Cenários, Operações no Amplo Espectro e Brigadas de Cavalaria Mecanizadas

General de Brigada Valério Stumpf Trindade


A 1ª edição da Revista Doutrina Militar Terrestre publicou excelente matéria sobre as Operações no Amplo Espectro do Conflito. Pretende-se neste breve artigo ampliar a discussão do tema, fazendo ainda considerações sobre a Bda C Mec nesse contexto operacional.

Cenários

O mundo em que vivemos é complexo e as mudanças ocorrem em ritmo célere. Somos frequentemente surpreendidos por fatos que pareciam improváveis. A História tem demonstrado que os cenários prospectivos não se constituem em projeção linear de tendências correntes. O mundo contemporâneo não está, necessariamente, mais perigoso; mas está, certamente, mais instável e imprevisível, como recentes acontecimentos bem demonstram.

O término da Guerra Fria tornou obsoletas generalizações simplificadoras decorrentes da bipolaridade ideológica e militar até então vigentes. A conjuntura atual é caracterizada por um ambiente estratégico multipolar, conturbado, incerto e volátil. Nenhum país está livre de ameaças, ainda que, muitas vezes, se manifestem de forma difusa. Diante das incertezas, o “custo do não engajamento do Brasil na nova ordem internacional pode ser muito maior que o ônus imediato, que é o investimento na capacitação, no preparo e no desenvolvimento de meios necessários ao exercício da soberania”(2).

A globalização reduziu a capacidade de os países exercerem controle sobre sua cadeia de suprimento, tornando-os mais interdependentes, reduzindo a possibilidade de conflitos entre estados, particularmente os relacionados às conquistas territoriais, que trazem problemas insolúveis à potência ocupante.

O cenário marcado pela conquista de colônias, mercados e territórios, característico do século XIX e primeira metade do século XX, não mais se repetirá. A democratização também contribui para a paz. Kant afirmava no século XVIII que governos democráticos fariam menos guerra, pois enfrentariam resistência da população para arcar com seu ônus(3).

Mais realista que a “paz democrática”, sintetizada nas palavras de Kant, é o conceito da transição de poder. A conjuntura mundial, nessa visão, evoluiu do sistema bipolar da Guerra Fria para uma tentativa de sistema unipolar. Vivenciase hoje um sistema unipolar no campo militar e multipolar nos demais campos, com continuada transferência de poder e recursos a países emergentes.

Os estados que perdem recursos e influência tendem, todavia, a se reorganizar para evitar essa transição de poder, elevando a tensão e possibilitando a ocorrência de conflitos intraestatais, por motivos reais ou fabricados. De acordo com S. Gray, em seu livro Future Warfare: Another Bloody Century, o contexto político das guerras do século XXI terá como tema principal o esforço dos EUA para manter sua hegemonia em face das ações de seus rivais visando apressar o declínio relativo(4) norte-americano.

Não obstante, outros fatores de instabilidade se projetam, como, por exemplo, os decorrentes da disputa por escassos recursos naturais. As denominadas novas ameaças — terrorismo, narcotráfico, crime organizado, proliferação nuclear, ataques cibernéticos e questões ambientais — são condicionantes comuns que irão afetar a conjuntura da segurança e da defesa das nações no futuro próximo. Ainda questões relativas a etnias, movimentos sociais ou de cunho revolucionário e ideológico constituir-seão em vetores de instabilidade.

O contexto das guerras do futuro certamente estará imbricado a esses fatores de risco. Verifica-se, que a incidência de conflitos entre estados, embora menos provável, permanece uma realidade. Os exércitos não podem descuidar de seu preparo: a capacidade de dissuasão, inerente a forças bem equipadas e adestradas, é imprescindível à prevenção de conflitos.

Por outro lado, a desigualdade — seja econômica, política ou social ou entre nações, grupos ou indivíduos — alimenta a percepção de injustiça dentre aqueles cujas expectativas não são atingidas, induzindo tensões e conflitos. Essa situação afeta a paz social, favorecendo a proliferação do crime organizado que, se associado ao extremismo religioso ou ideológico, resulta em ambiente permissivo ao terrorismo.

Como durante a Guerra Fria, as “guerras por delegação” (do inglês, proxy war) continuarão presentes. Essa forma de conflito hoje pode ser caracterizada na guerra civil síria, onde se observa a interveniência externa junto às facções em conflito, oriunda de países com interesses na área e de milícias. Não se pode afastar a possibilidade do retorno desse tipo de conflito às áreas de interesse do Brasil.

