Há quem procure medir a glória e a vitória de uma nação em guerra pelo número de soldados que ela envia para o front ou a quantidade de adversários que mata e territórios que ocupa. É um equívoco.
O bom estrategista – seja ele civil exercendo função de governo ou militar operando em comando de tropa – sabe que também é vencedor, num embate global armado, todo país que dele sair fortalecido politicamente, no cenário internacional, e o menos quebrado possível em sua economia, no plano interno.
Assim é a história da participação brasileira na Primeira Guerra Mundial, deflagrada em 1914 e que teve seu armistício assinado em 1918 na cidade francesa de Compiègne. Nosso País entrou no conflito em 1917, portanto comemora-se agora o centenário.
E, seguindo o raciocínio que acabamos de expor sobre a não ortodoxia do que é ganhar ou perder, pode-se dizer que o Brasil saiu vitorioso. Ainda assim, no entanto, comete-se uma injustiça histórica: mal lembramos (e isso quando lembramos) de nossa atuação ao lado da Tríplice Entente (inicialmente formada pela França, pela Rússia e pelo Reino Unido) no enfrentamento da Tríplice Aliança (integrada pela Alemanha e Império Austro-Húngaro; a Itália a abandonou em 1915).
Findada a guerra, o Brasil se impôs diplomaticamente no mundo e, domesticamente, viu a sua economia se diversificando e crescendo. Sob a presidência de Venceslau Brás, o País manteve, no início das batalhas, uma posição de neutralidade – dependente da exportação de café para sobreviver, havia tempo comercializava tal produto com nações que se alinhavam de um e de outro lado.
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Os brasileiros, na verdade, andavam mais interessados em palpitar nas esquinas do Rio de Janeiro (capital do País) sobre o assassinato do senador Pinheiro Machado, em discutir nos cafés o conturbado clima político decorrente da República recém-proclamada (ou, melhor, decretada), em cantar na porta das barbearias o primeiro samba aqui gravado ("Pelo telephone", letra que fazia chacota com a polícia que acobertava na cidade os jogos de azar).
Em 1916 veio a surpresa: um submarino alemão estraçalhou o navio nacional "Rio Branco" que operava a serviço inglês e com tripulação norueguesa. Houve certa comoção, coisa rápida, nada que ferisse o brio nacionalista.
Mas em 1917 a dignidade e o amor-próprio dos brasileiros foram fortemente abalados: o nosso maior navio da marinha mercante, o "Paraná", carregado de café, foi bombardeado por submarino da Alemanha no cabo Barfleur – e três brasileiros morreram.
O povo foi às ruas, lojas, escritórios e restaurantes alemães passaram a ser incendiados, Venceslau Brás não teve outra saída: declarou guerra e, assim, começou nossa jornada.
O Exército, nessa época, seguia o modelo das forças armadas alemãs, os principais armamentos dos quais nos valíamos eram importados havia tempo do país agressor: fuzis Mauser, lanças de cavalaria Ehradr, canhões Krupp. Mas nada disso importava. A morte dos marinheiros tinha de falar mais alto. E falou.
A participação no conflito não se deu com envolvimento direto de soldados no front – muito diferente ocorreu na Segunda Guerra Mundial, quando vinte e cinco mil pracinhas foram enviados para Itália e quatrocentos e sessenta e dois perderam a vida na histórica batalha de tomada de Monte Castelo.
Na Primeira Guerra, o Brasil embarcou vinte e quatro oficiais para atuar nos quartéis franceses, treze aviadores para a Força Aérea Real Britânica, noventa e dois médicos que integraram uma das mais exemplares das nossas missões. Igualmente relevante foi a atuação da Marinha, com a criação, pelo ministro Alexandrino Faria de Alencar, da Divisão Naval em Operações de Guerra.
A tarefa era a de patrulhar os mares, sobretudo o triângulo na costa noroeste da África, formado pelos seguintes vértices: Dacar, arquipélago de São Vicente e Gibraltar.
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Entre diversos oficiais do Exército que se distinguiram, guarda a galeria da história lugares de destaque para o tenente-coronel da artilharia pesada Leite de Castro (tornou-se ministro da Guerra posteriormente), ao capitão da infantaria Praxedes Theódulo da Silva Júnior, promovido a major pela elaboração de planos estratégicos, e, na cavalaria, ao major Firmino Antonio Borba, que rápido ascendeu ao generalato.
Com participação discreta, mas que não deixou de ser importante, por que a presença das Forças Armadas brasileiras é tão pouco recordada entre nós? A primeira resposta mora na ponta da língua, infelizmente: quase nada guardamos da nossa história, quase nada valorizamos da nossa história, quase nada levamos à frente da nossa história.
Desculpem o chavão, mas vale utilizá-lo para resumirmos o tema: o Brasil é uma Nação sem memória. A segunda ponderação que se faz à mesma pergunta diz respeito à formalização das Três Armas. Ao longo da chamada "República Velha", o tanto que as Forças Armadas fizeram de alarido (no sentido técnico de "grito de guerra" e "clamor de combate") na vida política do País contrasta com o quanto foram discretas na promoção de suas glórias.
Aliás, essa é uma marca da Instituição militar: nada de cabotinismo. Na Segunda Guerra, elas tiveram papel de extremo destaque, como já narrado acima, na conquista de Monte Castelo. Bem mais recentemente, o Exército brasileiro deu um exemplo de humanitarismo e autoridade no comando das Forças de Paz no Haiti.
Nós lembramos de todas as suas intervenções desastrosas nas questões públicas, lembramos e lamentamos, e é para lembrar e lamentar mesmo – e que nunca mais volte o arbítrio que imperou entre 1964 e 1985. Isso não significa, no entanto, que os militares, naquilo que edificam a Nação, não devam ser homenageados. É o caso da Primeira Guerra.
Finalmente chegamos às duas vitorias simultâneas do Brasil no conflito, e elas ficam sólidas e claras em 1919. Uma se deu na Conferência de Paz de Paris com desdobramento na assinatura do Tratado de Versalhes.
O delegado do País foi o paraibano de Umbuzeiro Epitácio Pessoa, político, jurista e magistrado. Como ninguém o faria, ele soube impor ao mundo um então provinciano Brasil. Para se ter uma ideia, em meio à humilhação sofrida pela Alemanha por parte dos vencedores (humilhação que já ali se fazia embrionária da Segunda Guerra), Epitácio Pessoa obteve no botim setenta navios alemães, mais uma polpuda indenização por todos os carregamentos de café que foram perdidos nos oceanos.
Epitácio Pessoa fez do Brasil um vencedor, e mede-se isso em um fato incrível: Rodrigues Alves falece em 1919, vítima da pandemia da gripe espanhola (matou 30 milhões de pessoas no planeta enquanto a guerra matou nove milhões). Epitácio é eleito presidente, mesmo estando em Versalhes – fora do País, portanto.
Na área econômica, dentro do nosso próprio território, desenrolou-se a segunda vitória: com a queda da exportação do café, já durante a guerra o País se desenvolveu na produção de demais gêneros alimentícios, mudou a sua estrutura essencialmente agrária e inaugurou o primeiro grande surto industrial: o número de fábricas quadruplicou entre 1914 e 1918.
A indústria nacional conquistou o mercado interno e, assim, emergiu sociológica e economicamente uma nova Nação. Como afirmou-se no início desse texto, fora de casa e dentro de casa o Brasil ganhou a guerra. "O nosso Monte Castelo no primeiro conflito foi ter entrado nele", diz o pesquisador e acadêmico Matheus Lacerda. "Somos o único País na América do Sul que lutou nas duas guerras mundiais".
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