Emprego de Atiradores de Elite em Conflitos Assimétricos

Eduardo Atem de Carvalho, PhD
Universidade Estadual do Norte Fluminense

Rogério Atem de Carvalho, DSc
Instituto Federal Fluminense

Nota DefesaNet – Este artigo complementa o publicado anteriormente
“Os calibres atuais e seus limites de emprego em Conflitos Assimétricos”

Resumo

Habilidade considerada secundária nos grandes exércitos, que corretamente confiam conquistar suas vitórias aos grandes sistemas de armas, o tiro eficiente com fuzil por tropa regular à média distância, aqui definido como até 500 ou 600 m, sofreu degradação com a adoção do calibre padrão 5.56x45mm. Em áreas urbanas estas distâncias são comprometidas pela presença de barreiras físicas e de civis inocentes. Isto passou desapercebido até o advento recente dos ditos conflitos assimétricos, onde o Recobrimento se tornou negativo para a Força Amiga. Uma vez constatado em ação real, a solução imediata foi a volta de armas que empregam o calibre 7.62x51mm, e o treinamento para que algum elemento da fração assumisse sua proteção nesse horizonte. O diagnóstico vindo dos campos de batalha contemporâneos indica a necessidade de programas permanentes de treinamento para este soldados, mas ele não deve ser transformado num “Sniper” ou Caçador. Isto seria desperdício de tempo e recursos e inviabilizaria o programa. A solução deve ser a mais simples e reprodutível possível. Os fabricantes mundiais de armas leves já oferecem uma nova geração de armas semiautomáticas capazes de cumprir esta missão. No caso brasileiro, onde as tropas enfrentam constantes ativações para cumprimento de missões GLO e algumas operações internacionais de Manutenção da Paz, a linha IA2 traz a possibilidade de suprir esta demanda em suas tropas.

INTRODUÇÃO

O contínuo envolvimento das tropas da OTAN em conflitos assimétricos, na África, Oriente Médio e Ásia, tem exposto suas tropas a uma situação recorrente: o confronto do conjunto Fuzil+calibre 5.56×45 mm com o inevitável binômio oponente AK47+7.62×39 mm (ou mais raramente, versões mais modernas do AK, como o “74” ou AKM). De fato, em algumas situações, como ocorrido com certa frequência no Afeganistão, as condições erosivas do ambiente sobre o combatente vão reduzindo as vantagens advindas da tecnologia até o ponto que um oponente solitário consegue imobilizar uma esquadra ou um GC em patrulha por um longo tempo, mantendo a fração à espera até que a ameaça seja removida com apoio de suporte de fogo ou simplesmente se retire. Este problema se agravou em anos recentes com a adoção de versões curtas de fuzis no calibre 5.56×45 mm, tais como a carabina padrão M-4 pelo US Army [1], Forças Especiais da OTAN e países aliados. Embora este calibre ofereça diversas vantagens quando empregado em combates convencionais, no cenário dos conflitos assimétricos recentes fracassa em oferecer o chamado Recobrimento sobre o adversário [2]. Recobrimento aqui é definido como a diferença entre a distância máxima efetiva que uma conjunto ou binômio arma+calibre oferece em combate real em relação à mesma do adversário. Assim sendo, se a tropa amiga é capaz de atirar eficazmente a 300 m e a tropa inimiga a 500 m, o Recobrimento é Negativo em 200 m. Já se a tropa amiga é capaz de atirar com letalidade a 600 m e o inimigo os mesmos 500 m, o Recobrimento se tornou Positivo em 100m.

Nota no.1: Durante o texto empregou-se o termo “calibre” (ao invés de “cartucho”), que geralmente se refere ao diâmetro do projétil, no sentido geral, do cartucho. Ou seja: ao se referir ao calibre 7.62×51 mm, o texto se refere a todo conjunto de projétil, cápsula e propelente na sua performance padrão OTAN/NATO, como oferecido às tropas.

Assim, encontra-se de um lado as tropas ocidentais, com seus fuzis de cano curto, equipado com dispositivos óticos com aumento de 4x e munição regular ou de nova família, com características de penetração superior, as ditas “green tip”, que nas condições de combate real oferecem letalidade de cerca de 300 m [2]. Nos estandes de tiro, atirando em alvos de papel, soldados descansados, hidratados e alimentados, conseguem demonstrar proficiência até 500 m com suas M-4. Em condições reais, adversas, este limite não passa dos já descritos 300 m, não sendo capazes de sustentar fogo contínuo por muito tempo [3].