O subcontinente sul-americano, parte do entorno estratégico brasileiro, é área com vocação histórica de paz. A “integração sul-americana permanece como objetivo estratégico da política externa brasileira"(5); isso, todavia, não a isenta de conflitos. O subcontinente é região de recursos naturais abundantes, que despertam interesse internacional. A crescente demanda por esses escassos recursos pode traduzir-se em divergência de interesses e conflitos. Há ainda potenciais fatores de instabilidade regional como os delitos transfronteiriços, aí incluído o narcotráfico, demandas sociais reprimidas, disputas pela posse da terra, assimetrias socioeconômicas, dentre outros.

Projeta-se, portanto, um cenário caracterizado por um ambiente estratégico multipolar e volátil, com ameaças difusas e incertas; o teatro de operações provável, no entanto, pode ser visualizado com mais precisão.

Em tese, o Exército Brasileiro poderia priorizar sua preparação para operar em área operacional continental (AOC) ou em teatro extracontinental, no caso de operações expedicionárias.

O Exército Britânico, por exemplo, reestruturou-se para realizar operações expedicionárias, como no Iraque e no Afeganistão, adquirindo significativo número de viaturas blindadas sobre rodas, próprias para aquela área operacional e tipo de operação. Iniciou ainda processo de reorganização de suas brigadas, padronizando-as, facilitando assim a substituição no TO, no caso de operações prolongadas.

Em 2012, para enfrentar as ameaças de um futuro incerto pós-Afeganistão, reorientou esse processo: o Exército Britânico 2020, uma força de 82 mil homens, estará organizado tendo como base uma força de reação (uma divisão a três brigadas blindadas e uma brigada de assalto aéreo)(6).

No caso brasileiro, o Exército precisa, para cumprir sua missão constitucional de Defesa da Pátria, organizar-se, equipar-se e preparar-se para operar em AOC, terreno de natureza bastante diversa do Teatro de Operações (TO) enfrentado pelos britânicos no Afeganistão. Cabe destacar a diretriz primeira da Estratégia de Defesa Nacional: “dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres”(7).

A constituição de uma força expedicionária no contexto de operações de paz deve ser, ao menos por enquanto, uma missão subsidiária.

Operações no Amplo Espectro

O processo de mudança na forma como as guerras são conduzidas é permanente. A História mostra, todavia, que a arte da guerra evolui de forma irregular, com grandes descontinuidades(8).

Pode-se afirmar, desse processo evolutivo, que alguns consensos foram produzidos. O conflito permanecerá com foco na influência sobre as pessoas; a população, cada vez mais, passa a ser o centro de gravidade. A batalha pela notícia é chave para a conquista da opinião pública e, também, para o sucesso das operações.

Os conflitos futuros serão, majoritariamente, decididos em teatros de operações assimétricos, onde há significativa diminuição das vantagens comparativas dos exércitos modernos em relação a seus potenciais adversários. O campo de batalha será inerentemente multidimensional e não linear, envolvendo elementos aéreos, terrestres e marítimos, bem como o espectro eletromagnético e o ciberespaço.

Muito se escreveu, nos últimos anos, sobre a evolução da arte da guerra, com prolífica produção de doutrina e de conceitos operacionais: Revolução em Assuntos Militares, Guerra Híbrida, Guerra Assimétrica, Guerra de Quarta Geração, Operações no Amplo Espectro, dentre outros
tantos.

A Revolução em Assuntos Militares (RAM) é caracterizada por mudanças radicais na condução da guerra, decorrentes de incorporação de novas tecnologias, modernização doutrinária e de conceitos operacionais e organizacionais(9). Segundo Krepinevich, teriam ocorrido quatorze RAM desde o século XIV(10). A mais recente RAM, também chamada Doutrina Rumsfeld(11), defendia, marcadamente a partir do final dos anos 90, uma transformação com base na tecnologia da informação (Network-centric warfare) aliada a mudanças organizacionais e redução dos efetivos militares.

A experiência decorrente das operações de estabilização após a invasão do Iraque, em 2003, no entanto, demonstrou a imperiosa necessidade de “boots on the ground” e praticamente enterrou esse pensamento.

Em 1989, William S. Lind desenvolvia o conceito da Guerra de 4a Geração (G4G), o qual não despertou atenção senão após o 11 de Setembro. A G4G foi concebida como uma forma de conflito complexa, de longo prazo, que inclui, além das operações convencionais, ações de guerrilha, adversários não estatais, guerra psicológica etc(12).

A G4G derrotou os EUA no Vietnam, no Líbano e na Somália; a França na Indochina; e a União Soviética no Afeganistão. Segundo Lind, a G4G sucedia a Guerra de 3ª Geração, evidenciada pela Blitzkrieg. A Guerra de 1ª Geração foi caracterizada como a guerra de “linha e coluna”, das batalhas formais e campos de batalha ordenados dos séculos XVI a XIX, e a Guerra de 2ª Geração marcada pelas batalhas da 1ª Guerra Mundial, onde a “artilharia conquistava” e a “infantaria ocupava”.

