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Defesa em Debate – União pelo Mediterrâneo e os desafios do Eixo UE-Rússia-OTAN


A Defesa em Debate
 
Nam et ipsa scientia potestas est

 
 
União pelo Mediterrâneo e os desafios
do Eixo UE-Rússia-OTAN

 
 

Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com

 

Dentre os principais princípios que norteiam a política externa da União Europeia se encontram a promoção da democracia liberal. Os especialistas sobre estudos europeus afirmam que há, na instituição, uma busca quase que messiânica pela internacionalização da democracia liberal nas áreas de seus interesses geoestratégicos, sejam estes na Europa, na Ásia, na África ou na América.

No entanto, o discurso em prol da democracia liberal tem sido criticado, a medida que, por anos, conviveu harmoniosamente com a manutenção e apoiou regimes autoritários no norte da África e no Oriente Médio. Assim, questiona-se na política internacional a coerência da política externa e a consistência da imposição de normas da EU no mundo.

As relações UE-Rússia-OTAN

A valorização do institucionalismo europeu foi fundamental para integrar a Rússia no clube das nações ocidentais. Assim, prezando pela harmonia das relações da Rússia com a UE e com a OTAN, foi possível criar canais de diálogos entre Rússia e EUA nos mais diversos campos de interesses. A consequência desta harmonização de interesses resultou na estabilidade política, no crescimento econômico e na relativa contenção das tensões entre estes atores, em especial, nos Balcãs.

Embora a Europa não seja uma zona livre de conflitos e áreas de tensão, há um árduo trabalho conjunto empreendido pela parceria UE-Rússia-OTAN para construir um cenário de segurança coletiva, paz, cooperação e estabilidade na região.

Enquanto presidente do Conselho, o presidente francês Nicolas Sarkozy decidiu internacionalizar os princípios da política externa da UE. Como uma de suas principais medidas, reavivou o Processo de Barcelona, assinado em 1995, no qual buscou acelerar e ampliar o processo de aproximação da UE com a Rússia, nas áreas de política e segurança, econômica e financeira e social, cultural e humana. Até então, a prosperidade desta aproximação havia se dado nas duas últimas áreas.

União pelo Mediterrâneo

O Processo de Barcelona, também chamado Parceria Euro Mediterrânica ou União pelo Mediterrâneo, voltou aos discursos das autoridades europeias a partir de 2008.

Sarkozy, embora fosse da mesma linha partidária do presidente anterior, Jacques Chirac, foi acusado de se distanciar da política externa até então empreendida pela França, a medida que aproximou o seu país dos EUA, a França voltou a ser membro da OTAN, apoiou a guerra ao terrorismo internacional e as intervenções militares na Ásia e a na África e reascendeu o complexo industrial militar da França.

Há vozes na política internacional que afirmam que Sarkozy tenha se distanciado da política exterior da França gaullista e angariado recursos da UE em benefício de maior projeção da França e de aliados.

Embora concorde com o argumento de que havia uma clara intenção de Sarkozy projetar a França, considero algumas questões que devem ponderar o discurso do apoio incondicional aos EUA, a medida que Sarkozy tenha, simultaneamente, reacendido o nacionalismo francês na Europa e evidenciado o eixo UE-Rússia-OTAN na promoção da paz e da segurança global; o que contraria diretamente a projeção de poder dos EUA na Europa.

Além disso, as parcerias estratégicas para a construção de submarinos convencionais com transferência de tecnologia para os indianos, submarinos convencionais e nuclear, helicópteros e caças de combate com transferência de tecnologia para o Brasil e a venda do porta-helicótero Mistral com apoio no projeto de construção de mais três deste tipo para os russos não coadunam com a política externa dos EUA.

As relações UE-Rússia e as aquisições de defesa

Isso recai diretamente na maior aproximação da França com a Rússia, a medida que ambas possuem projetos e parcerias conjuntas em áreas estratégicas, como energia e defesa. No entanto, embora, os EUA discursem que a Rússia é um parceiro privilegiado da UE, mantém uma política de desconfiança sobre a aquisição de produtos estratégicos de defesa por parte dos russos.

Tanto a notícia da venda do porta-helicóptero francês Mistral à Rússia, em 2010, quanto a instalação dos EUA do sistema antimíssil (DAM) na Europa, causaram constrangimentos e tensões nas relações entre EUA e Rússia.

