Relação entre Brasil e EUA não pode ser afetada por Snowden, diz presidente da Boeing

Ana Clara Costa


A ex-embaixadora americana, Donna Hrinak, que comandou a equipe diplomática dos Estados Unidos no Brasil entre 2002 e 2004, conhece o projeto de renovação dos caças desde o início da década passada, quando ainda era chamado de FX-1. De lá pra cá, Donna migrou para o setor privado comandando, nos Estados Unidos, as áreas de Relações Instituicionais de empresas como PepsiCo e Mondelez (antiga Kraft). Pela Boeing, voltou ao Brasil em setembro de 2011 para tentar convencer o governo petista a escolher sua empresa para o fornecimento dos 36 caças necessários para a renovação da frota da Força Aérea.

A investida vinha dando certo até o infortúnio causado pelo ex-agente de espionagem da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês), Edward Snowden, que ventilou para a imprensa mundial as interceptações da NSA em governos e grandes empresas — incluindo o Brasil e até mesmo a Petrobras. A saia-justa que fez a presidente Dilma cancelar sua visita oficial a Washington, em setembro, também respingou sobre a Boeing, deixando-a em desvantagem em relação às demais competidoras: a francesa Dassault e a sueca Saab. Segundo Donna, a reação do governo brasileira é justificada, mas ela acredita que Snowden não pode afetar as relações comerciais entre os dois países. A executiva acredita que a decisão sobre a compra dos caças é uma questão de urgência. "É incrível imaginar um país do tamanho do Brasil sem defesa. A sexta maior economia do mundo precisa projetar poder, proteger as fronteiras", afirmou. Confira trechos da entrevista.

O ministro Celso Amorim tem dado indicações de que o FX-2 pode ser retomado e decidido em breve. A Boeing já sente essa movimentação?

Como a FAB vai parar de usar os Mirage, há um sentimento de urgência para a tomada de alguma decisão. Talvez o discurso do Brigadeiro Juniti Saito (Comandante da Aeronáutica) no Congresso, em agosto, fortaleça esse sentimento de que a compra dos caças seja uma prioridade para a FAB. Essa concorrência tem mais de 18 anos, então toda lógica indica que uma decisão deve sair cedo ou tarde. Mas nossos contatos têm sido contínuos, não se intensificaram. Inclusive o Brigadeiro também falou no Congresso que a oferta da Boeing melhorou mais que as outras (as concorrentes Dassault e Saab).

As denúncias do ex-agente da Agência Nacional de Segurança (NSA), Edward Snowden, sobre espionagem americana deterioraram as relações bilaterais com o Brasil. Isso afeta a questão dos caças. Como contornar?

A relação de defesa entre os dois países tem se fortalecido nos últimos anos. Prova disso é a venda de Super Tucanos que a Embraer fez à força aérea americana. Isso inclui a possibilidade de usar mísseis da Boeing nos Super Tucanos não só nessa venda, mas também para outras ao redor do mundo. Então acho que a relação continua forte. Nós temos um diálogo bilateral entre os dois governos que tem sido contínuo. Sobre o Snowden, as revelações são sérias. As reações do governo brasileiro e da própria presidente Dilma não são somente justificadas, mas necessárias. Há muitas pessoas nos Estados Unidos que também se sentiram ofendidas pelas ações da NSA. Mas, com todo respeito à profissão de jornalista, eu acho que os dois países não podem deixar que um jornalista controle as relações. É uma relação bilateral de muitos anos. Compartilhamos valores e interesses. E não podemos deixar que essa relação seja afetada por Edward Snowden.

Qual é o plano B da Boeing para caso a decisão sobre o FX-2 seja adiada ainda mais?

É incrível imaginar um país do tamanho do Brasil sem defesa. A sexta maior economia do mundo precisa projetar poder, proteger as fronteiras. Algumas das nossas parcerias dependem da decisão do FX-2. Outras, não. Temos parcerias com a Embraer, a Unicamp e a Fapesp na parte de biocombustível de aviação. E achamos que o Brasil tem muitas vantagens competitivas para poder desenvolver uma indústria comercialmente viável. Então essa colaboração vai continuar. Também acabamos de assinar uma parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre sensoriamento remoto. Temos várias parcerias que vão continuar. O que muda é a velocidade e a intensidade, que vão depender da decisão sobre os caças.

A oferta da Boeing mudou muito de 2008 até hoje?

Sim. Todo mundo fala em transferência de tecnologia. E nós estamos falando em desenvolvimento de tecnologia nova. Acho que a construção da sede da Boeing e de um centro de pesquisa e tecnologia no Brasil ajuda a fortalecer nossa participação na oferta e implica numa parceria maior com a indústria brasileira. Embraer é o exemplo mais óbvio, mas podemos identificar mais de 5 empresas que poderiam participar da oferta junto com a Boeing. E estamos usando esse tempo no Brasil para identificar mais empresas. Em outubro, doze companhias brasileiras visitaram as instalações da Boeing em Saint Louis, nos Estados Unidos. Antes, um grupo havia visitado a área de aviação comercial em Seattle precisamente para ver como podemos desenvolver cadeias de fornecedores entre o Brasil e os Estados Unidos. Isso não tem nada a ver com o FX-2.

Então caso o governo decida pela Boeing, poderá haver um benefício à cadeia de aviação comercial?

A ideia é fazermos a parte de montagem e manutenção dos caças no Brasil. Como maior empresa aeroespacial do mundo, temos força tanto na área comercial como na de defesa. É mais ou menos o modelo da Embraer. E uma das vantagens desse modelo é a sinergia entre as duas partes. Então é inevitável que haja transferência e sinergias em áreas comercial e de defesa. E isso vai ter um impacto na indústria e muitas outras áreas.

A Boeing foi a última empresa a criar uma operação no Brasil depois do FX-2, atrás de Dassault e Saab. Isso prejudicou a participação?

Isso mostrou seriedade. Tomamos a decisão de estabelecer uma operação permanente aqui quando vimos que isso seria um bom negócio, no geral, para as duas partes. Se fosse apenas pelo FX-2, teríamos criado algo cinco anos atrás, quando o projeto foi anunciado. Então o objetivo não é esse. O objetivo principal é desenvolver pesquisa. A própria presidente diz que pesquisa que não sai do laboratório e vai para a indústria não é suficiente. E nós temos relações com 200 universidades no mundo. Por isso decidimos abrir. Porque acreditamos na possibilidade de uma parceria permanente.

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