Cláudia Trevisan
O acordo que elevou o teto de endividamento dos Estados Unidos reduziu a ansiedade chinesa em relação à possibilidade de um calote americano, mas o longo impasse entre republicanos e democratas evidenciou os riscos enfrentados por Pequim e aumentou a pressão para que o Partido Comunista reveja a política de acumulação de reservas internacionais, cujo valor já alcançou estratosféricos US$ 3,2 trilhões.
Cerca de 70% dessa montanha de dinheiro estão aplicados em ativos denominados em dólar, incluindo US$ 1,16 trilhão em títulos do Tesouro americano, o que põe a China na condição de maior credor de Washington. Isso significa que uma eventual desvalorização persistente da moeda americana provocará redução no valor dos recursos administrados pelo Banco do Povo da China (banco central).
O confronto político em Washington acendeu a luz amarela em Pequim, mas a acumulação de reservas criou uma armadilha difícil de ser desarmada. A China não pode se desfazer dos títulos do Tesouro e dos ativos em dólar sem arriscar derrubar seu valor, o que reduziria sua própria poupança.
Além disso, o modelo de intervenções no mercado para impedir a valorização do yuan torna inevitável o aumento das reservas, já que essa operação é feita por meio da compra de dólares pelo banco central.
Editorial publicado ontem pelo jornal Global Times, ligado ao Partido Comunista, afirmou que as reservas internacionais "enormes, mas em desvalorização" são um peso para o povo chinês, ao mesmo tempo em que reconheceu que há poucas opções para aplicá-las. "Essa talvez seja a lição que a China aprendeu" com a crise em torno do teto de endividamento americano.
A manchete do jornal China Daily, editado pelo Conselho de Estado, foi "O dilema das reservas internacionais da China". O texto afirma que o acordo é um "alívio" para os credores de Washington, mas observa que Pequim enfrenta o desafio de diversificar suas reservas, "ameaçadas" pela possibilidade de desvalorização do dólar.
Mudança. Em artigo publicado no Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista, o pesquisador Li Xiangyang, da Academia Chinesa de Ciências Sociais, defendeu o abandono do modelo atual. "É necessário mudar a atual concentração em ativos denominados em dólar, mas o que é mais importante é mudar no futuro a propensão para elevação dos ativos em dólar." Segundo Li, isso exige um "ajuste fundamental" no modelo de crescimento econômico adotado pela China.
Editorial veiculado no mesmo jornal ressaltou que os problemas da dívida soberana dos EUA continuam, apesar do acordo entre republicanos e democratas. "Eles foram apenas adiados e há uma tendência de que cresçam. Isso está lançando uma sombra sobre a recuperação da economia dos EUA e escondendo riscos e turbulências ainda maiores para a economia global."
O nacionalista Global Times adotou um tom irônico em seu editorial, no qual disse que a solução do impasse poderia render um filme hollywoodiano de efeito especiais "democráticos" com o título Acordo de Último Momento. Mas o desenlace não deve arrancar aplausos do restante do mundo, ressalta. "Ao usar nova dívida para pagar a velha, os EUA estão afundando ainda mais em areia movediça."