EUA – As armas de que precisamos para a guerra que não queremos

Por P.W. Singer e August Cole*
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel


Terrorismo e insurgências no Oriente Médio não vão desaparecer tão fácil. Ainda assim, em pleno Século 21, os Estados Unidos precisam entender que encaram o retorno de um problema de segurança nacional grave, que foi moldado no século passado: o risco da guerra entre superpotências.

A nova National Military Strategy (Ver o artigo: EUA – Nova Estratégia Militar Nacional) do Departamento de Defesa reconhece essa questão ao perceber as implicações das rivalidades renovadas com a China e a Rùssia. A possibilidade de uma guerra maior com grandes potências, como foram a Primeira e a Segunda Guerra, está “crescendo” de acordo com a Estratégia Militar Nacional publicada pelos EUA neste mês.

Pense: a Organização do Tratado do Atlântico Norte voltou ao estado de alerta máximo após a "pilhagem" da Rússia contra a Ucrânia, ao mesmo tempo em que China e Estados Unidos competem em uma corrida armamentista no Oceano Pacífico. Quando o candidato a Chefe de Estado Maior prestou depoimento ao Congresso Americano recentemente acerca das maiores ameaças à segurança, ele começou falando de Moscou, não do Estado Islâmico.

Ainda assim, o "establishment" do Setor de Defesa Americano ainda tem um pé no passado e um mais ou menos no futuro. O Pentágono domina o discurso da inovação militar para lidar com essa nova mistura de ameaças, mas busca cegamente programas de armamentos cada vez mais caros baseados em preceitos perigosamente arcaicos. Não apenas é provável que os sistemas de armas não se saiam bem nos conflitos de hoje, como eles também podem se tornar vulnerabilidades a serem exploradas por adversários dos EUA em tempos de guerra.

O risco dessas linhas de pensamento arcaicas ficou claro recentemente quando o relatório de um piloto de teste vazou no portal War Is Boring. O documento revelava que um caça F-16 – com tecnologia concebida há 40 anos – havia superado a nova aernave desenvolvida pelo Pentágono, o F-35 Joint Strike Fighter, em combate simulados.

A unidade do F-35 em teste, segundo o relatório, não se saiu bem em combate aproximado (dogfight). O Pentágono e o fabricante da aeronave não contestaram a validade no material vazado no site, em vez disso argumentaram que o teste não foi justo – porque o F-35 não precisaria combater à curta distância.

É fascinante que o mesmo argumento foi usado há quase 50 anos em defesa do F-4 Phantom, um caça bimotor projetado para superioridade aérea e reconhecimento. Estreou em combate sem canhão interno – por conta o otimismo do Pentágono em pensar que mísseis ar-ar haviam tornado os duelos aéreos coisa do passado.

O resultado foi que os MiGs obsoletos dos norte-vietnamitas foram capazes de abater esses Phantoms no combate próximo que o Pentágono planejou que não aconteceria. Então, os Phantoms tiveram que ser equipados exatamente com os canhões considerados desnecessários. A Marinha então teve que criar o programa Top Gun para ensinar aos aviadores a então perdida arte do combate aéreo.
 
Chega do planejamento “segura na mão de Deus”

 
Esse mesmo problema de planejamento “segura na mão de Deus” – torcendo para dar certo – aconteceu repetidamente nos programas do Departamento de Defesa. A Marinha americana, por exemplo, está adquirindo navios de 479 milhões de dólares sendo que os próprios responsáveis pelos testes descobriram que as embarcações não teriam boa sobrevida em uma batalha real.

A nova aeronave de reabastecimento KC-46 da Força Aérea carece de sistemas de defesa para quelquer coisa além de “ameaças de médio porte”. Aqui, novamente, o Pentágono está segurando na mão de Deus e esperando que navios ou aviões não enfrentem batalhas diferentes daquelas para as quais foram projetados – como se o inimigo também não definisse as circunstâncias do combate.

Ainda que cada programa de armamentos seja um exercício de barganha entre custos, capacidade e complexidade, certos aspectos da realidade precisam ser levados em conta. Por que Washington continua a esperar que as guerras se desenrolem de acordo só com o que os Estados Unidos querem?

As razões são complexas, mas compreensíveis de seguirmos as maquinações do setor de defesa em Washington. Apesar de o Pentágono falar em ruptura e inovação, o resultado dos saltos tecnológicos revolucionários é caos e incerteza – duas coisas com as quais o campo da defesa não se sente confortável atualmente.

Provavelmente sera necessária uma mudança de gerações. Pergunte a alguém da indústria musical como os negócios mudaram desde o iTunes. Ou como estão mudando novamente com portais de streaming personalizados, como o Spotify e o Pandora. O planejamento de defesa americano precisa sempre considerar os risco de o pior dos dias realmente acontecer – não apenas cruzar os dedos e esperar que tudo dê certo.

Vamos tomar como exemplo aquela simulação de combate aproximado. O Pentágono disse que o teste falho não era realista porque o F-35 não tinha todo o pacote de sensores instalado. E sua superfície stealth não estava em estado ideal. Mas isso não é defesa, literalmente – e na verdade essas falhas alegadas talvez sejam exatamente o teste necessário para o programa.

Nenhuma tecnologia ou inovação pode mudar a certeza de que haverá incerteza na guerra. Os componentes de um caça podem ou não funcionar conforme o planejado no ritmo rápido e condições extremas de combate de um conflito entre potências. Ou pilotos americanos podem contar apenas com parte de seu arsenal eletrônico mágico por conta de interferência ou invasão de sistemas por parte das forças inimigas. Aeronaves com superfícies stealth sensível serão castigadas ao voarem através de destroços e ao operarem a partir de bases aéreas modestas ou danificadas.

