Villas Boas – “Crise atinge a identidade nacional”

Maria Cristina Fernandes

Levado numa cadeira de rodas, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, vítima de uma doença degenerativa, o general de 67 anos costuma recorrer a uma bomba de oxigênio e se alimenta, parcialmente, por sonda gástrica.

Nenhuma destas limitações o impediu de cantar o hino nacional e fazer um breve discurso durante a posse do novo comandante militar do Sudeste, general Luiz Eduardo Ramos de Batista Pereira: "A crise começa a atingir a identidade nacional e enfraquecer nossa essência".

Há um mês, às vésperas do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o general fez dois comentários em rede social. Num questionava a preocupação das instituições com o bem do país. Noutro, assegurava que o exército compartilhava o repúdio à impunidade e o respeito à Constituição e se mantinha atento às suas missões constitucionais.

Na véspera do Natal, o comentário poderia ter passado desapercebido. Naquela nervosa véspera de julgamento, no entanto, foi recebido a torto e a direito como interferência indevida na vida civil. O general se surpreendeu com a repercussão negativa, ficou mais precavido, mas não se calou.

No discurso de ontem homenageou os policiais que "saem de cassa sem saber se voltarão" e exortou São Paulo, "a quem o Brasil deve o processo de modernização pós-1932", a assumir a liderança de um "projeto de resgate para o Brasil".

Atribuiu ao comando militar sediado em São Paulo uma integração ímpar com a sociedade brasileira. Lá estavam o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Trabuco, e o presidente da Fecomercio, Abram Szajman, além de presidentes de algumas das quase 40 mil empresas com as quais o exército mantém relações como cliente de insumos e fornecedor de serviços de fiscalização e controle. "Cabe a São Paulo resgatar um projeto para colocar o Brasil em direção à grandeza. Aí estão o Norte e o Nordeste a esperar que São Paulo mobilize as forças nacionais e o sentimento de emergência do país".

Não faltavam ecos de 1964. A cerimônia aconteceu no pátio Mario Kozel, homenagem ao soldado morto há 50 anos, em atentado da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), guerrilha integrada pela ex-presidente Dilma Rousseff. Mas o general tratou de limitar o escopo de seu discurso: "Falo como soldado e brasileiro, compartilhando a desesperança e as angútias do país".

Na primeira fila do palanque, perfilaram-se o ministro da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, o comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Ferreira, e o comandante militar do Sudeste e interventor da Segurança Pública do Rio, general Walter Braga Netto. Dois presidenciáveis, Aldo Rebelo (SD), e Jair Bolsonaro (PSL) dividiam a primeira fileira da cerimônia.

O ex-capitão do exército foi aplaudido pelas mulheres de oficiais, parceiras em campanhas de reinvidicação salarial que marcaram sua carreira, mas o ex-ministro da Defesa foi o único dos dois a merecer citação na nominata de Villas Boas. O ritual traduz a relação das Forças Armadas com os postulantes. A base está com Bolsonaro, mas a cúpula do Exército resiste ao ex-capitão que se insurgiu contra a hierarquia militar e mantém Rebelo como interlocutor de um meio político que colocou barbas de molho em relação às ingerências militares.

É um general do Exército quem comanda, há dois meses, a Defesa, mas o próximo presidente não deverá enfrentar grandes resistências se recolocar um civil na Pasta. Em trajes civis, Luna e Silva foi recepcionado como comandante militar no Ibirapuera. "Brasil", gritou. "Acima de tudo", respondeu a tropa.

A sucessão de Villas Boas é mais intricada. Se sua saúde permitir, permanecerá no posto até o fim deste governo. São 16 os generais de quatro estrelas elegíveis ao cargo, entre os quais o novo comandante militar do Sudeste. Oficial do gabinete do comandante do Exército no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o general Ramos integrou o time que fazia a interlocução com o Congresso.

Costuma dizer que ali tomou gosto e adquiriu traquejo na política, mas seus amigos acham que o atributo antecede a chegada a Brasília. No comando de uma operação militar no Rio, foi consultado por um oficial, em meio a um tiroteio, o que fazer com a banda do exército que lá estava: "Manda tocar o hino do Flamengo e subir o morro".

 

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