Por George Friedman – Texto do Stratfor
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel
O presidente americano, Barak Obama, declarou recentemente que não havia traçado ainda alguma estratégia para a questão do Estado Islâmico (EI), mas que apresentaria um plano na próxima quarta-feira (10SET14). É importante para um presidente saber quando não há estratégia. Mas não é necessariamente sábio anunciar isso publicamente, já que aliados ficaram temerosos e inimigos ficarão felicíssimos. Um presidente pracisa ter plena noção do que é que ele desconhece, permanecer calmo e buscar conhecimento, mas não é obrigado a ser honesto acerca da prórpia ignorância.
Essa lógica é especialmente verdadeira porque, de certo modo, Obama tem uma estratégia, só não é a que ele gostaria. Estratégia é algo que surge da realidade – quais táticas devem ser escolhidas. Dada a situação, os Estados Unidos têm uma postura estratégica inevitável, mas há opções e incertezas ao implementá-la. Vamos considerar algumas das coisas que Obama com certeza sabe.
A formação da estratégia nacional
Há crises severas nas fronteiras norte e sul da Bacia do Mar Negro. Não há instabilidade no Mar em si, mas ele está cercado de crises. Os EUA vêm se preocupando com o status da Rússia desde que o presidente Theodore Roosevelt negociou o fim da guerra entre Japão e Rússia em 1905. Também vêm se preocupando com o status do Oriente Médio desde que o presidente Dwight D. Eisenhower forçou os britânicos a se retirarem do Canal de Suez em 1956. Como resultado, os EUA herdaram – ou tomaram posse – da posção do Reino Unido.
Uma estratégia nacional surge ao longo de décadas, séculos. Torna-se um conjunto de interesses nacionais nos quais muito foi investido, sobre os quais depende muita coisa, e com os quais muitos estão contando. Presidentes herdam estratégias nacionais, e eles podem modificá-las até certo ponto. Mas a ideia de que um presidente tem poder para fabricar uma nova estratégia nacional infla o poder presidencial e ao mesmo tempo diminui a força das realidades construídas por todos que o anecederam. Estamos presos às circunstâncias em que nascemos e às escolhas que foram feitas em nosso nome. Os Estados Unidos têm um interesse inerente na Ucrânia e no complexo Síria-Iraque. Se deveríamos mesmo ter esse interesse é um um quetionamento filosófico interessante para debates de madrugada, mas quando o sol levanta, voltamos à realidade – esses lugares são de importância reflexiva para Washington.
A estratégia Americana é fixa: permitir que potências regionais disputem e se equilibrem entre si. Quando esse processo falha, vem a intervenção com o mínimo de força e risco possíveis. Por exemplo, o conflito entre Irã e Iraque anulou a evolução dos dois países até que a guerra acabasse. Então, o Iraque invadiu o Quait e ameaçou acabar com o equilíbrio de forças na região – o resultado foi a Tempestade no Deserto.
Essa estratégia proporciona um modelo. Na região da Síria-Iraque, o procedimento inicial é permitir que os agentes na região se regulem sozinhos, enquanto se oferece o mínimo de apoio para manter o balanço de poder. É crucial entender esse equilíbrio de forças nos mínimos detalhes, e entender o que pode debilitá-lo, para que qualquer intervenção seja feita do forma eficiente. Esse é o aspecto tático, e é o aspecto tático que pode dar errado. A estratégia tem lógica própria, compreender o que ela demanda é a parte difícil. Algumas nações perderam sua soberania por não entenderem o que a estratégia nacional exigia. A França em 1940 é um exemplo. No caso dos Estados Unidos não há ameaça à soberania, mas o processo é mais complicado – grandes potências tendem a ser mais relaxadas porque a situação não representa perigo existencial. Isso aumenta o custo de fazer o que é necessário.
O local onde falamos de implementar esse modelo é o Oriente Médio, Os governos centrais tanto na Síria quanto no Iraque perderam controle dos países como um todo, mas cada um permanece uma força a ser considerada. Ambas as nações estão divididas por incompatibilidades religiosas, e os fragmentos que as compõe agora são entidades menores porém mais complexas.
