Paquistão teria vendido equipamentos nucleares para Coreia do Norte, diz carta

O surgimento de uma carta de uma página, supostamente escrita por um oficial de alto escalão norte-coreano há 13 anos, tornou-se a evidência mais forte que sugere que oficiais de alto escalão do Paquistão estiveram envolvidos na venda secreta de equipamentos nucleares para a Coreia do Norte, que lhes permitiu, anos mais tarde, começar a enriquecer urânio.

A carta foi supostamente escrita para Abdul Qadeer Khan, o paquistanês que construiu o maior mercado negro do mundo de tecnologia e armas nucleares, por Jon Byong Ho, um norte-coreano que a inteligência americana há muito coloca no centro do comércio de mísseis e tecnologias nucleares da Coreia do Norte. Ele informa que o chefe do Exército paquistanês na época, o general Jehangir Karamat, havia recebido US$ 3 milhões e solicitado que "os documentos acordados, componentes, etc." sejam colocados em um avião norte-coreano voltando para Pyongyang depois de entregar peças de mísseis para o Paquistão.

A divulgação da carta acontece em um momento particularmente inoportuno para os militares paquistaneses. Já desacreditado dentro do Paquistão pela sua incapacidade de detectar a incursão americana que matou Osama bin Laden, em maio, os militares têm passado de crise em crise desde então.

Se autêntica, a carta provavelmente irá reacender questões sobre a instituição mais respeitada do Paquistão ter desempenhado um papel fundamental na proliferação de tecnologia de armas nucleares. A carta foi fornecido por Khan a Simon Henderson, um estudioso que tem escrito extensivamente sobre o cientista paquistanês, em 2007. Ela passou algum tempo sem ser autenticada e foi publicada no jornal The Washington Post na semana passada. O Post disse que também não pode verificar se a carta, que está escrita em inglês, veio mesmo de Jon, cujo nome também foi registrado como Jeon Byung Ho. Mas seus detalhes parecem coerentes com eventos da época, e as autoridades dos Estados Unidos disseram na quinta-feira que ela poderia muito bem ser verdadeira.

O Paquistão, que declarou há muito tempo que as suas investigações sobre as vendas de Khan à Coreia do Norte, Líbia, Irã e outras nações são confidenciais, descartou a carta como uma invenção, e Karamat disse que a história dos US$ 3 milhões é falsa, segundo o Post.

A carta contradiz a versão oficial do Paquistão de que Khan operava sem o conhecimento das autoridades paquistanesas, incluindo oficiais militares, quando vendeu a tecnologia nuclear do país no exterior. Oficiais de inteligência dos Estados Unidos nunca aceitaram essa história, dizendo que era inconcebível que Khan pudesse ter tido acesso regular a aviões militares paquistaneses para fazer suas entregas ou que ele teria sido capaz de conduzir encontros diplomáticos de alto escalão com outras nações sem o conhecimento dos líderes militares do país.

Embora seja sabido que Khan vendeu equipamento de centrifugação do Paquistão para a Coreia do Norte – o ex-presidente paquistanês Pervez Musharraf escreveu sobre isso em seu livro de memórias – até o ano passado não estava claro o que o Norte fez com essa tecnologia. O mistério acabou no ano passado, quando a Coreia do Norte mostrou ao especialista nuclear americano Siegfried S. Hecker, da Universidade Stanford, uma instalação de centrífuga em funcionamento. Hecker descreveu o tipo de centrífuga como um que parecia muito com o conceito paquistanês.

Khan foi colocado em prisão domiciliar em 2003, depois que veio à tona que ele havia vendido a tecnologia que usava para ajudar a projetar armas nucleares do Paquistão. Desde então, ele afirmou que tinha provas de que muitos no governo paquistanês sabiam sobre suas relações e ofereceu a carta como prova de suas acusações. "Ele me deu isso há muitos anos e embora não tenha explicado sua motivação, eu suspeito que ele a via como uma apólice de seguro", disse Henderson, que está no Instituto Washington para a Política do Oriente Médio. "Ele a viu como um documento fundamental que poderia reverter completamente a ideia aceita de que ele era um agente corrupto”. 

Dúvidas

Há razões para dúvidas a respeito da origem da carta. Ela foi escrita em um inglês melhor do que a maioria dos documentos norte-coreanos. E não foi feita em papel timbrado, embora esse seja o caso de outras missivas do Norte. A data foi escrita no estilo ocidental, não no peculiar sistema adotado na Coreia do Norte. A única maneira de confirmar a sua autenticidade seria através de Jon, que autoridades sul-coreanas acreditam que desde então foi removido da hierarquia. "Nós não temos informações suficientes sobre Jon para saber se isso soa como ele", disse uma autoridade americana. "Mas os fatos parecem sólidos".

A carta data de 15 de julho de 1998, apenas um mês e meio após o primeiro teste nuclear do Paquistão, que foi realizado em resposta a um teste da Índia. Jon oferece suas "sinceras felicitações" pelo sucesso do teste, que levou a sanções americanas contra ambos os países. A Coreia do Norte realizou seu primeiro teste nuclear oito anos depois. Outro elemento da carta refere-se ao assassinato, apenas algumas semanas antes, da mulher de um general norte-coreano, Kang Tae Yun, que ficava em Pyongyang.

"Estou certo de que o general Kang era o alvo, e não tenho dúvida de que a CIA, agentes de inteligência sul-coreana e o seu ISI estiveram envolvidos", afirmou a carta. O texto informou também que Kang será substituído por um "Sr. Yon", que havia "servido no Irã, Egito, Síria e Líbia e é muito competente”. Com a exceção do Egito, todos esses países compraram equipamentos nucleares e projetos da Coreia do Norte.

*Por David E. Sanger

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