Esse problema não é causado apenas pela visão idealizada de combate que Washington frequentemente associa às novas tecnologias. É também resultado da própria ideia de que tecnologia pode resolver todos os problemas para todo mundo.

Vamos pensar nisso como o Pontiac Aztek¹ da guerra. O Aztek, lançado em 2001, era um carro que tentou ser tudo – esportivo, minivan e utilitário. Em vez disso, acabou elaborado demais, caro demais e alardeado demais.

Há uma variedade de programas do Pentágono no estilo Pontiac Aztek. Os apoiadores afirmavam que essas iniciativas seriam boas para todos os tipos de combate, mas elas acabaram inadequadas para qualquer tipo.

Conforme consta na Estratégia Militar Nacional, se forças americanas tiverem que combater as forças de outra grande potência – em contraste com os contingentes menos treinados e equipados do Taliban e dos Estados Islâmicos mundo a fora, e que já são um desafio – “as consequências seriam imensas”.

Essas consequências não são apenas apostasy arriscadas, mas a possiblidade de perdas extraordinárias e mesmo derrota. Isso coloca ainda mais peso sobre os ombros daqueles que desenvolvem a próxima geração de armamentos para as Forças Armadas americanas. Preservar programas e linhas de pensamento só por status-quo compromete não apenas verbas do orçamento, mas também pode causar perdas militars em uma escala muito além das que temos nas guerras relativamente pequenas de hoje.

Para termos um paralelo histórico, a diferença entre os conflitos em que os EUA estão envolvidos hoje e a possível guerra entre potências é a mesa entre os problemas que o Reino Unido enfrentou em locais como o Afeganistão no século passado versus os riscos e perdas gigantescas sofridas pelo Império Britânico na Primeira Guerra Mundial.
 
Investimentos de nova-geração
 
Sem mudanças, Washington está no rumo de um futuro próximo em que adversários como a China serão capazes de combater de igual para igual – ou mesmo alcançar superioridade militar. O desafio para o Pentágono, o Congresso e a Indústria de Defesa é reescrever a narrativa. Essas instituições precisam parar de jogar dinheiro bom em investimentos ruins, e não permitir que políticas parlamentares ditem onde um sistema de armas será construído, pois a vitória ou derrota dos EUA em uma futura guerra depende da capacidade de recomeçar do zero quando necessário.

Além de investir em uma nova geração de sistemas aéreos, terrestres e navais não-tripulados, o Pentágono precisa insistir no desenvolvimento de armamentos potencialmente revolucionários. O canhão naval eletromagnético, capaz de disparar um projetil convencional a uma distância de 100 milhas, é um bom exemplo. Assim como os novos sistemas de lasers com capacidades ofensivas e defensivas. Mísseis ar-ar de longo alcance e sistemas de ataque serão cruciais contra um adversário como a China, que provavelmente será páreo para as forças americanas em termos de qualidade e também quantidade mais cedo do que muitos pensam.

À medida que os Estados Unidos seguem em frente, o governo precisa reconhecer que há uma nova corrida acontecendo. Pequim agora está testando não apenas três programas diferentes para drones de longo alcance, mas também um drone gigantesco, o Soar Eagle, potencialmente capaz de caçar a aeronave stealth na qual o Pentágono investe no momento.

A questão, porém, não é apenas buscar inovação no setor de armamentos. Esperar que a guerra moderna seja como o Pentágono planeja é um risco que precisa ser encarado de frente. O Departamento de Defesa precisa planejar para o pior dos dias, não o melhor. O que os programas de armamentos atuais e futuros precisam é de uma revisão analítica e com olhar renovado para atestar se vão de encontro aos padrões de resistência necessários durante a guerra, e viabilidade financeira em tempos de paz – um equilíbrio que Washington administra mal no momento.

Essas duas qualidades são essenciais. Especialmente enquanto o Pentágono explora como poderia desenvolver a próxima geração de tecnologia militar que inclui sistemas não-tripulados no ar, em terra e no mar. Esses drones podem ser menores, e mesmo descartáveis sem um piloto humano. Isso também pode abrir novos possíveis usos que complicariam o planejamento estratégico do inimigo. Mas esses equipamentos só serão revolucionários se forem baratos o bastante para serem adquiridos em número suficiente para fazerem alguma diferença. E se forem projetados para serem confiáveis no pior dia que o Pentágono conseguir imaginar.

Não são apenas os riscos da competição entre superpotências que estão crescendo, mas as apostas em torno de acertar a abordagem de Washington em termos de planejamento. Em tempos de paz, a lógica “segura na mão de Deus” é feita para evitar manchetes desagradáveis e orçamentos inflados. Na guerra, esse pensamento dá precedentes para um tipo de derrota que os Estados Unidos não podem sofrer.
 
Nota da Editora:

P.W. Singer e August Cole são autores do livro "Ghost Fleet: A Novel of the Next World War" (Frota Fantasma: um romance sobre a próxima Guerra Mundial, em tradução livre), obra de ficção que especula como seria um possível conflito entre Estados Unidos e China no cenário atual. Singer é especialista em guerra contemporânea é estrategista e membro sênior da New America Foundation. Cole é membro sênior da Brent Scowcroft Center on International Security

Matéria Relacionada:

EUA – Nova Estratégia Militar Nacional (Link)
 

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Nota:

¹ O Aztek é um crossover de porte médio da Pontiac. Suas linhas controversas lhe renderam uma vida breve. Ficou famoso por aparecer na série Breaking Bad, como o carro do protagonista Walter White, interpretado por Bryan Cranston. Têm um motor frontal, e tração 4×4 sendo controlado por um câmbio automático de 4 marchas.

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