Segundo alguns estudiosos, os conflitos no Iraque e Afeganistão marcaram o surgimento de um “novo contexto estratégico” (talvez não tão novo, se lembrarmos do Vietnã…). Nesse cenário, múltiplas formas de combater eram empregadas simultaneamente com o intuito de alcançar um objetivo: estava caracterizada a guerra híbrida.

As ameaças híbridas incorporam amplo espectro de formas de combate: a guerra convencional, as táticas irregulares e de guerrilha. Os estados, nesse contexto, conduziriam guerra irregular em paralelo com a convencional. A Estratégia da Resistência do Exército Brasileiro certamente ratifica esse entendimento.

Na visão norte-americana, o termo “híbrido” descreve a complexidade crescente dos conflitos, que requer das forças adaptabilidade e resiliência; descreve também a natureza do inimigo a ser enfrentado, não se configurando uma nova forma de guerra. Destarte, a expressão guerra híbrida não foi incorporada à doutrina do Exército norteamericano(13); o conceito adotado foi Full Spectrum Operations.

O estudo das Operações no Amplo Espectro do Conflito ganhou maior evidência a partir da edição do manual de campanha 3-0 “Operações” (FM 3-0 “Operations”) do Exército dos Estudos Unidos, em fevereiro de 2008, que representou importante redirecionamento na abordagem das ameaças e desafios a serem enfrentados.

A formulação do FM 3-0, de 2008, consolidou ensinamentos da chamada “Guerra ao Terror”, particularmente nos conflitos no Afeganistão e no Iraque, estabelecendo a doutrina para esse tipo de operação(14). A doutrina operacional Full Spectrum Operations tem sido considerada tão influente como a Active Defense, de 1976, e a AirLand Battle, de 1982. O conceito operacional Active Defense foi adotado no FM 100-5 Operations, de 1976, no contexto da Guerra Fria, inspirado nas lições da Guerra do Yom Kippur, de 1973, em que se buscava a decisão na batalha defensiva na Europa Central contra forças numericamente superiores da União Soviética, com o emprego de agressivos contra-ataques de destruição.

A doutrina AirLand Battle, adotada no FM 100-5 Operations, de 1982, enfatizava cerrada coordenação entre as forças, em uma agressiva manobra terrestre associada a ataques aéreos na retaguarda das forças inimigas. Ficou bem caracterizada na Guerra do Golfo de 1990-91.

De acordo com o FM 3-0, de 2008, nas Operações no Amplo Espectro aplica-se poder de combate em contínua e simultânea combinação de quatro atitudes: ofensiva, defensiva, operações de estabilidade e de apoio à população civil. No caso norte-americano, as Operações no Amplo Espectro ficaram bem caracterizadas nos conflitos no Iraque e no Afeganistão: um contexto de força expedicionária atuando em ambiente hostil.

É interessante agregar uma perspectiva britânica do assunto. Tinley, por exemplo, considera que as Operações no Amplo Espectro exigem um adestramento tão complexo que seria questionável a capacidade de um exército se preparar adequadamente para todas as eventualidades(15). Tal dificuldade certamente é maior em exércitos com conscrição. Nessas operações, portanto, comandantes de todos os níveis enfrentam desafios no adestramento: “preparar sua tropa para a missão mais provável e desenvolver capacidades que permitam uma rápida e fácil adaptação a operações em qualquer
parte do espectro do conflito”(16).

É importante observar que, com a edição da Publicação Doutrinária do Exército 3-0 “Operações Terrestres Unificadas” (ADP – Army Doctrine Publication 3-0, “Unified Land Operations”), de 2011, o Exército dos EUA começou a substituir a doutrina Operações no Amplo Espectro, que “capturou as lições mais críticas de quase dez anos de continuado combate terrestre [no Afeganistão e Iraque]”(17).

Ao observamos marcos doutrinários recentes do Exército dos EUA — Active Defence (1976), AirLand Battle (1982), Network-centric Warfare (1998), Full Spectrum Operations (2008) e United Land Operations (2011) — verifica-se que a doutrina Operações no Amplo Espectro foi, relativamente, de curta duração.

A publicação ADP 3-0 Unified Land Operations afirma que: “a Unified Land Operations não reflete apenas o passado, mas olha para o futuro incerto […], é a evolução natural de doutrinas anteriores. O conceito operacional AirLand Battle reconhecia a natureza tridimensional da guerra moderna, enquanto a Full Spectrum Operations reconhecia a necessidade de conduzir, simultaneamente, uma fluida combinação de operações ofensivas, defensivas e de estabilidade. […] A ideia central da Unified Land Operations é que o Exército deve conquistar, manter e explorar a iniciativa para obter uma posição de vantagem relativa em operações terrestre continuadas, criando
condições favoráveis à resolução do conflito”(18).

