Ana Clara Costa
Em sua tímida passagem pelo Ministério da Defesa, Celso Amorim quer deixar um 'legado'. Sua pasta foi uma das mais castigadas pelos contingenciamentos ao longo dos últimos três anos. Os recursos liberados pelo governo à Defesa representam, em média, 55% do que a pasta demanda para manter despesas, custeio e investimentos. Sem muito campo para atuar, Amorim quer retomar as discussões sobre o FX-2 — o projeto de substituição de aeronaves militares que teve origem há mais de 20 anos e jamais foi levado adiante por um governante.
Como as atuais aeronaves usadas pela Força Aérea Brasileira (FAB), os Mirage 2000, da francesa Dassault, já ultrapassaram todos os limites da recauchutagem e serão aposentadas obrigatoriamente ao final deste mês, o ministro quer aproveitar para fazer do FX-2, também, a sua bandeira.
Em conversas com oficiais e assessores, Amorim tem levantado a questão com certa frequência. Reconhece, contudo, que o tema de uma compra de 36 caças por mais de 5 bilhões de dólares não é o assunto mais apropriado para se discutir às vésperas do pleito eleitoral.
Em período de deterioração das contas públicas, a presidente não teria muitos argumentos para explicar à população o investimento bilionário em aparatos militares — ainda que o impacto orçamentário desse gasto só seja sentido de um a dois anos após a compra. "Amorim quer fechar o negócio, mesmo que as negociações pós-compra e a chegada das aeronaves aconteça em outro governo.
Ele quer deixar o legado", afirma uma fonte próxima às discussões. Diferente de seu antecessor, Nelson Jobim, que fazia uma defesa deslavada pelo acordo com a Dassault, Amorim, até o momento, não tomou partido de nenhum fabricante. O Ministério da Defesa confirmou, por meio de sua assessoria, a vontade do ministro em dar sequência ao FX-2 em 2014, mas ressaltou que a decisão está nas mãos da presidente.
As doze aeronaves Mirage (apenas seis estão em funcionamento) foram compradas em 2006 da França, usadas. Deveriam ter se aposentado completamente há dois anos, mas uma sobrevida foi dada às seis unidades que se aposentam este mês, graças ao trabalho de melhoria feito pela Embraer. Em 1º de janeiro, serão substituídas pelas F5, fabricadas pela Northrop, mais antigas e menos potentes — compradas em diversos lotes desde 1976.
Os últimos caças F5 adquiridos pela FAB são usados e foram comprados da Jordânia. Estão em processo de modernização na Embraer desde 2011. A mudança deixa um hiato na Aeronáutica, que ficará com seu 1º Grupo de Defesa Aérea sem aeronaves. Caso Amorim consiga persuadir a presidente Dilma a tomar a decisão em 2014, a empresa vencedora do contrato também deverá se encarregar de encontrar soluções temporárias para equipar a FAB enquanto as máquinas novas são fabricadas.
A movimentação de Amorim reacendeu, também, a esperança das três companhias instaladas no Brasil e que disputam o contrato: além da Dassault, que fabrica o Rafale, há a sueca Saab, com o Gripen, e a Boeing, com o Super Hornet F18.
Em vista ao Brasil nesta semana, o presidente francês François Hollande trouxe em sua comitiva o presidente da Dassault, Éric Trappier, que esteve presente tanto nas reuniões com a presidente Dilma, em Brasília, como com empresários em São Paulo. Trappier foi escolhido para assumir o grupo de defesa francês em janeiro deste ano.
Antes disso, era responsável pelo consórcio fabricante do Rafale justamente na época em que as conversas com o governo brasileiro andavam promissoras. O então presidente Lula atrelou a compra dos caças franceses ao apoio da França à cadeira no Conselho de Segurança da ONU para o Brasil. Como o ex-chefe-de-governo Nicolas Sarkozy voltou atrás no apoio, Lula retaliou e desistiu do Rafale.
Durante o governo Dilma, nas poucas discussões consistentes sobre o tema, a nova favorita era Boeing. Não só a proposta de transferência de tecnologia da gigante americana havia agradado a presidente Dilma, como a vinda da empresa ao Brasil havia suscitado uma série de possibilidades de parcerias com a indústria que iam além dos F18.
Segundo documentos sigilosos divulgados pelo Wikileaks, o brigadeiro Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, também havia explicitado, em 2009, a superioridade técnica da aeronave americana. Contudo, a saia-justa causada pelas denúncias do ex-técnico da CIA e da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, Edward Snowden, que revelaram práticas de espionagem do órgão a diversos governos — inclusive o brasileiro — colocaram a Boeing no fim da fila. “Agora, o páreo é entre franceses e suecos”, diz uma fonte ligada à Defesa. Procuradas, Dassault e Saab não quiseram comentar.
Em entrevista ao site de VEJA, a presidente da Boeing no Brasil e ex-embaixadora, Donna Hrinak, afirmou que o F18 não só é tecnicamente superior, como também a proposta da empresa para o projeto foi aprimorada ao longo dos anos. Segundo Donna, o governo brasileiro tem toda a razão em condenar as ações da NSA, mas reafirmou que a força das relações comerciais entre Brasil e EUA vai muito além das denúncias. “É uma relação bilateral de muitos anos. Compartilhamos valores e interesses. E não podemos deixar que essa relação seja afetada por Edward Snowden”, afirmou.