Do lado oposto, velhos AK47, disparando em automático ou não, conseguem dar a poucos combatentes mal treinados, mas bem escondidos, a capacidade de atingir com letalidade a distâncias de até 500 m. Muitos destes disparos se perdem, como relatado pelo Capitão Barndollar do US Marines [2], mas ainda assim imobilizam a tropa, impedindo sua livre movimentação e requerendo muitas vezes pedidos de apoio de fogo a escalões muito superiores, o que leva muito tempo para ser atendido (e pode ser negado) ou pode vir na forma do emprego de armamento de alto custo, adaptado para o uso na guerra assimétrica, como um helicóptero de US$ 65 milhões atirando mísseis de US$ 100 mil sobre um atirador solitário portando um mero fuzil de assalto. O efeito desastroso dos custos associados a este tipo de intervenção são fáceis de se avaliar.

Do ponto de vista do Brasil, existe no planejamento estratégico do Exército a  possibilidade do emprego de um Força de Deslocamento Rápido (FDR) em solo africano, em consonância com decisões da ONU, sendo esta uma Força de Imposição ou Manutenção da Paz. Nesta situação, ao contrário das situações anteriores experimentadas pelas Forças Armadas dos país, onde as forças brasileiras já encontravam regiões previamente pacificadas ou como no caso do Haiti, onde os insurgentes dispunham de armamento bastante limitado, deve expor nossas tropas ao confronto com tropas já experientes, embora geralmente indisciplinadas, mal treinadas e armadas com material soviético dos anos 50-60 do século passado. Dentre os itens presentes, o inevitável AK47. Enquanto estas missões se encontram no campo das probabilidades, uma realidade que se tornou diária para as Forças Armadas Brasileiras são as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que já se tornaram comuns, em especial no Estado do Rio de Janeiro. Em 2018 a sociedade assistiu consternada as mortes de militares do Exército Brasileiro por tiro de fuzil em ambiente urbano, uma realidade que, triste, mas previsível, posto que as Organizações Criminosas (ORCRIM) que atuam na América Latina dispõe de vasto arsenal de armas leves, sendo um favorito o AK47. Outro favorito é o AR15, versão civil do M-16 militar americano. Os AK47 e sua munição tem poder de penetração muito superior ao do AR15 ou do M4 usando munição convencional. Apenas alguns tipos de munição, de alto desempenho são capazes de dar ao calibre 5,56×45 mm alguma capacidade de penetração em paredes e obstáculos. A ambientação em áreas densamente povoadas, como as comunidades do Rio de Janeiro, permite aos criminosos usar a população como escudo humano, evitando o tiro indiscriminado pela tropa e exigindo o disparo controlado.

A mudança do calibre dos fuzis de Infantaria da OTAN nos anos 60, de 7.62×51 mm para 5.56×45 mm trouxe vantagens e desvantagens para a tropa e linhas logísticas, sendo estas discutidas em trabalho anterior [4]. O fato é que o calibre 7.62×51 mm não pode ser “aposentado”, mesmo com o advento das armas automáticas de esquadra tipo “Minimi”, que operam no calibre 5.56×45 mm. Inicialmente a existência de metralhadoras de emprego geral, tipo M60, MAG ou MG3, manteve o fluxo do calibre contínuo, depois com engajamentos cada vez maiores em conflitos assimétricos, a necessidade da presença permanente de atiradores de elite, ou Caçadores como são denominados no Exército Brasileiro, mesmo em escalões mais baixos da tropa, levou à volta da disseminação do antigo calibre padrão entre as tropas da OTAN. As características balísticas do calibre 7.62×51 mm são excessivas para um fuzil de assalto em regime automático, mas por outro lado são capazes de oferecer letalidade em distâncias de até um 1 km, quando disparados por armas adequadas e atiradores treinados.

A questão que se levanta hoje, afetando tropas de todas as matizes, empregadas desde missões de paz sob a chancela da ONU até operações GLO e policiais de alta intensidade (que são comuns hoje em dia), é como aumentar a proteção e capacidade das pequenas frações de tropa (esquadra, composta por 3 ou 4 homens, ou grupos de de combate com até 11 elementos) diante de um inimigo capaz de efetivamente apresentar uma distância de recobrimento maior que a da tropa amiga. Hoje a Distância de Recobrimento é dominada pelo combatente da guerra assimétrica que usa o calibre superior ao 5.56×45 mm empregado pela OTAN.

