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ENTREVISTA – Filippo Grandi, comissário-geral da agência da ONU para os refugiados palestinos (Unrwa)

Ao contrário de sírios, 530 mil palestinos no país têm poucas opções de fuga através da fronteira, diz chefe de agência da ONU
 
ROBERTO SIMON – O Estado de S.Paulo
 
Para os palestinos, a crise na Síria tem um peso histórico particular: por 65 anos, o país foi um dos mais seguros na região para sua diáspora. Agora, ser palestino em território sírio tornou-se especialmente perigoso. O comissário-geral da agência da ONU para os refugiados palestinos (Unrwa, na sigla em inglês), Filippo Grandi, alerta que – ao contrário dos sírios, que podem fugir para vários vizinhos – praticamente só o Líbano está acolhendo a comunidade. Grandi esteve em São Paulo, onde conversou com o Estado.
 
O Brasil está virando um dos grandes doadores da Unrwa. Que papel países emergentes podem ter na questão palestina?
Somos a única agência da ONU que não tem um mandato global, mas tratamos de um conflito com relevância mundial, tanto do ponto de vista estratégico quanto político e econômico. Assim, apoiar a Unrwa é uma responsabilidade de todos, incluindo países que estão se tornando atores importantes – e o Brasil é um deles. O próprio governo brasileiro decidiu enviar dinheiro à Faixa de Gaza após a guerra de 2008-2009, dando início a um diálogo com a Unrwa sobre como institucionalizar esse apoio. Estou de volta ao Brasil para continuar essa conversa. É interessante que, no caso brasileiro, o potencial de parceria vai além do governo federal: estamos discutindo também com poderes locais e com a comunidade árabe brasileira.
 
O sr. chama atenção para os impactos da guerra civil sobre os palestinos. Como é isso?
A diáspora palestina sempre esteve em uma posição muito frágil. Isso porque, após deixarem a Palestina histórica – o que hoje é Israel -, acabaram em lugares que nas décadas seguintes foram palco de conflitos violentos. Gaza e a Cisjordânia, é claro, mas também a Jordânia dos anos 70, o Líbano na guerra civil, além de outros, como Iraque e Kuwait. Pelos nossos cálculos, há hoje em território sírio 530 mil palestinos. E a Síria era o local onde eles viveram de forma mais estável nos últimos 63 anos. Os problemas da violência na Síria afetam a todos que estão em território sírio, mas, como os palestinos são refugiados, sofrem de uma forma especial. Ao contrário dos sírios comuns, eles não conseguem escapar para quase nenhum país vizinho.
 
Como isso ocorre?
Sírios comuns estão sendo recebidos na Jordânia, no Líbano, na Turquia, no Iraque, no Egito e em outros. Palestinos que quiseram deixar o país tiveram mais problemas: jordanianos vetaram sua entrada, dizendo já ter 2 milhões de palestinos. Muitos fugiram do Iraque após a queda de Saddam Hussein e não vão voltar tão cedo. Na Turquia, não têm raízes. Portanto, acabaram indo para o Líbano, onde, historicamente, vivem em uma situação muito precária. Grande parte dos palestinos na Síria está em zonas de guerra – 90% da comunidade – e eles acabaram se deslocando dentro do país. Para nós, agora é muito difícil dar assistência a eles nessas condições.
 
Sobre Gaza, além do cerco de Israel, o Egito ampliou restrições na fronteira e o combate aos túneis. Como isso afeta a situação do território?
Israel acabou de levantar algumas das restrições para entrada de bens, sobretudo material de construção. Saudamos esse tipo de decisão, mas ela não resolve o problema de abastecimento para os habitantes. Há outro ponto-chave: não se pode exportar produtos de Gaza, o que inviabiliza uma economia que era razoavelmente competitiva no mercado israelense e na Cisjordânia. Gaza sobreviveu ao longo da guerra com ajuda dos túneis – algo terrível, mas verdadeiro. Eles são ilegais, permitem a entrada de armas e jamais diria que são uma coisa boa. Mas, naquela situação, eram a forma de Gaza respirar. O Egito tem direito de fechar esses túneis, mas, desde a mudança de governo (com a queda de Mohamed Morsi), a repressão aumentou. O que estamos falando aos egípcios é que existe algo como uma lei da física: se você sufocar Gaza, ela vai explodir.
 
Israelenses e palestinos retomaram o diálogo de paz em agosto. O que esperar em relação à questão dos refugiados?
O tema dos refugiados é visto como algo "existencial" para ambos os lados. Israel diz que, se todos os palestinos voltarem, o país perderá seu caráter judaico. Portanto, ninguém pode retornar. O lado palestino diz que tem o direito de retornar, não importa o que houver, e quer ver o erro corrigido. São posições inconciliáveis, mas qualquer solução deve levar em conta as aspirações de ambas as sociedades. Em algum momento, o tema terá de ser abordado pelos negociadores e aquilo que eventualmente for acertado deve refletir os sentimentos dos dois lados, ou teremos um documento sem legitimidade nem poder real.

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