O DAM se tornou um entrave na relação de confiança dos EUA com a Rússia. Este último afirma que falta comprometimento dos EUA e da própria UE de que os investimentos em defesa na Europa, não sejam contra a Rússia. Os EUA receiam que o mercado de tecnologias sensíveis da Rússia absorva e domine o processo de produção do DAM europeu.

Até 2018, os EUA pretendem instalar partes do DAM em vários territórios europeus, em especial, nos territórios dos antigos aliados da URSS. Os analistas militares e técnicos russos comprovaram que os mísseis táticos da Rússia podem ser captados pelo DAM europeu e que estes sistemas de defesa nada mais representam do que a política de cerco dos EUA, instalando bases militares ao redor do território russo, um resquício da Guerra Fria.

Em prol do ingresso na OTAN, países da Europa Oriental, antigos aliados da URSS, firmaram compromissos de fidelidade com a política externa dos EUA e aceitaram sediar partes do DAM em seus territórios, o que tem comprometido ainda mais a relação harmoniosa do eixo UE-Rússia-OTAN.

Em represália, os russos garantem que a nova geração de mísseis Iskander é, praticamente, invulnerável ao DAM. A instalação do DAM poderá provocar uma escalada armamentista na Europa, em especial, com a aquisição de mísseis táticos, inclusive, por grupos terroristas.

Sendo assim, não há dúvida de que o DAM compromete a harmonia das relações do eixo UE-Rússia-OTAN.

Desafios da França na UE frente ao unilateralismo mundial

É tarefa da UE mediar estes conflitos para a continuidade da harmonia nas relações políticas, econômicas, militares, tecnológicas, sociais e culturais com a Rússia.

Provavelmente, por a União pelo Mediterrâneo ser um projeto estratégico para a projeção da França na região, tomará para si a tarefa de consertar este novo quadro problemático que está surgindo na Europa e, por meio de seus arranjos institucionais, garantir a manutenção das relações UE-Rússia-OTAN.

Dentre as convergências de interesses entre a Rússia e a UE se encontram: apoio russo nas intervenções militares na África, a guerra contra o terrorismo, o crime organizado e o tráfico de drogas, de armas e de pessoas na região, estreita cooperação em fóruns e organizações mundiais, como o G-20, o desenvolvimento da economia de mercado, do setor privado, das transferências de tecnologias e da integração econômica regional, o favorecimento do livre comércio, apoio francês a abolição de vistos dos russos na UE, com especial atenção para as políticas de migração pautadas na circulação de pessoas e, principalmente, parcerias e investimentos conjuntos no Mediterrâneo, uma das maiores zonas de atração de investimentos estrangeiros diretos do mundo.

Sarkozy abriu frentes ousadas que a atual administração francesa, em crise financeira, terá que gerenciar e, talvez, fazer escolhas estratégicas. Este cenário afeta diretamente o Brasil, pois, sendo uma das ousadas frentes abertas pela política externa francesa no Atlântico Sul, a França terá que, mais cedo ou mais tarde, escolher seus parceiros estratégicos.

O presidente francês François Hollande, embora preze pelo institucionalismo europeu, manteve todos os compromissos na área de defesa, incluso, transferência de tecnologia estratégica, assumidos pelas gestões anteriores com o Brasil. Isso indica que a França ainda considera o Brasil um parceiro estratégico como alternativa a projeção de poder dos EUA na Europa e a possibilidade da internacionalização dos princípios da política externa francesa no Atlântico Sul.

Os russos também percebem a França como um aliado estratégico para contornar a pressão dos EUA na Europa e para fortalecer o seu potencial político e econômico no Mediterrâneo. Assim, além dos EUA, da UE e da OTAN, os russos também podem perceber a parceria estratégica com o Brasil como uma ameaça ao equilíbrio de poder na Europa, a medida que, a crise econômica e financeira poderá exigir que a França faça escolhas estratégicas: União pelo Mediterrâneo ou Aliança Sul Atlântica?

Caberá ao atual presidente Hollande identificar qual política externa é mais apropriada para a França do século XXI: apoiar a projeção da UE num mundo com iniciativas político militares cada vez mais unilaterais ou internacionalizar os princípios da política externa francesa no mundo. É a projeção da França no mundo que está em jogo.
 

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