Gen Ex Pinto Silva – A nova Doutrina da ONU “Responsabilidade de proteger” versus os interesses Nacionais Brasileiros

Carlos Alberto Pinto Silva[1]

A guerra já não é mais entre nações com fronteiras nítidas, agências de Estado, frentes de exércitos convencionais, comunicados oficiais, bandeiras e hinos nacionais. As sociedades serão atacadas mediante a combinação de ideias, tecnologia e ações de guerra convencional apoiadas por ações guerra irregular, operações de guerra psicológica, emprego violento de atores não estatais com um mínimo de objetivo político (grupos armados, insurgentes, terroristas, milícias e organizações criminosas), e um absoluto controle dos meios de comunicação, visando destruir a vontade política.

A mudança é substancial na natureza dos conflitos e deve, portanto, ser também nas Forças Armadas, que, por sua vez, não deve deixar de manter a necessária capacidade convencional.

Em entrevista recente à imprensa, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que o crime organizado é, no momento, a maior ameaça à soberania nacional. Para ele, a criminalidade no Rio é resultado de décadas de demandas e necessidades básicas da população não atendidas, o que transbordou em forma de violência.[2]

O governo brasileiro procura proteger, levando em consideração antigos paradigmas, seu espaço de soberania nacional em relação a outros Estados. No entanto, a soberania é violada diariamente, não por nações – Estado, mas por membros do crime transnacional que cruzam as fronteiras a procura de novos negócios e por ações criminosas nos estados que impedem que as autoridades exerçam o poder de mando em última estância (Soberania) em áreas definidas, como se observa em muitas comunidades (favelas) do Rio de Janeiro.

Se o crime organizado é a maior ameaça à soberania nacional, seu combate deveria ser responsabilidade e uma atribuição do Governo Federal (Segurança Nacional, portanto Defesa), e não um problema de Segurança Pública.

A nova doutrina "Responsabilidade de Proteger", estabelecida pela ONU em 2005, em que discorre sobre o dever da ONU de proteger civis, mesmo que armados, atacado pelas Forças Armadas do seu próprio país, ou seja, de tomar partido em conflitos internos nos Estados membros está em pleno vigor, conforme nos mostram as seguintes ações:

– O episódio em que o Conselho de Segurança da ONU autorizou o ataque armado internacional à Líbia, “para proteção de civis” contra as forças de Muammar Gaddafi, manifesta a imposição por países proeminentes, a aceitação por estados secundários e, por que não? a omissão dos países emergentes, da chamada “Defesa Coletiva da Democracia”.

Para reforçar a ideia da nova doutrina "Responsabilidade de Proteger", o antigo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, autorizou, no passado, as forças de paz da ONU na Costa do Marfim a empregar "todos os meios possíveis" para defender os civis envolvidos nas escaramuças e combates da guerra civil no país do oeste africano.

É importante ressaltar que segundo a ONU a comunidade internacional deve conhecer o princípio da “Responsabilidade de Proteger”. Estados devem proteger suas populações de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e todos os outros crimes contra a humanidade. Quando obrigação não é cumprida, a comunidade internacional tem de interferir. Isso ocorre porque concilia o conceito de soberania[3] com a responsabilidade que o Estado possui em proteger sua própria população de graves violações de direitos humanos.

Por tanto, quando o Estado não é capaz, ou não assume a responsabilidade de fazê-lo, essa ação recai sobre a comunidade internacional. A ONU apartou o termo “direito de ingerência” que salientava o papel dos países interventores, evidenciando, o direito de ser protegido, ou seja, evidenciando a posição dos beneficiários das intervenções.

Portanto as intervenções a partir de agora, de acordo com princípio da “Responsabilidade de Proteger”, poderão ser feitas em países onde a ordem pública tenha sido comprometida, onde haja repressão e violência, onde não haja mais diálogo entre governo e oposição, onde minorias estejam sendo ameaçadas pelo desrespeito aos direitos humanos (Belo Monte, segundo a OEA?).