Esse tipo de limitação é totalmente irrelevante em conflitos convencionais, onde os grandes sistemas de armas, como os de artilharia, helicópteros, carros de combate etc, com seu imenso poder de destruição eclipsam completamente qualquer ineficiência no desempenho do combatente individual e seu fuzil. Isto tende a mascarar o mau desempenho no tiro individual da tropa em exércitos vitoriosos ou com poderosos e modernos arsenais. Porém nos conflitos assimétricos, o uso destes sistemas é negado e o desempenho da tropa passa a ser fundamental. Mais do que nunca, a capacidade do homem, reflexo muito mais do seu treinamento do que do seu equipamento, passa a dominar o campo de batalha.

Observação no. 2: O fuzil M4 continua a saga de seu antecessor, o M16, sendo objeto de intensa polêmica quanto ao seu desempenho e confiabilidade. O quanto é verdade se torna muitas vezes difícil para o pesquisador saber, uma vez que as fontes primárias (depoimentos de veteranos) são muito difíceis de serem coletadas por um estrangeiro, restando as secundárias (livros, relatórios militares e governamentais civis, revistas e publicações técnicas com credibilidade). Uma simples busca na Internet com as palavras chave “M4 poor performance” gerou 162.000 resultados. Aparentemente, a nova carabina/fuzil, depois das modificações impostas pelo US Army e da entrada em uso das “green tips”, tem funcionado a contento na maioria das vezes, quando corretamente operada e manutenida. Porém os relatos de falha, mesmo quando nas mãos de Forças Especiais, continuam a ser registrados em livros e relatórios sérios, como na Batalha de Roberts Ridge, no Afeganistão [3]. E as acusações de superaquecimento e travamento em batalha, continuam, porém parecem advir sempre do mau emprego. Relatos informais coletados junto aos militares do 1o.BAC (Batalhão de Ações de Comandos) do Exército Brasileiro e veteranos da Campanha do Haiti, indicam plena satisfação com o fuzil.

 ATIRADOR RECOBRIDOR X CAÇADOR

No Exército Americano já existe um especialista orgânico da Esquadra de Fuzileiros (04 homens, comandados por um cabo) ou Grupo de Combate (de 09 a 11 homens comandados por um 3o Sargento) que na língua inglesa é chamado de “Squad Designated Marksman” (SDM) [5] ou algo como “atirador de elite designado da esquadra”. Este título existe para claramente diferenciá-lo de “Sniper”. O segundo termo (Sniper) é associado a um conjunto de habilidades que vão muito além de atirar com precisão em alvos distantes e incluem reconhecimento, comunicações e ligação. Existe uma escola para formação de snipers no Exército Americano [6], já para SDM, o que existe é um manual [5], o que claramente mostra a diferença de preparo e status dos dois combatentes dentro daquela Força Armada. O “Sniper”, ou Caçador e suas habilidades não são objeto deste trabalho. Aqui se tratará do combatente comum, membro da esquadra, ou subunidade policial, que cumpre todas as suas funções na esquadra e a protege em casos de recobrimentos negativos, onde o fogo do inimigo é mais longo do que o da tropa amiga. Os autores denominarão de Atirador Recobridor (AR) o membro da esquadra ou GC equivalente ao SDM e de Caçador o que na língua inglesa se chama de “Sniper”.

 SOLUÇÃO: UM PASSO ATRÁS NO CALIBRE

Qual solução está ao alcance das Forças Terrestres e Policiais, que não onere mais ainda as linhas logísticas nem gere custos proibitivos e desproporcionais ao valor dos alvos? A solução parece vir do passado, embora apoiado por alguma tecnologia do presente e com treinamento adequado: a presença de um fuzileiro com treinamento e armamento específico na esquadra: o Atirador Recobridor. Trata-se de um combatente equipado com um fuzil calibre 7.62×51 mm e treinado para atingir regularmente alvos a 500 m, com ajuda de equipamentos óticos simples, não sendo um Caçador. Este combatente é treinado como todo o resto da esquadra, apenas recebe um treinamento extra para operar um fuzil equipado com calibre superior e atua na proteção do resto da esquadra ou GC [2]. O Capitão Barndollar oferece uma receita adequada aos US Marines e que ele baseia em um manual do Exército Americano [4].

