Análise – Se os americanos se interessassem pela guerra tanto quanto se iteressam por filmes de guerra

Por Gayle Tzemach Lemmon  – Texto do Defense One

Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel

Seria tão bom se a América se interessasse pelos homens e mulheres que realmente vestem o uniforme e vão para o combate tanto quanto se interessa pelos filmes que mostram os atos heroicos dessas pessoas.

A produção “Sniper Americano”, sobre o SEAL da Marinha e francoatirador Chris Kyle, foi sucesso de bilheteria durante as festas de fim de ano, arrecadando um milhão de dólares em cinco dias de exibição. A temporada de prêmios de Holywood pode estar só esquentando, mas Sniper Americano já teve a melhor estreia em lançamento limitado após ser exibido em apenas 10 salas em todo o território americano entre o fim de dezembro e começo de janeiro. O filme estreou oficialmente no último dia 16.

Porém, na lista do USA Today de reportagens mais lidas em 2014 nada era sobre a guerra no Afeganistão ou o conflito que começa a ferver no Iraque – para onde as tropas americanas devem voltar. O mesmo se repetiu na lista de textos mais procurados no Yahoo. Nada de Afeganistão ou Iraque.

Conversando com soldados, marinheiros, aviadores, fuzileiros e suas famílias, a história é a mesma: eles percebem que poucas e preciosas pessoas no país sentem que estamos em guerra. Parte do motivo pra isso e que, oficialmente, não estamos. O presidente Barack Obama encerrou a campanha no Iraque quando as tropas se retiraram em 2011. Três anos dpois, em 28 de dezembro de 2014, a campanha no Afeganistão terminou oficialmente. “Graças aos sacrifícios extraordinários dos nossos homens e mulheres fardados, nossa missão de combate do Afeganistão está no fim, e a guerra mais longa na História americana chega a uma conclusão coerente”, discursou o presidente.

Ainda assim, mais de 10 mil militares permanecem em solo afegão e o número de tropas de volta ao Iraque está prestes a subir para 3 mil.

Ambas as campanhas continuarão junto com o que líderes militares temem ser a divisão interna entre os que combatem nas guerras americanas e o restante do público.

Esse vácuo de compreensão é relevante, em parte, pelo que está em jogo: as autoridades em Washington querem escolhas em termos de como podem resolver um problema urgente de segurança, enquanto as lideranças militares comoçam já buscando o objetivo. Enquanto conflitos em todo o globo clamam por atenção e apoio dos EUA, a importância de falar a mesma língua acerca do que se pode fazer e quem vai executar os planos é cada vez mais urgente.

O chefe do Estado Maior das Forças Armadas americanas, General Martin Dampsey, abordou essa questão em novembro passado no Center for a New American Security, quando falou sobre encontrar formas de “vencer o abismo entre essas duas culturas tão diferentes, e também ajudar a educar nossos jovens oficiais, a próxima geração de generais e almirantes, porque pode ser uma frustração enorme quando falamos e não conseguimos nos entender sobre se começamos estabelecendo as opções ou os objetivos”.

E há também o custo humano. É quase que inconcebível, mas até certo ponto verdade, que durante o recesso do governo em 2013 os benefícios para as famílias dos mortos em combate a serviço dos Estados Unidos também foram suspensos. A solução surgiu do escândalo gerado na mídia. Mas isso não mudou o fato de que o governo americano fechou para balanço enquanto a nação estava em guerra. Isso foi possível, em certa medida, porque muito poucas pessoas sentiam realmente a pressão e as consequências diárias do conflito.

Conforme o Almirante Mike Mullen, antigo chefe do Estado Maior, apontou em seu discurso inaugural em West Point em 2011, “nós que vestimos a farda não temos mais o luxo de achar que nossos companheiros civis entendem” os sacrifícios que o trabalho militar exige.

“Eu temo que eles não entendam totalmente o peso do fardo que carregamos, ou o preço que pagamos quando retornamos do campo de batalha. Isso é importante, porque um povo ignorante acerca do que eles pedem que seus militares suportem é um povo inevitavelmente incapaz de compreender totalmente a abrangência das responsabilidades que a nossa Constituição coloca sobre eles”, disse Mullen. “Somos uma força pequena, voluntários, e menos de 1% da população, espalhados pelo país por conta do fechamento de bases e dos deslocamentos para missões, geralmente por longos períodos de tempo.

Finalmente, há a questão dos recursos. No ano passado, as tropas servindo no Afeganistão receberam notificações de afastamento enquanto ainda estavam em zona de combate. A culpa é do Sequestro, diz o chefe do Estado Mior do Exército, General Ray Odierno. O general falou frequentemente sobre os riscos que ele enxergava em diminuir o contingente do Exército e a capacidade de treinamento para dar espaço aos cortes sistemáticos de orçamento, ao mesmo tempo em que se exigia mais envio rotativo de tropas para o exterior.

 “Achávamos que não precisaríamos de militares na Europa como precisávamos antes, achávamos que não precisaríamos voltar ao Iraque – e estamos de volta no Iraque, cá estamos preocupados com a Rússia outra vez”, Disse Odierno no Defense One Summit em novembro passado. “Nossos compromissos na verdade cresceram no ano passado”, completa.

O general está pleiteando a revisão dos planos de diminuição do efetivo do Exército para 450 mil combatentes. Até o momento, o Congresso e o público americano ouviram o apelo, mas é difícil para a maioria dos cidadãos sentir as consequências diárias desses cortes programados.

Afinal, como aponta o Pew Research Center, “a parcela de americanos que serve atualmente nas Forças Armadas é a menor desde o período de paz entre a Primeira e a Segunda Guerra”.

Essa parcela – “menos de 1% da população” – travou 13 anos de combate em nome de 100% dos Estados Unidos e ainda assim suas guerras – as guerras da América – raramente tocam a atenção e o imaginário do público.

Mesmo durante a campanha eleitoral de 2012, pouco e precioso tempo foi dedicado a falar da guerra mais longa já travada pelos EUA, e ainda acontecendo na época. A maior menção veio do slogan que dizia “Osama bin Laden está morto, General Motors vive”. Nenhum nos lados na corrida presidencial queria falar muito sobre como a vida era para aqueles que escolheram vestir as fardas das Forças americanas par trabalhar todos os dias.

O candidato republicano não ofereceu alternativa ao rumo que Obama havia traçado na época para as campanhas no Afeganistão e Iraque. E o público americano não se interessou se havia alternativas – seguiram e seguem vivendo como de costume, e não se sentem nem um pouco como cidadãos de um país em guerra.

Exceto quando a guerra vai parar nas salas de cinema. Então a nação pára o que está fazendo e vai assistir a uma história de combate.

Mas passar horas em frente à telona não é suficiente.

É hora de abraçarmos as guerras americanas reais, e suas consequências em tempo real e de vida ou morte, com a mesma dedicação com que esperamos na fila para ver o Sniper Americano.

Sobre o filme:

Sniper Americano (American Sniper) é baseado na autobiografia do Navy SEAL Chris Kyle, American Sniper: The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Military History. Dirigido por Clint Eastwood e protagonizado pelo indicado ao Oscar Bradley Cooper. A data de estreia no Brasil é 19 de fevereiro.

Após 10 anos de serviço na Marinha dos Estados Unidos (1999-2009) e quatro tours na Guerra do Iraque, Chris Kyle se tornou uma lenda nas Forças Armadas e heroi nacional com o recorde de 160 mortes confirmadas. Foi morto a tiros em fevereiro de 2013 no Texas, aos 38 anos.

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