A questão aqui é se os Estados Unidos podem viver com essa situação ou precisarão reconfigurá-la. A pergunta mais urgente é se os EUA têm o poder para essa reconfiguração, e até que ponto podem fazê-la. O interesse americano se volta para a capacidade de equilibrar forças regionais. Se essas condições existem, a questão é se há alguma outra configuração possível e melhor, que pode ser obtida através do poder americano. A experiência dos EUA no Iraque evidenciou os problemas da contrainsurgência e o sufoco de estar preso em uma guerra civil em outro país. A ideia de uma intervenção grande parte do princpipio de que dessa vez será diferente. E repetir o mesmo processo esperando outro resultado é uma das definições mais famosas de insanidade.
O papel do Estado Islâmico
Então temos o caso especial do Estado Islâmico. Especial porque seu surgimento desencadeou a crise atual. É especial também porque os assassinatos brutais de dois prisioneiros, documentados e divulgados em vídeo, mostram um nível particular de crueldade. E é diferente também pela ideologia, que é semelhante à da al Qaeda, que atacou os EUA. O EI despertou emoções particulares dos americanos.
Como contra-argumento, eu diria que a ascenção sunita no Iraque era inevitável por conta da marginalização imposta pelo regime sunita de Nouri al-Maliki em Bagdá. O fato de esse levante ter tomado uma forma tão violenta é porque os elementos mais conservadores da comunidade sunita foram incapazes ou não estavam dispostos a desafiar al-Maliki. Mas a fragmentação do Iraque em regiões xiitas, sunitas e curdas já estava bem adiantada antes do Estado Islâmico, e os jihadistas estavam profundamente enraizados na comunidade sunita havia muito tempo.
Além disso, apesar de o EI ser brutal, sua crueldade não é inédita. O presidente sírio Bashar al Assad e outros podem não ter matado cidadãos americanos ou colocado os vídeos dos assassinatos no Youtube, mas seu histórico de atos escabrosos é comparável. E finalmente, o EI – em guerra com todos ao seu redor – é muito menos perigoso para os EUA do que um grupo pequeno com tempo sobrando e planejando um ataque. Em todo caso, se o Estado Islâmico não existisse, as ameaças a Washington por grupos jihadistas no Iêmen, na Líbia, ou mesmo em algum lungar dentro do território americano permaneceriam.
Uma vez que o Estado Islâmico opera, até certo ponto, como uma força militar convencional, ele é vulnerável ao poder aéreo americano. O uso do apoio aéreo contra forças convencionais que não têm defesa antiaérea é uma jogada útil – mostra que os Estados Unidos estão agindo, e representa pouco risco, partindo do princípio de que o EI realmente não tem mísseis antiaéreos. Mas os resultados são poucos. O califado extremista dispersará seu contingente, negando um alvo às aeronaves, A alternativa seria tentar vencer o EI pela identificação de seus apoiadores dentro da comunidade sunita e eliminando-os, mas esse qesquema vai falhar logo de início. O problema de idar com contrainsurgência é identificar o insurgente.
Não há motivo para bombardear as forças do Estado Islâmico e seus líderes. Certamente eles merecem, mas não pode haver a ilusão de que bombardeá-los os fará capitular ou mudarem seu modus operandi. Eles agora fazem parte do tecido da comunidade sunita, e somente a comunidade pode arrancá-los pela raiz. Identificar sunitas contrários ao EI e lhes fornecer armamentos é uma ideia bem melhor. É a estratégia de equilíbrio de forças que os Estados Unidos segue, mas essa abordagem não tem a satisfação dramática de mandar o inimigo pelos ares. Essa satisfação não é trivial, e os EUA podem com certeza mandar algo pelos ares e chamar de inimigo, mas isso não resolve o problema estratégico.
Em primeiro lugar, o EI é mesmo problema dos Estados Unidos? O interesse nacional não é na estabilidade do Oriente Médio, mas em um equilíbrio dinâmico em que todos os atores acabem paralizados, para que nenhum em particular evloua e se torne uma ameaça real a Washington. O Estado Islâmico teve sucesso real a princípio, mas o equilíbrio de poder com os curdos e xiitas aumentou de forma limitada, e as tensões com a comunidade sunita dividiram a atenão desses grupos. Com certeza há o perigo do terrorismo intercontinental, e os serviços de inteligência americanos devem ser proativos em identificar e destruir essas ameaças. Mas a reocupação do Iraque e da Síria não faz sentido nenhum. Washington não tem a força necessária para manter presença nos dois países ao mesmo tempo – o desnível demográfico entre o contingente disponível para ocupação e a população local torna a ideia inviável.