Neste sentido, qual seria uma receita adequada ao Exército Brasileiro e à nossas forças policiais? Este trabalho não tem a pretensão de propor ao EB ou a nossas Polícias métodos de treinamento. Apenas sugere um modesto roteiro empregado por alguns atiradores esportivos como forma de treinamento. Além de uma escola de “Snipers” [6], o US Army mantém uma unidade de atiradores esportivos, a US Army Marksmanship Unit [7], com intuito declarado de absorver novas técnicas desenvolvidas nesse meio e adaptá-las à realidade militar. O meio esportivo por definição está na vanguarda do emprego de novas técnicas, materiais e métodos de treinamento, e de alguma forma isto pode ser coletado e transferido, com as devidas adaptações para a tropa. Por outro lado, dispõe do TRADOC (US Army Training and Doctrine Command), onde todos os oficiais comandantes e sargentos que serviram em ação permanecem por algum tempo, de forma que sua experiência possa ser absorvida de maneira ordenada e transformada em doutrina rapidamente. É preciso que todo o conhecimento gerado e testado não se perca, sendo documentado e transformado em manuais e transmitido de forma organizada para as gerações seguintes de atiradores.

SOLUÇÕES DENTRO DA OTAN

Diversos países que são membros da OTAN contam também com indústrias tradicionais no setor de armamento leve. A seguir apresenta-se alguns fuzis que se encontram em produção ou em estoque e à disposição das tropas ocidentais. Seu custo  muitas vezes tem forte ingrediente político, mas se considerando seus equivalente semiautomáticos disponíveis para venda no mercado esportivo e de caça norte americano, não excedem a faixa de US$ 5.000,00. O que torna o sistema mais caro é a presença de lunetas sofisticadas, podendo atingir até valores citados de US$ 75.000,00 por unidade de M-110 SASS empregado pelos US Marines, quando equipado com sistemas óticos diurno/noturno mais avançados [2]. Mas caso se opte pelo mercado civil tradicional, mesmo as marcas mais caras, de caça, não excedem o valor de US$ 4.000,00. Pode-se compor um sistema semiautomático, calibre 7.62×51 mm, capaz de atingir alvos a 600 m nas condições de combate, a custos unitários totais (arma + luneta) de US$ 5.000,00 ou menos. Basta que o investimento seja na habilidade e treinamento do atirador, não no equipamento, como faz o Exército Britânico, com resultados lendários. É também difícil comparar pesos e tamanhos das armas, já que existem diversos acessórios que inevitavelmente compõe o aparato e fazem o valor básico mudar, como bipé, luneta, suporte da luneta, carregador (com capacidade para 10 ou 20 tiros), supressor de “flash” de boca de cano, tipo de cano (“bull”) etc.

1) Lewis Machine & Tools L129A1

Fabricado nos EUA, este fuzil foi adotado pelas Forças Armadas britânicas como sua arma para emprego por seus SDM. Utiliza a plataforma do AR-15, com modificações seu peso varia bastante, a partir de 4,4 kg sem acessórios e carregador, mais pesado que o M-14 descarregado [8].

 2) M-14

 Para muitos analistas e escritores americanos, este foi o melhor fuzil fabricado por americanos no calibre 7.62×51 mm. E ele sobrevive sendo modernizado e copiado. É pesado e robusto, tendo sido projetado para ser fabricado em grande quantidade e simples de ser usado. Deriva do M-1 Garand. É o favorito das Forças Especiais americanas nos conflitos assimétricos. Pesa 5,2 kg carregado e atinge a 800 m com emprego de luneta convencional [9].

 3) M-110

Empregado pelos US Marines, esse fuzil é manejado pelo homens do Security Force Regiment, tem parentesco com com o AR-15, pesa 7,0 kg totalmente equipado e permite ao combatente atingir alvos até 800 m em combate. Pode receber supressor de clarão de boca da arma e diversos outros acessórios em seus trilhos [10].

4) HK G28

Provável sucessor dos três modelos anteriores, este fuzil alemão apresenta redução de tamanho desejada sem perda de precisão. É um rifle de batalha, não de assalto, e embora tenha similaridades com o AR-15, tem sistema de recuo à pistão como o HK 417, pesa “pronto” 5,3 kg e tem cerca de 1 m de comprimento. Compete também pela adoção nos Departamentos de Polícia dos EUA e forças Anti-Terror da Europa [11].