Esse novo conceito operacional é “baseado na doutrina AirLand Battle, embora mantenha muitas das características fundamentais da Full Spectrum Operations, enfatizando que a letalidade é fundamental para o sucesso das operações”(19).

A nova doutrina Unified Land Operations “reorienta os líderes para organizarem suas forças e ações de forma a buscarem posição de vantagem relativa sobre o inimigo, conquistando, explorando e mantendo a iniciativa — uma significativa diferença da busca do equilíbrio entre operações de combate e as tarefas de estabilidade”(20), linguagem das Operações no Amplo Espectro.

A doutrina do Exército Brasileiro começa a incorporar o conceito das Operações no Amplo Espectro. Por oportuno, cabe destacar observações do Coronel Hertz em seu artigo. A abrangente Concepção de Emprego da Força Terrestre: “É interessante considerar que a maioria dos argumentos utilizados para justificar alterações na estrutura de uma Força ou em sua doutrina normalmente se ampara nas previsões sobre as ameaças futuras, em evoluções na natureza da guerra ou em consumado hiato tecnológico que ameace, pela obsolescência, seus equipamentos militares. Em nosso caso, tal iniciativa ocorre em meio à consolidação de termos militares utilizados por exércitos com larga experiência expedicionária…” (21)

Há sempre que se considerar a adequabilidade de conceitos oriundos de exércitos que realizam seus planejamentos com base em cenários distintos dos brasileiros. Nesse caso, entende-se que as Operações no Amplo Espectro apresentam novos desafios que exigirão a incorporação de novas capacidades à Força Terrestre, tornando-a mais eficaz para enfrentar as ameaças que o futuro apresentará.  No artigo “Operações no Amplo Espectro: Novo Paradigma do Espaço de Batalha”, o autor afirma: “O que se busca, nesse novo ambiente, são duas ideias-forças que visam a ampliar a possibilidade de:

1º) condução de operações ofensivas, defensivas, de pacificação e apoio a órgãos governamentais ou autoridades civis, no mesmo espaço físico, de forma simultânea ou sucessiva; e

2º) os escalões menores que Força Terrestre Componente combinarem atitudes, isto é, capacitar os Grandes Comandos Operacionais e as Grandes Unidades da Força Terrestre ao emprego de seus elementos de manobra na condução operações ofensivas, defensivas, simultaneamente às de Pacificação, de GLO, no ambiente interno, de ajuda humanitária etc.”(22)

O autor destaca dois conceitos: flexibilidade e adaptabilidade. A flexibilidade deve ser entendida como a capacidade de uma força dispor de estruturas com mínima rigidez, permitindo a adequação às especificidades de cada situação de emprego e facultando ao comandante a possibilidade de reorganizar os elementos de combate em estruturas temporárias; e a adaptabilidade como sendo a capacidade de se ajustar à constante evolução da situação e às condicionantes que determinam a forma como os meios serão empregados em todo o espectro do conflito. O autor afirma ainda que na realidade brasileira as Operações no Amplo Espectro contemplam, como concepção doutrinária, o propósito maior da existência das Forças Armadas brasileiras: a Defesa da Pátria.

Como se viu, nas Operações no Amplo Espectro, as Grandes Unidades (GU) devem ser capazes de empregar seus elementos de manobra na condução de operações ofensivas e defensivas simultaneamente às de Pacificação, de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e de ajuda humanitária. E as Bda C Mec, como se inserem nesse contexto?

Brigadas de Cavalaria Mecanizada

As Bda C Mec foram criadas nos anos 70, em cenário de conflito convencional, como uma força tática e logisticamente autônoma, capaz de operar isoladamente como uma força blindada leve. O Manual de Campanha C 2-30 “Brigada de Cavalaria Mecanizada”, de 2000, estabelece suas possibilidades, dentre as quais destacamos: “- Conduzir operações de reconhecimento em largas frentes e grandes profundidades, durante a execução das operações de segurança.

– Realizar operações ofensivas e defensivas, como elemento de economia de forças ou no cumprimento das missões de segurança.

– Realizar ações ofensivas altamente móveis, particularmente, as manobras de flanco, o aproveitamento do êxito e aperseguição.

– Na defensiva, realizar movimentos retrógrados ou atuar como força de fixação na defesa móvel.

