Publicado como Editorial de O Estado de São Paulo
Tanto a expansão e a diversificação das atividades do Primeiro Comando da Capital (PCC) como as suas ligações com outros grupos criminosos no Brasil e no exterior mostram que o perigo constituído por essa organização cresce sem cessar. Desde 2006, quando aterrorizou São Paulo com uma série de ataques contra a própria polícia, o PCC vem assustando a população com a sua audácia, que não parece ter limites. Mas o seu poder, como atestam as mais recentes investigações policiais, é ainda maior do que se poderia imaginar há oito anos.
Pela primeira vez, a ligação que se suspeitava existir entre o PCC e a máfia foi confirmada por meio de denúncia do Ministério Público Federal (MPF) apresentada à Justiça no fim do mês passado. Como mostrou o Estado, o PCC se associou à N’Drangheta, o mais atuante dos quatro ramos da máfia italiana, que opera a partir da Calábria, para levar cocaína da Bolívia para Itália, Espanha e Holanda pelo Porto de Santos. Do lado brasileiro, havia 34 pessoas envolvidas no embarque da droga.
Muito mais importante que a operação que resultou na apreensão de 56 quilos de cocaína e na prisão de bandidos nela diretamente envolvidos com € 230 mil foram as investigações da Polícia Federal (PF) – nas quais se baseou o MPF para sua denúncia–que permitiram desvendar a ligação entre as organizações, por meio da interceptação de mensagens trocadas entre seus integrantes.
A cooperação entre a PF e os serviços policiais especializados no combate às drogas da Itália e dos Estados Unidos, que têm maior experiência nessa área, foi fundamental para o êxito das investigações. Ela permitiu também identificar a empresa offshore, com sede no Uruguai, que era usada pelo PCCe a N’Drangheta para movimentar o dinheiro do negócio criminoso.
Poucos dias depois, outra reportagem, desta vez do jornal O Globo, apontou uma ligação criminosa ainda mais grave e preocupante do PCC, também revelada por investigações da PF, que contaram de novo com a colaboração dos Estados Unidos. O PCC e o Hezbollah, facção política e militar radical que atua no Líbano, se associaram para uma troca de favores. O PCC protege traficantes de origem libanesa presos no Brasil e ligados ao Hezbollah e este lhe paga com armas e explosivos contrabandeados.
Embora só desvendado agora, o acordo que permite esse intercâmbio criminoso começou a ser montado em 2006. Segundo a PF, os contatos internacionais dos traficantes libaneses “têm atendido aos interesses” do PCC, que por sua vez “viabiliza uma situação favorável aos estrangeiros dentro do sistema prisional, além de assegurar algum lucro com negociações mesmo enquanto estão presos”.
Seria ingenuidade pensar que armas e explosivos fornecidos pelo Hezbollah, nesses termos, são iguais aos demais. Não são. O risco é muito grande de o PCC, nessa operação, trazer para o Brasil – tenha ou não consciência disso, pouco importa – mais do que esse arsenal, pois ela envolve tráfico de drogas cujos lucros podem financiar ações terroristas.
Internamente, o PCC também continua a crescer e investir em negócios os mais variados. Ele já deixou de ser apenas paulista, se “nacionalizou”, pois está presente em 22 Estados. Foi-se o tempo em que vivia de contribuições de seus associados, fruto de ações criminosas acanhadas, dentro e fora dos presídios. O tráfico de drogas, com o qual fatura R$ 120 milhões por ano, segundo trabalho feito pelo Ministério Público de São Paulo, já é uma das suas principais fontes de renda.
O Ministério Público também acaba de denunciar à Justiça duas pessoas ligadas ao PCC acusadas de utilizar vans que integram o serviço de ônibus de São Paulo para lavar dinheiro obtido com o tráfico. Uma ligação que há muito se suspeitava existir e que agora começa a ser comprovada.
Os tentáculos do PCC, aqui e lá fora, constituem um desafio considerável para o qual as autoridades – tanto federais como estaduais, em especial as de São Paulo, que é sua base principal – ainda não encontram uma resposta à altura.
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