Reinaldo Azevedo
Sim, eu estava perplexo com o "Dilma, vai tomate cru"! Pensava: "O que aconteceu com o povo cordial dos que não leram Sérgio Buarque de Holanda e dizem que o nosso povo é cordial?". Muitos cronistas se arrepiaram de emoção com o hino a capela e de horror com o protesto, especialmente porque quem cantou uma coisa também cantou outra. Deve ser bom se arrepiar por tão tolos motivos… De súbito, apareceu o coro dos Catões dispostos a moralizar a República, rebaixando os torcedores a uma "elite branca sem calo na mão". Houve até quem pedisse desculpas a Dilma em nome dos brasileiros! Em meu nome? Não endosso xingamentos. Mas eu é que espero que a Soberana se desculpe por ter usado o meu dinheiro para tirar uma casquinha eleitoral da Copa. Ela não tem o direito moral de recorrer à Rede Nacional para não ouvir o Itaquerão.
O PT pode se perder nos fatos, e está perdido, mas sempre se arranja nas versões. Esta semana foi tomada por uma avalanche de notícias assegurando que as vaiais foram excelentes para a presidente porque ela pôde, assim, exercer o poder da vítima. Não é Nietzsche, mas malandragem política. As vaias e os xingamentos teriam servido à estratégia petista de fazer a luta do "nós" (a turma do amor) contra "eles" (a turma do ódio). Então tá!
Se assim é; se, há tempos, os petistas esperavam uma boa notícia para a campanha eleitoral, e se as vaias e os xingamentos ajudaram o PT a encontrar um discurso, o que dizer? Vai ver os companheiros decidiram se comportar como Odorico Paraguaçu, de "O Bem-Amado", de Dias Gomes. Quando ele queria um pretexto para empastelar o jornal da oposição, mandava pichar na parede: "Odorico é ladrão". Se as ofensas são um ativo eleitoral, quanto mais, melhor! O PT me obriga a ser binário: então quem vaia vira cabo eleitoral de Dilma. Qual é a razão do chororô?
É evidente que o lado positivo da vaia é cascata. Essa versão é obra de "spin doctors", cujo trabalho só é efetivo quando conta com a opinião abalizada de "especialistas" e com a sujeição voluntária ou involuntária da imprensa.
No dia seguinte à vaia, o PT e suas franjas no jornalismo e no subjornalismo a soldo já espalhavam a versão de que a hostilidade era obra da "elite branca", em conluio com a oposição e com a imprensa. Desta feita, o partido inovou. O sr. Alberto Cantalice, seu vice-presidente, publicou no site da legenda uma primeira lista de profissionais do mal: Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Diogo Mainardi, Lobão, Demétrio Magnoli, Danilo Gentili, Guilherme Fiuza, Marcelo Madureira e Arnaldo Jabor.
Segundo ele, nossas "pregações nas páginas dos veículos conservadores estimulam setores reacionários e exclusivistas da sociedade brasileira a maldizer os pobres e sua presença cada vez maior nos aeroportos, nos shoppings e nos restaurantes", de sorte que "o subproduto dos pittbuls (sic) do conservadorismo teve seu ápice nos xingamentos torpes e vergonhosos à presidenta (…)" –aqueles mesmos que, dizem os próprios petistas, fizeram um imenso bem a Dilma…
É calúnia e difamação, mas isso é para o tribunal. Falas como a do sr. Cantalice têm história. Fiz uma tradução (is.gd/iOAfO5) do discurso proferido por Goebbels no dia 10 de fevereiro de 1933, 11 dias depois de Hitler ter assumido o cargo de chanceler. Seu alvo era a "imprensa judaica", que acusava de "ameaçar o movimento Nacional-Socialista". Advertiu: "Um dia nossa paciência vai acabar, e calaremos esses judeus insolentes, bocas mentirosas!" Cumpriu a ameaça.
À lista de Cantalice seguiu-se um previsível silêncio na própria imprensa –vai ver somos mesmo os "judeus insolentes" da hora. Mais uma advertência de Goebbels para quem está aliviado por ter sido poupado: "E, se outros jornais judeus acham que podem, agora, mudar para o nosso lado com as suas bandeiras, então só podemos dar uma resposta: Por favor, não se deem ao trabalho!'".
Pronto! Já escrevi o que queria, menos uma coisa: "Goebbels, vai tomate cru!"