– Realizar operações de Defesa Interna e ações de Defesa Territorial.”(23)

Verifica-se que a Bda C Mec foi concebida com capacidade de cumprir missões em um largo espectro das operações, da Defesa Territorial a ações ofensivas altamente móveis. Para tanto, foi organizada com dois Regimentos de Cavalaria Mecanizados (RC Mec) e um Regimento de Cavalaria Blindado (RCB), combinando meios sobre lagartas e sobre rodas, maximizando assim sua flexibilidade e adaptabilidade a cenários diversos. Sua doutrina, organização e material de emprego militar de dotação lhe conferem características como a mobilidade tática e estratégica; a potência de fogo; a proteção blindada; a ação de choque; a flexibilidade e um sistema de comunicações amplo e flexível.

Deve-se destacar ainda a flexibilidade resultante da capacidade do RC Mec de se reorganizar em pelotões ou esquadrões provisórios (de exploradores, de viaturas blindadas de reconhecimento, de fuzileiros e de morteiros) e a condição do RCB, única na Força Terrestre (F Ter), de constituir Força-Tarefa já no escalão OM, proporcionando assim maior sinergia entre seus fuzileiros e carros de combate e facilidade no adestramento. Importante mencionar que o RCB, desde sua criação, é uma unidade de armas combinadas, conceito “moderno” recentemente introduzido pelo Exército dos EUA(24), cuja adoção é considerada na F Ter. O R C Mec também incorpora esse conceito.

A Cavalaria mecanizada, embora criada no contexto do combate convencional, em função de suas características, organização e material de emprego militar, possui efetiva capacidade de conduzir Operações no Amplo Espectro, possivelmente melhor do que qualquer outra GU da Força Terrestre. Pode-se contextualizar essa capacidade ao se visualizar uma Bda C Mec operando no Amplo Espectro, combinando atitudes, empregando de forma simultânea um RCB em ação ofensiva, um RC Mec em atitude defensiva, em economia de meios, e o outro regimento em missão de apoio a órgãos governamentais, com uma reserva hipotecada.

A adequação da Bda C Mec às Operações no Amplo Espectro decorre particularmente de sua mobilidade tática e estratégica, da potência de fogo, da proteção blindada, da flexibilidade e do sistema de comunicações, que lhe confere a adaptabilidade necessária para atuar nesse complexo cenário. Essas mesmas características proporcionam excelentes condições para a Bda C Mec atuar em Operações de Paz.

Deve-se observar que as Bda C Mec, em face de seu pré-posicionamento, possuem larga experiência e adestramento em operações na faixa de fronteira no enfrentamento aos ilícitos transfronteiriços e ambientais — operações interagências com cerrado contato com a população civil. Ações semelhantes a essas certamente repetir-se-ão em um ambiente operacional de amplo espectro. Importante destacar ainda características que distinguem o soldado de Cavalaria — em particular a liderança, a iniciativa e a flexibilidade — forjadas no adestramento em operações de movimento e amplamente descentralizadas.

O manual C 2-1 “Emprego da Cavalaria” já afirmava que a vitória estará com aqueles que “souberem conquistar e manter a iniciativa, possuírem capacidade para conceber e executar com rapidez as operações e tiverem a necessária flexibilidade para alterar atitudes, missões e a constituição de suas
forças…”(25).

A Bda C Mec, para cumprir uma missão de Força de Cobertura, precisa mais do que simplesmente reconhecer o terreno e localizar o inimigo, é necessário que destrua as tropas de reconhecimento e de segurança do inimigo, de forma a garantir espaço de manobra à tropa coberta e manter a iniciativa. A brigada deve, portanto, ter capacidade de durar na ação e de engajar-se no combate. Dentre as missões defensivas, a mais frequente é a Ação Retardadora, na qual normalmente a Brigada se desdobra em larga frente, procurando infligir ao inimigo o máximo de retardamento e desgaste, sem se engajar decisivamente.

Precisa para isso ter capacidade de realizar contra-ataques de desaferramento. Na Defesa Móvel, a Bda C Mec deve, em princípio, atuar como Força de Fixação, retardando e canalizando o inimigo. Para realizar ações ofensivas móveis, manobras de flanco, aproveitar o êxito e perseguir o inimigo desorganizado, a Bda C Mec requer mobilidade tática, flexibilidade, ação de choque e proteção blindada.

Verifica-se, portanto, que para a Bda C Mec cumprir suas missões clássicas necessita das capacidades decorrentes da combinação de meios sobre lagartas e sobre rodas. O mesmo pode-se dizer em relação às operações urbanas, bastante prováveis em cenário de Amplo Espectro, como bem se observou em operações no Complexo do Alemão, no Haiti e na Faixa de Gaza. No Haiti, a abertura de fossos impediu o deslocamento de viaturas sobre rodas; no Complexo do Alemão foram obstáculos de concreto.

