reacendimento dos combates na região de Nagorno-Karabakh como uma tentativa turca de abrir uma guerra por procuração com a Rússia. A reabertura dos combates entre soldados azeris e separatistas da província rebelde ocorreu logo após a visita do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, à Ancara, onde manteve um encontro de trabalho com o chefe de Estado da Turquia, Recep Erdogan.
Ao contrário de todos os líderes europeus, que se uniram com a Rússia em uma iniciativa de paz, o presidente turco também apoiou claramente uma ação azeri contra os separatistas. A situação ainda não se normalizou, apesar da Armênia e do Azerbaijão terem aceitado o retorno do status quo acertado entre os dois países em 1994.
As relações entre a Rússia e a Turquia, que eram extremamente próximas, azedaram depois da intervenção de Moscou na guerra civil Síria — solicitada dentro das leis internacionais pelo presidente Bashar Al-Assad. Ancara apoiava os rebeldes — em conjunto com os aliados ocidentais e as monarquias sunitas do Golfo Pérsico.
A situação se agravou depois que a Força Aérea Turca derrubou um avião de ataque Sukhoi Su-24M. Em retaliação, os russos bombardearam pesadamente grupos turcomanos que atuavam contra as forças do regime de Damasco. Também passaram a dar mais apoio aos combatentes curdos que operam contra os rebeldes sírios e contra o Estado Islâmico, um ponto que contraria frontalmente os interesses de Ancara.
Os curdos lutam por mais autonomia ou pela criação de um Estado que reúna a comunidade espalhada em quatro países: Irã, Iraque, Síria e Turquia. A repressão dos movimentos nacionalistas sempre foi um ponto chave na política turca e o apoio russo aos curdos, que também contam com suporte estadunidense, foi mais um ponto a afetar as relações entre Ancara e Moscou.
Impasse
A verdade é que a tentativa turca de criar uma guerra por procuração tem tudo para não dar certo. Os dois lados, equipados com material russo, possuem paridade militar. Moscou e outros países da Comunidade dos Estados Independentes estão prontos a fornecer forças de paz e a União Europeia não deseja ampliar os pontos de atritos já existentes com a Rússia.
Há um complicador histórico. Durante a Primeira Guerra Mundial, cerca de 1,5 milhão de armênios foram assassinados pelo Império Otomano, o antecessor histórico da Turquia, que não reconhece a culpa pelo genocídio. Não houve surpresa quando Ancara, logo após a independência da Armênia, tentou isolar o novo país, que não tem acesso ao mar. Os planos de Ancara só não foram bem sucedidos pela iniciativa iraniana de apoiar a nova nação.
Com a dissolução da União Soviética, eclodiram os conflitos étnicos na província de Nagorno-Karabakh, que se localiza em território azeri, mas tem maioria populacional armênia. Para evitar um novo genocídio, o governo de Erevam interveio, mas sem reconhecer a independência do enclave, como queriam os moradores locais. De lá para cá, a Rússia administra a situação por meio de uma força de paz acordada entre os dois contendores.
A iniciativa de paz, rompida temporariamente pela ação de Ancara, precisa de bases mais sólidas. A Rússia vai levar a questão ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas em busca de um acordo final que contemple todas as partes. Seria importante que a iniciativa recebesse o apoio de todos os países do BRICS, inclusive do Brasil. Os Estados Unidos e a União Europeia reconhecem que não há espaço para aventuras militares, como as que a Turquia patrocinou nos últimos dias.
A diplomacia brasileira foi uma das principais vítimas da inação do governo Dilma, em boa parte causada pelos problemas internos do país relacionados ao conflito com o Parlamento. Ativar as relações para uma ação coordenada dos BRICS poderia ser um bom gesto de saída da presidente. Uma ação luminosa em meio a uma história triste.