É crucial para o governo brasileiro reconhecer, que de acordo com os novos preceitos da ONU, a sua soberania não existe mais ou está muito subordinada as imposições da comunidade internacional, já que essa consideração implica na concordância de que o próprio governo deixou de existir se não for capaz de fazer com que as normas e disposições ordenadas pelo Estado preponderem sobre deliberações de qualquer indivíduo ou grupo social existente no interior de suas fronteiras. O conceito de soberania atual extrapola, também, o exercício da autoridade no campo interno. Ele traduz, ainda, a imagem de que todos os Estados são iguais perante a comunidade internacional, sem considerar a vontade das grandes potencias[4], como vimos no recente ataque a Síria.

A definição: "Soberania, em sentido lato, é o poder de mando de última instância numa sociedade política"(Matteucci).[5]

Soberania refere-se à entidade que não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna. Relaciona-se a poder, autoridade suprema, independência (geralmente do Estado).

A soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro ator.

Por outro lado, os pretextos para desatinos, não esqueçamos, são muitos: a razão da inquisição era a alegada heresia dos que não praticavam os “dogmas religiosos”; a motivação da submissão religiosa dos índios americanos foi a “propagação da fé cristã”; a justificação para o assassinato da família real russa pelos comunistas foi a desculpa de que ela representava “os símbolos vivos de uma Rússia que deveria ser sepultada”; a causa da perseguição de Hitler aos judeus e a outros grupos humanos considerados inferiores foi a preservação da “pureza” da raça ariana.

Neste contexto, as motivações futuras para uma intervenção armada internacional ou ingerência política no Brasil poderão ser a defesa do meio ambiente; dos direitos dos povos indígenas; a falta de proteção aos mananciais de água; o uso abusivo e incorreto da água no agronegócio; a falta de proteção ao Pantanal e ao o Aquífero Guarani; a proteção de minorias; a violência urbana; as riquezas da Amazônia Azul; e até a prisão de líderes políticos. Verificamos, portanto, que pretextos para aventuras internacionais em nosso território não faltam.

Essas considerações são fundamentais para o entendimento de que para o Brasil, na defesa de seus interesses nacionais e contrastando com a doutrina da ONU, a Soberania deve ser inalienável, indivisível e intransferível, não existindo, portanto, possibilidade de a mesma perdurar de forma compartilhada, restringida ou confinada.

Por fim: Quais as estratégias poderão ser usadas pelo Brasil, para enfrentar qualquer ação internacional contra seus interesses sejam internos ou externos?

– Estratégia indireta, onde a decisão será buscada pela utilização preponderante de ações políticas, econômicas e psicológicas.

O método indireto, convém lembrar, utiliza qualquer uma das expressões do Poder Nacional, que não a militar, para persuadir ou coagir o adversário a aceitar uma solução para o conflito. A expressão militar contribui de forma complementar, já que o Poder Nacional é indivisível.

Na verdade, o método indireto emprega, basicamente:

 

– A persuasão: meios diplomáticos e jurídicos; e

– A coerção: meios políticos, econômicos e psicossociais.

– Estratégia direta, em que a decisão será obtida pelo emprego de forças militares como meio principal? A dissuasão convencional, fruto da existência de meios militares e da possibilidade de seu emprego, por seu turno, enquadra-se no âmbito da estratégia direta.

O Brasil ao omitir-se frente à limitação da soberania imposta pelos países desenvolvidos poderá ver o feitiço virar contra o feiticeiro.

Negligenciar a possibilidade de uso da estratégia direta, e consequentemente do Poder Militar, é não ter compromisso com a defesa dos interesses nacionais no campo interno e externo.

Ao se falar em oportunidades para o Brasil na atual conjuntura, cresce de importância a capacidade de exercer Poder como ator regional e global, e caso nossas elites políticas não entendam que exercer Poder é essencial no mundo moderno, o país estará perdendo grandes chances no grupo das nações em desenvolvimento.



[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul e do Comando de Operações Terrestres; Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

[3] “A soberania não deve ser um escudo atrás do qual os governos ou os grupos armados possam se esconder, a discussão com relação à soberania está em evolução.” Richard Feinberg – ex-assessor do então Presidente Bill Clinton para Segurança Nacional e Preside.

[4] Estados Unidos, França e Inglaterra.

 

[5] Fonte: BOBBIO, Norberto.; MATTEUCCI, Nicole.; PARQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução por João Ferreira. 2. ed. Brasília, DF: Ed. da Universidade de Brasília, 1986.

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