A missão precípua do Exército é a Defesa da Pátria. O preparo para essa missão se dá em AOC, terreno, como se sabe, com restrição ao movimento de viaturas sobre rodas através campo. Deve-se mencionar, como paralelo, que o aumento da quantidade de blindados sobre rodas nos exércitos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na última década, decorreu, particularmente, em face da mudança de TO, da Europa Central para as regiões desérticas do Afeganistão e Iraque.

Para conduzir operações no Amplo Espectro, um comandante precisa dispor de meios com mobilidade tática e estratégica, capacidade de reconhecer, retardar, atacar e contra-atacar, atuar em ambiente urbano, conduzir operações de GLO e de ajuda humanitária, dentre outras. Certamente essas ações serão realizadas com maior eficácia se o comandante da brigada dispuser de meios com balanceada composição de viaturas sobre lagartas e sobre rodas, como é caso da Bda C Mec.

Claro está que essa combinação de meios não se traduz só em aspectos positivos, há também desvantagens: (A) a atividade logística manutenção é mais complexa: há que se manutenir viaturas sobre rodas e sobre lagartas; (B) a mobilidade estratégica, importante capacidade da Bda C Mec, é prejudicada, já que os meios sobre lagartas, em grandes distâncias, precisam ser transportados sobre pranchas.

Essas desvantagens, contudo, devem ser contextualizadas. No que se refere à logística, em que pesa a maior dificuldade para um Batalhão Logístico (B Log) manutenir viaturas sobre rodas e lagartas, essa é atividade já consolidada na Bda C Mec. Como referência, o índice de disponibilidade  das viaturas blindadas M-113 da 1ª Bda C Mec é de 62%(26), não inferior ao das brigadas blindadas.

Deve-se considerar ainda a possibilidade, já adotada por grande parte dos exércitos modernos, de terceirizar a manutenção de escalão mais elevado dos blindados, o que aliviaria as demandas logísticas dos B Log. As restrições, no que se refere à mobilidade estratégica, são amplamente compensadas pela mobilidade tática.

Eventuais dificuldades logísticas e na mobilidade estratégica são eclipsadas por fatores que decorrem, particularmente, dos conceitos ligados às Operações no Amplo Espectro: a combinação de meios sobre lagarta e sobre rodas proporciona grande flexibilidade e adaptabilidade à Bda C Mec, permitindo que a GU combine atitudes e conduza operações urbanas, de pacificação e de apoio a órgãos governamentais em melhores condições, além de lhe proporcionar poder de combate adequado para cumprir suas missões clássicas.

Não se quer afirmar, no entanto, que a Bda C Mec não necessite ser atualizada. Para cumprir com eficácia suas missões clássicas e as novas, decorrentes das Operações no Amplo Espectro, a Bda C Mec precisa ser modernizada/transformada, incorporando novos meios e tecnologias. Nesse processo, deve-se evitar reduzir seu poder relativo de combate e subtrair meios que lhe proporcionam a flexibilidade e a adaptabilidade necessárias para operar no amplo espectro.

Cabe mencionar, materiais de emprego militar já adotados em quadros de dotação de material e ainda não incorporados, que proporcionariam importante ganho tecnológico e aumento do poder de combate, dentre os quais se destacam:

– Radares de Vigilância Terrestre;
– Viaturas blindadas leves para os Grupos de Exploradores (G Exp), Pelotões (Pel) de Comando e Pel Exp;
– Lançadores de Granadas para os G Exp;
– Armas Anticarro (AC) descartáveis para os G Exp e Grupos de Combate;
– Câmera de imagem térmica e telêmetro laser;
– Míssil AC de médio alcance;
– Canhão AC para os Pel de Apoio dos Esquadrões de Fuzileiros Blindados (Esqd Fuz Bld).

A Bda C Mec, para cumprir suas missões no cenário das Operações no Amplo Espectro, precisa ampliar sua capacidade de Reconhecimento e Vigilância, para isso é necessário dotá-la de sistemas de aeronaves remotamente pilotadas (SARP). Inicialmente, uma fração com aeronaves das categorias 2 ou 3 operaria diretamente em proveito da brigada ou reforçando os regimentos de 1º escalão.

Em uma segunda fase, buscarse-ia mobiliar os regimentos com SARP táticos orgânicos (categoria 1). Quanto aos veículos Cascavel e Urutu é inegável que precisam ser substituídos; sãoblindados dos anos 70. Como se sabe, o substituto do Urutu já está na linha de produção. A viatura blindada de reconhecimento (VBR) que substituirá o Cascavel ainda será desenvolvida e sua configuração está sujeita a discussões.

