Setenta anos depois, Polônia ainda lida com feridas da Revolta de Varsóvia

Pela Praça do Castelo de Varsóvia, passam diariamente turmas escolares. "Depois da guerra, tudo isso aqui era um deserto", costumam dizer os professores para os jovens, enquanto mostram a bela praça adornada pela Coluna de Sigismundo, de 22 metros de altura, com o Castelo Real ao fundo.

A reconstrução depois de 1945 é tão importante à identidade da jovem Polônia quanto o Levante de Varsóvia (também chamada Revolta de Varsóvia), a última tentativa da população de se libertar com as próprias forças do domínio nazista.

Em 1° de agosto de 1944, um ano após a Revolta do Gueto de 1943 e pouco antes de o Exército Vermelho alcançar Varsóvia em sua marcha vitoriosa em direção ao oeste, mais de 50 mil poloneses deram início ao levante. Uma revolta bem-sucedida contra a ocupação alemã deveria se tornar o símbolo de uma Polônia forte e independente.

Tudo isso é do conhecimento das turmas de colégio polonesas que visitam a estátua do Pequeno Insurgente, perto da Praça do Castelo. A escultura de um menino com capacete na cabeça e uma arma na mão agora é considerada controversa, assim como o papel das crianças na insurreição. Por isso, os professores permanecem ali por pouco tempo, logo prosseguindo para outro ponto de interesse.

"Ali, na margem direita do rio Vístula, estavam já os russos. Acreditava-se que eles atacariam logo e ajudariam a expulsar os alemães", dizem. A população de Varsóvia esperava apoio de armas e munições, mas o Exército Vermelho preferiu esperar. Stalin não tinha interesse em uma vitória do Exército polonês, do qual temia o estabelecimento de um governo anticomunista. As batalhas aguerridas entre os edifícios e ruas duraram 63 dias, nos quais os poloneses foram deixados à própria sorte.

Apesar de serem militarmente muito inferiores, os rebeldes foram capazes de capturar algumas posições estratégicas nos primeiros dias. Os alemães se retiraram da cidade antiga. Mas à medida que o tempo passava, os combatentes perdiam força e material. No fim, o levante foi brutalmente reprimido pelos nazistas. Em janeiro de 1945, quando os russos finalmente atravessaram o rio Vístula, foram encontrados entre os escombros apenas mil sobreviventes.

Marcas visíveis

Há muitos vestígios que lembram as vítimas de então, como a parede sul da Catedral de São João, onde muitos jovens costumam parar. Durante a reconstrução da igreja, uma esteira de tanque foi incorporada a uma das parede. A catedral foi em 1944 um posto de defesa dos rebeldes. Por isso, os nazistas enviaram para lá um tanque teleguiado, carregado de explosivos, detonando-o rente ao muro. Em seguida, outro tanque entrou na igreja e disparou.

Poucas casas adiante, as turmas de escola e grupos de turistas chegam à bela Praça do Mercado, onde os guias contam sobre a ordem do líder da SS, Heinrich Himmler, em outubro de 1944. "Cada bloco de casas deve ser queimando e detonado", ordenou.

Cerca de 60% dos prédios foram destruídos durante a Revolta de Varsóvia. Em 1945, apenas 15% dos edifícios ainda estavam de pé na cidade. Os livros de história poloneses citam uma declaração de Himmler em que ele afirma que a revolta foi "historicamente uma bênção", porque serviu como "uma boa desculpa" para a destruição total da cidade e para execuções em massa.

A SS cometeu durante a Revolta de Varsóvia vários massacres brutais, dezenas de milhares de pessoas foram deportadas para campos de concentração. Centenas de milhares de cidadãos de Varsóvia foram colocados nos chamados "campo de trânsito". Durante a revolta, cerca de 200 mil poloneses foram mortos, a maioria deles civis.

Controvérsia

Muitos poloneses se perguntam hoje de quanto vale tanto heroísmo. Piotr Zychowicz, um jovem jornalista, provocou recentemente uma onda de indignação com um livro em que chama a Revolta de Varsóvia de "um gigantesco sacrifício inútil".

Zychowicz acusou a liderança do levante de ter feito uma má avaliação da situação e a culpou pela morte de milhares de pessoas. No entanto, a maioria dos historiadores é mais reticente, afirmando não ser possível julgar a rebelião a partir da perspectiva atual.

"Os insurgentes sabiam muito menos do que sabemos hoje", justifica Jacek Mlynarczyk, da Universidade de Torun. Ele afirma que a questão central, sobre se a revolta foi útil, só pode permanecer sem resposta, sendo, segundo ele, algo que será remoído na Polônia por ainda muito tempo.

O Museu do Levante de Varsóvia é um lugar aonde muitos vão à procura de resposta. Até hoje, dez anos após a sua abertura, ele já foi visitado por cerca de quatro milhões de pessoas, e sempre há filas na frente do edifício.

O diretor da instituição, Pawel Ukielski, vê com bons olhos os atuais debates sobre a culpa pelo fracasso do levante. Para ele, a discussão faz bem para a identidade nacional. "Nosso museu fornece a informação de fundo, mas não queremos tomar partido", ressalta.

Jogos de guerra

No museu, impressiona o número de jovens e crianças. A visita se tornou programa quase obrigatório do currículo escolar, assim como ir à cidade antiga de Varsóvia. Depois de alguns passos, é possível ouvir bombas caindo e sirenes de alarme.

Isso é algo que atrai as crianças. Já Edmund Baranowski, de 85 anos, não gosta muito do barulho. Ele lutou no levante quando tinha 15 anos. "Guerra não é coisa para crianças", diz ele, em pé, diante da sala de jogos infantis do museu, repleta de modelos de aviões caças e bonecos de soldados.

A moda dos jogos de guerra como ilustração da história é visível não só no museu. Recentemente foi lançado no mercado polonês um jogo de guerra com pequenas figuras de combatentes da resistência armados e sorridentes e oficiais da SS, com granadas, coquetéis molotov e munições. A comercialização do ethos nacional atinge os limites da tolerabilidade.

O interesse na Revolta de Varsóvia neste ano é tão grande como nunca. O assunto continua presente, mesmo depois de sete décadas. Mas o que é novo este ano é a associação entre os dois eventos provavelmente mais importantes da história polonesa recente.

"Sem a memória das vítimas da revolta, possivelmente não teria ocorrido a revolução pacífica, sem derramamento de sangue, do sindicado Solidariedade, em 1989", diz Jacek Ukielski, do Museu da Revolta de Varsóvia. A mídia também divulga opiniões semelhantes nestes dias. "Os debates mostram que a Polônia tem aprendido com sua história", diz Ukielski. "Por causa do trauma de 1944, nenhuma oposição quis permitir que pessoas morressem novamente pela liberdade."

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