O perigo é que franquias do Estado Islâmico surjam em outros países. Os EUA não seriam capazes de neutralizar esses novos focos de instabilidade e os países em redor. A Arábia Saudita precisará gerencial sozinha qualquer ameaça interna não porque os americanos são indiferentes, mas porque os sauditas são muito melhores em lidar com essas situações. No fim das contas, pode-se dizer o mesmo sobre os iranianos.
Mais importante, o mesmo pode ser dito sobre os turcos, que estão emergindo como potência regional. A economia da Turquia vem crescendo dramaticamente na última década, suas Forças Armadas são as maiores da região, e o país é parte do mundo islâmico. O governo turco é islâmico, mas não se parece em nada com o EI, o que preocupa Ancara. Isso é parte do medo governamental de que os jihadistas se espalhem no país, mais ainda porque o impacto do Estado Islâmico no Curdistão iraquiano pode afetar os planos de longo prazo da Turquia na área energética.
Criando um novo equilíbrio na região
Os Estados Unidos não podem vencer o jogo contra pequenas peças de quebra-cabeça surgindo na Síria e no Iraque. Uma intervenção estadunidense nesse nível microscópico está fadada ao fracasso. Mas o princípio do equilíbrio de forças não significa que esse equilíbrio deva ser mantido diretamente. Turquia, Irã e Arábia Saudita têm muito mais ingerência no Oriente Médio do que os EUA. Contanto que esses países acreditem que Washignton tentará controlar a situação, é perfeitamente racional para eles se afastar e observar, agir apenas nas margens ou mesmo obstruir a ação estrangeira.
Os EUA precisam deslocar o equlíbrio de força do complexo Síria-Iraque para essas três potências do mundo árabe. Eles têm muito mais a perder que os americanos, não têm escolha a não ser se envolverem – não podem apenas olhar enquanto o caos pode chegar até eles.
É impossível prever como o jogo vai se desenrolar, o importante é que ele comece. Os turcos não confiam nos iranianos, e nenhum dos dois se sente à vontade com os sauditas. Os três vão cooperar, competir, manipular e trair assim como os Estados Unidos ou qualquer outri país faria nessas circunstâncias. O questão é que a tática de envolvimento americano vai falhar, e há uma tática que vai dar certo: os EUA deixarem claro que podem até auxiliar na pacificação de alguma forma, mas a responsabilidade é das potências do Oriente Médio. O resultado inevitável será uma competição regional que Washington pode administrar muito melhor do que o caos atual.
Obama procurou voluntarios na OTAN para formar uma coalizão contra o Estado Islâmico. Não está claro porque o presidente pensa que os países sob o Tratado – exceto a Turquia – investirão dinheiro e vidas de cidadãos para conter o EI, e porque o EI por si só é o problema. A coalizão que precisa ser formada não é de atores simbólicos, mas daqueles que estão envolvidos urgentemente. Essa coalizão não tem que ser recrutada. No sentido real do termo, os membros não têm alternativa além de participar. E independente de atuarem juntos ou competindo, terão que agir – a inércia só aumentará o risco para todas as partes.
A estratégia nacional americana é razoável – permitir que o equilíbrio de forças aconteça da forma mais orgânica, intervir apenas quando for absolutamente necessário – com força avassaladora, como na Tempestade no Deserto – e evitar intervenção quando o sucesso não for garantido. A aplicação tática dessa estratégia é que é o problema. Nesse caso, a abordagem certa não é envolvimento direto dos EUA, exceto como gesto de retaliação pelos jornalistas americanos assassinados. Mas a solução efetiva está em fazer o mínimo possível, forçar os atores locais a entrarem na briga e depois garantir que eles se mantenham equilibrados.
Essa abordagem não se trata de evitar responsabilidade. É o emprego do poder americano para forçar uma solução regional. Às vezes, o melhor uso da força dos EUA é ir à guerra, mas na maior parte dos casos o melhor é contê-la. Os Estados Unidos não podem se esquivar da responsabilidade que têm no Oriente Médio, mas é muita falta de criatividade acreditar que a melhor forma de exercer essa responsabilidade é com intervenção direta – ações indiretas frequentemente dão resultados melhores e mais definitivos.