No que tange ao apoio de fogo, sugerese dotar o GAC orgânico da Bda C Mec de equipamento autopropulsado sobre rodas, que garantiria maior rapidez na entrada em posição e continuidade do apoio. Hoje, por exemplo, a 2ª Bda C Mec é dotada de Artilharia 105 Autopropulsada  (AP) sobre lagartas; a 1ª Bda C Mec é dotada de Artilharia 105 Autorrebocada (AR), sobre rodas.

Quanto ao apoio de fogo orgânico dos regimentos, sugere-se embarcar seus meios, de forma a que os morteiros (Mrt) operem do interior de viaturas blindadas (Mrt 81 mm e Mrt 120mm). Deve-se considerar a possibilidade de aligeirar o RCB, substituindo um Esquadrão de Carros de Combate por um Esquadrão de Exploradores, mobiliado com blindados leves equipados com mísseis, metralhadoras ou sensores, conforme a natureza missão.

Essa alteração na organização do RCB tornaria a unidade mais flexível, adaptável e ágil para emprego em Operações no Amplo Espectro, com pequena redução de seu poder de combate. Cabe recordar que o RCB já conta em sua organização com um Pel Exp.

A Bda C Mec precisa desenvolver sua elasticidade, entendida como sendo a capacidade de, dispondo de adequadas estruturas de Comando e Controle e de Logística, aumentar seu poder de combate pelo acréscimo de estruturas.  Assim, uma Bda C Mec deve ter condições de receber módulos de combate, como, por exemplo, um Batalhão de Infantaria, uma Companhia de Polícia do Exército ou um Regimento de Carros de Combate, ampliando suas capacidades para operar no amplo espectro.

Considerações finais

Pretendeu-se com essas breves considerações contribuir para a discussão da transformação da Bda C Mec no contexto da doutrina que passa a ser adotada pelo Exército: as Operações no Amplo Espectro. Verificou-se que, embora os cenários e ameaças a serem enfrentados sejam difusos e incertos, o teatro de operações, caso o Exército continue a priorizar sua missão constitucional — a Defesa da Pátria — é mais concreto: a área operacional continental. Essas áreas, sabe-se, restringem significativamente o movimento de viaturas sobre rodas fora dos eixos.

Procurou-se contextualizar as Operações no Amplo Espectro na evolução da arte da guerra pós-Guerra Fria e pinçar aspectos mais relevantes da nova doutrina. Destacou-se, dentre eles, a capacidade para empregar elementos de manobra na condução de operações ofensivas e defensivas, simultaneamente às de Pacificação, de GLO e de ajuda humanitária, bem como a combinação de atitudes em escalões menores.

Considerou-se que as características da Bda C Mec, particularmente sua mobilidade tática e estratégica, potência de fogo, proteção blindada, flexibilidade e comunicações amplas e flexíveis —, sua organização e meios lhe conferem a adaptabilidade e flexibilidade indispensáveis para atuar no Amplo Espectro, possivelmente em melhores condições que qualquer outra GU da F Ter. A Bda C Mec possui unidades de organização moderna que incorporam o conceito de unidades de armas combinadas, recentemente adotado no Exército dos EUA.

Tratou-se da modernização/transformação das Bda C Mec, sem pretender esgotar o assunto. Elencaram-se ações que trariam maior capacidade operacional à GU. Para tanto, as Bda C Mec precisariam de prioridade compatível com suas possibilidades de atuar no Amplo Espectro.

O adestramento para Operações no Amplo Espectro é complexo. A tropa precisa estar preparada para as missões mais prováveis e dispor de flexibilidade e adaptabilidade que permitam eficaz adequação a cenários alternativos. A História é pródiga em exemplos de forças empregadas em missões para as quais não haviam sido originalmente designadas. Flexibilidade e adaptabilidade são, portanto,capacidades essenciais para uma força atuar no Amplo Espectro. As Bda C Mec as têm.
 

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Publicado Originalmente: DOUTRINA militar TERRESTRE em revista | Ano 001 | Edição 003 | Julho a Setembro/ 2013 – Centro de Doutrina do Exército

O Autor: O General de Brigada Stumpf é o atual comandante da 1ª Brigada de Cavalaria Mecanizada do Exército Brasileiro – Brigada Menna Barreto. Foi instrutor da AMAN e das Escolas de Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO e de Comando e Estado-Maior do Exército – ECEME.

Serviu como Observador Militar das Nações Unidas em Angola e na ex-Iugoslávia. Realizou o curso de Gerenciamento de Defesa na Naval Post Graduate School, Califórnia-EUA. Foi Adido Militar no Reino Unido. Ao ser nomeado para o cargo atual, exercia a função de Chefe do Centro de Operações
do Comando Militar do Oeste.