Figura 1 – Os autores ilustram um exemplo de combinação descrita neste trabalho e já empregada no 1o. BAC (1oBatalhão de Ações de Comando), onde a tropa portando o Fz Imbel IA2 (à direita, calibre 5,56×45 mm) pode ser recoberta pelo HK G-28 (7,62×51 mm).

5) Beretta AR-200

 Ainda no estágio de ser chamado de ARX200, este modelo da tradicional fábrica italiana para o “Designated Marksman” das tropas italianas. É capaz de receber todo o aparato óptico necessário para a função sem perder as características de fuzil de batalha. Tem como característica extra um gatilho de dois estágios que permite regulagem, fato muito apreciado por atiradores experientes [12].

6) SIG 716

Embora este modelo esteja mais voltado para o mercado policial e esportivo, seu emprego é facilmente aplicável aos chamados “Designated Marksmen”. Tem preço unitário de US$ 2.300,00, recebe qualquer acessório militar ou civil, é mais leve e compacto que os modelos militares [13].

7) Remington R11

Desenvolvido visando o mercado das empresas particulares de segurança, deve estar presente nas futuras licitações do US Army e outros mercados. É um modelo avançado e bastante preciso [14].

FAL, PARA-FAL E IA2

 A análise do caso brasileiro leva invariavelmente ao novo sistema de fuzis IA2 e à antiga família FAL. A solução temporária para este caso parece ser o emprego dos clássicos M964 FAL que ainda existem em estoque e do novo Para-FAL, como apresentado recentemente, com ferrolho ajustado, trilho Picatinny sobre a tampa da caixa da culatra, cano tradicional, bipé e munição comum, adequada a esta situação. Desta forma, lunetas simples de caça podem ser empregadas no Para-FAL [15]. A opção alternativa é a adoção de um modelo da família do IA2 no calibre 7.62×51, com desempenho comprovadamente capaz de engajar alvos a 600 m quando em ação (e não em estande de tiro). A ideia não é competir com o AGLC, cuja distância efetiva pode alcançar a mais de 1 km, e a doutrina  de emprego é bem mais complexa do que os objetivos propostos para este Atirador Recobridor. O sucesso deste elemento no cumprimento de sua missão dependerá mais do seu treinamento do que da qualidade de seu equipamento. Lunetas de caça de boa qualidade, com aumento de cerca de 10X fixo e 42 mm de abertura são empregadas no mundo esportivo para tiros a esta distância de 600 m, com custo unitário situado no comércio americano abaixo de US$ 1.000,00 para marcas consideradas boas, o que pode ser reduzido com a aquisição em escala. E mesmo uma Zeiss Conquest 5-25×50 Black Rapid Z1000 tem preço de cerca de US$ 1.100,00. Modelos militarizados da Zeiss alemã, Leupold  (US) e Nikon (JP), podem ter custos bem maiores, porém a ideia é prover equipamento em grande número para tropas regulares e forças policiais e não equipamento de qualidade metrológica para Forças Especiais.

Figura 2 – A versão modernizada do PARA-FAL permite o acoplamento de diversos acessórios óticos, bipé e apresenta comprimento total menor que original.

 TREINAMENTO

Este combatente não é um Caçador, não devendo receber o treinamento longo e custoso do Caçador. Sua função é outra, qual seja, proteger sua Esquadra, GC ou guarnição policial, não custa repetir. Assim sendo, seu treinamento deve ser ministrado no âmbito da unidade a qual o combatente pertence, com ênfase óbvia nos fundamentos que afetam a balística da munição 7.62×51 mm, quando empregada em distâncias até 600 m. Este treinamento pode retirar a parte de tiro da formação inicial do Caçador, retendo a parte da destreza com o armamento diferenciado, as particularidades da manutenção de 1o e 2o  escalões, limpeza, disparos com as miras tradicionais (alça e massa), ajuste da luneta para o atirador, “zero” da luneta, controle de gatilho e por fim desenvolver capacidade de acertar o alvo no primeiro disparo na distância de 600 m, em condições “adversas”. Este último aspecto é fundamental, devido às razões já explicadas e centrais a este trabalho. E portanto é vital que os treinos ocorram em espaços que simulem emboscadas, exigindo rápida reação com precisão sob pressão psicológica. O combatente deve poder assumir posições de tiro fora do manual. Estandes de tiro favorecem o desempenho e criam a ilusão de boa performance, enquanto a situação real degrada a capacidade do atirador à ponto de incapacitá-lo. Estes militares devem poder participar de competições esportivas militares, policiais e civis, onde exista pressão psicológica, motivação e recompensa. Em especial, provas do tipo IPSC (International Practical Shooting Confederation), nas modalidades conhecidas como “Tri-Gun”, com emprego simultâneo de armas longas e curtas, em ambientes confinados, com alvos a curta e longa distância, estáticos e móveis, constituem um bom treinamento. Um “pista” típica de competição contém alvos à curta e a longa distância, em sequencia imediata, de forma a desestabilizar o competidor e exigir o máximo de suas habilidades desenvolvidas durante o treinamento. A ausência de padrão repetitivo força a preparação sobre fundamentos e não a pura e simples repetição. E por fim, a existência de diversas possibilidades de se executar uma mesma sequencias de alvos torna a criatividade parte do cotidiano do atirador e o prepara para o imprevisto. Por fim, não mesmo importante, a solução de panes nas armas e munições, contra o cronômetro, mantém o senso de urgência natural de se fazer o armamento funcionar de novo.

Figura 3 – Uma pista típica para provas de IPSC “Tri-Gun”. O atirador pode engajar os alvos de diversas formas e em diversas sequências, treinando desta forma sua agilidade, capacidade de decisão e habilidade com a arma.

E por parte das Forças Armadas e das Polícias deve existir idealmente um programa de coleta de experiências, sob liderança de algum órgão de Ensino e/ou Pesquisa, que permita o ajuste contínuo do programa até que este amadureça a ponto de se tornar um manual de formação deste combatente.

CONCLUSÕES

O calibre atualmente empregado pela OTAN e aliados, 5.56×45 mm, e em adoção como padrão pelo Brasil, atende aos requisitos de combate convencional. Porém em ambientes onde predominam o conflito assimétrico e/ou urbano, com a degradação das habilidades dos combatentes devido a diversos fatores, este calibre se torna eficiente somente até 300 m. Inevitavelmente neste caso, o rival a ser confrontado é o calibre 7.62×39 mm russo, adotado em quase a totalidade dos conflitos de larga escala recentes e eficaz até 500 m. Isto já havia levado o componente de Operações Especiais a buscar calibres mais pesados, principalmente o 7.62×51 mm. Com esse tipo de conflito escalando e se tornando cada vez mais comum, agora é o efetivo profissional regular que busca uma solução. E com isso alguns fuzis antigos e diversos novos modelos tem se apresentado para suprir esta lacuna. Não se trata especificamente de armas para atiradores de elite, e sim armas que garantam precisão, potência e fogo semiautomático em distâncias até 600 m. Cabe aos exércitos e forças policiais treinar suas forças regulares para essa nova função.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao 1o BAC, nas pessoas de seu Cmt, Cel Baumgratz e seu Sub Cmt, Maj Franzoni (nocomando em 2017 quando a reportagem foi realizada), e à equipe do Dest Rec e Caçadores, pela acolhida e conhecimentos compartilhados.

Referências Bibliográficas

[1] – http://www.washingtontimes.com/news/2014/aug/19/armys-quits-tests-after-competing-rifle-outperform/

[2] – Barndollar, G. “The Precision Engagement Gap”, Military Operations, V 3, Issue 2, Winter 2016, pp 4-6.

[3] – http://www.usni.org/magazines/proceedings/2010-07/what-really-happened-wanat

[4] – http://www.defesanet.com.br/armas/noticia/22563/Os-calibres-atuais-e-seus-limites-de-emprego-em-Conflitos-Assimetricos/

[5] – U.S. Army Field Manual 3-22.9 Rifle Marksmanship, U.S. Dept. of the Army 2003.

[6] – http://www.benning.army.mil/armor/316thCav/129/Sniper/

[7] – http://www.goarmy.com/events/army-marksmanship-unit.html

[8] – http://www.army.mod.uk/equipment/23221.aspx

[9] – https://en.wikipedia.org/wiki/M14_rifle

[10] – https://www.knightarmco.com/portfolio/m110/

[11] – https://www.all4shooters.com/en/Shooting/pro-zone/Heckler-Koch-G38-assault-rifle/

[12] – http://www.berettadefensetechnologies.com/assault-rifles/arx-200-assault-rifle

[13] – http://www.sigsauer.com/CatalogProductDetails/sig716-dmr.aspx

[14] – http://www.remingtonmilitary.com/firearms/sniper rifles/rsass.aspx

[15] – http://www.defesanet.com.br/laad2011/noticia/613/IMBEL-2011–FUZIS-/

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