NOTAS
1. Estrategista militar dos EUA, citado em Future Warfare: Another Bloody Century. Pág 49.
2. Livro Branco de Defesa. Brasília 2012. Pág 26. Disponível em http://www.camara.gov.br/internet/agencia/pdf/ LIVRO_BRANCO.pdf.
3. KABATS, Kurt Taylor. Kant, Democracy and History. Disponível em http://kktg.net/kurt/publications/pubs/Kant, Democracy, and History I.pdf
4. S. GRAY, Colin. Future Warfare: Another Bloody Century. Londres. Kindle edition. 2011. Pág 68.
5. Livro Branco de Defesa. Pág. 34.
6. Modernising to face an unpredictable future: Transforming the British Army – Army 2020. London 2012. Pág
2. Disponível em http://www.army.mod.uk/documents/general/Army2020_brochure.pdf
7. Decreto no 6.703, de 18 de dezembro de 2008, que aprova a Estratégia Nacional de Defesa, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/Decreto/D6703.htm
8. S. GRAY, Colin. Future Warfare: Another Bloody Century. Pág 45.
9. SLOAN, Elinor C. The Revolution in Military Affairs. McGill Queen’s University Press. 2002. Pág 3.
10. Ibidem. Pág. 21.
11. Neologismo criado pela imprensa dos EUA com alusão às transformações implementadas por Donald Rumsfeld, secretário de defesa dos EUA (2001-06).
12. LIND, William S. Understanding Fourth Generation War. Disponível em http://www.antiwar.com/lind/
index.php?articleid=1702.

13. COMMITTEE ON ARMED SERVICES, HOUSE OF REPRESENTATIVES. Hybrid Warfare: Briefing to the Subcommittee on Terrorism, Unconventional Threats and Capabilities. Pág. 2. Disponível em http://www.gao.gov/new.items/d101036r.pdf.
14. DEPARTMENT OF THE US ARMY. FM 3-0 – Operations. 2008. Pág ix. Disponível em http://www.fas.org/irp/doddir/army/fm3-0.pdf.
15. TILNEY. Angus M. A. Preparing the British Army for Future Warfare. Fort Leavenworth, Kansas. 2011-12. Disponível em http://www.dtic.mil/cgi-bin/GetTRDoc?AD=ADA556554.
16. DEPARTMENT OF THE US ARMY. FM 7-0 – Training for Full Spectrum Operations. Dez 2008. Pág. 1-7. Disponível em http://usacac.army.mil/cac2/ Repository/FM70/ FM7-0.pdf.
17. DEPARTMENT OF THE US ARMY. ADP 3-0 Unified Land Operations. Out 2011. Foreword. Disponível em http://usarmy.vo.llnwd.net/e2/rv5_downloads/info/references/ADP_3-0_ULO_Oct_2011_APD.pdf.
18. Retirado de DEPARTMENT OF THE US ARMY. ADP 3-0 Unified Land Operations. Out 2011 – Foreword (Considerações Iniciais) Disponível em http://usarmy.vo.llnwd.net/e2/rv5_downloads/info/references/ADP_3-0_ULO_Oct_2011_APD.pdf, em tradução livre.
19. BENSON, Colonel Bill, U.S. Army. Unified Land Operations, the Evolution of Army Doctrine for Success in the 21st Century. Military Review – Mission Command. Pág 47. Disponível em http://usacac.army.mil/CAC2/MilitaryReview/ Archives/ English/MilitaryReview_20120630MC_art010.pdf.
20. Ibidem. Pág 54.
21. HERTZ, Coronel Pires do Nascimento. A Abrangente Concepção de Emprego da Força Terrestre. Military Review, edição brasileira. Maio-Junho 2013. Pág 9.
22. ARAUJO, Gen Div Mario Lucio Alves de. Operações no Amplo Espectro: Novo Paradigma do Espaço de Batalha. Brasília. 2013. Doutrina Militar Terrestre em Revista, 1ª edição. Pág 23.
23. Manual de Campanha C 2-30 Brigada de Cavalaria Mecanizada, 2ª Edição, 2000. Pág 1-3.
24. DEPARTMENT OF THE US ARMY. TC 3-90.5 Combined Arms Battalion Collective Task Publication. Fev 2012. Disponível em http://armypubs.army.mil/doctrine/71_Series_Collection_1.html.
25. Manual de Campanha C 2-1 – Emprego da Cavalaria, 2ª Edição, 1999. Pág 1.2.
26. Dados de maio de 2013. Cabe mencionar que a principal causa de indisponibilidade é o trem de rolamento, em face da inexistência do suprimento.

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