Tenente-Coronel Marcelo Carvalho Ribeiro
Após breve visita oficial integrando uma comitiva do Estado-Maior do Exército ao III Corpo de Exército dos EUA, o autor apresenta algumas considerações a respeito do treinamento e do emprego de blindados naquele país.
1. INTRODUÇÃO
Em função de distintos e incertos cenários estratégicos onde podem vir a atuar, as forças armadas de qualquer país do mundo pensam e repensam constantemente o "Como Equipar" , tema que exige bastante estudo e reflexão, em função do forte impacto que a decisão causa no orçamento, na doutrina de emprego e na própria estrutura orgânica das forças. Uma decisão mal tomada custa muito ao contribuinte, além de se por em risco a capacidade operativa das Forças.
Após breve visita ao III Corpo de Exército dos EUA, serão apresentadas a seguir mais algumas idéias e comentários a respeito do tema, em complemento aos já apresentados em artigo publicado no dia 01 de agosto (Artigo: Como equipar? Blindados sobre rodas ou lagartas? O dilema vivido pelo Exército Brasileiro).
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2. ASPECTOS OBSERVADOS
a.Generalidades
Em se tratando de geração de novas capacidades, o intercâmbio de informações e idéias entre forças armadas de distintos países sempre foi de suma importância para se chegar a bons resultados. Neste sentido, o Exército Brasileiro realizou, na semana de 19 a 23 de agosto , um intercâmbio com o Exército dos EUA, onde tratou de duas áreas específicas: a simulação de combate e o treinamento da tropa blindada.
A comitiva do Estado -Maior do Exército foi até o Fort Hood, Texas, na sede do III Corpo de Exército, cujas divisões integram o grosso da força blindada estadunidense. Apelidado de Phantom Corps (Corpo Fantasma), aquela Grande Unidade é a que preserva o maior núcleo de forças convencionais dos EUA.
Apesar de contar com um orçamento de cerca de U$ 2 milhões por dia, os recursos recebidos pelas tropas aquarteladas em Fort Hood foram bastante reduzidos nestes últimos anos, o que aumenta seu desafio por manter-se operacional com uma força convencional de seus aproximadamente 45.000 militares.
A troca de experiências, neste contexto, foi bastante interessante, em particular neste momento em que nossa Força Terrestre passa por um processo de transformação. Seguem-se algumas idéias que podem apontar sobre alguns de nossos dilemas vividos quando refletirmos nosso "Como Equipar".
b. Manutenção de um Núcleo Convencional
Apesar de estar imerso em uma realidade de conflitos não convencionais, o Exército dos EUA realiza um grande esforço por manter operante seu núcleo convencional. É uma imensa gama de equipamentos e militares que é manutenida constantemente, sofre modernizações e realiza treinamentos diários, dando-se prioridade aos pequenos escalões.
Destaca-se, neste esforço, o largo emprego da simulação de combate, nas vertentes virtual, construtiva e viva. Com isso, reduz-se o número dos meios utilizados e aumenta-se a qualidade do adestramento. Sazonalmente, realizam-se exercícios de grandes escalões.
Este núcleo duro convencional é, indubitavelmente, uma tropa que atua com meios sobre-lagartas, os M1 Abrams, como carro de combate principal, e os M2 Bradley, para a Infantaria, apoiados pelo fogo com os obuseiros auto-propulsados Paladin e por uma gama de veículos blindados de apoio de engenharia e de apoio logístico, em sua maioria aproveitando-se os antigos M113 e M577. Compoem ainda este núcleo duro uma gama de veículos sobre roda, os HUMVEE e disitintos tipos de caminhão para prestar o apoio logístico necessário.
Seria o caso do Exército Brasileiro pensar sobre a necessidade ou não de se criar um núcleo convencional, dotado de meios blindados e mecanizado o mais próximo do estado da arte possível? Caso positivo, o principal desafio seria saber dimensioná-lo corretamente em face das possíveis ameaças e áreas de atuação em território nacional. Para treiná-lo e equipá-lo são necessários vultosos recursos.
c. Brigada Stryker: vocação não convencional
Neste momento em que a Força Terrestre brasileira reflete sobre a organização de suas brigadas mecanizadas (infantaria e cavalaria), é interessante ressaltar que, embora a Brigada Stryker tenha sido desenhada para cumprir ações de amplo espectro, a impressão que nos passou durante a visita é que a Brigada Stryker está mais apta a realizar ações de combate não convencional.
Conversamos bastante com um dos comandantes de Regimento, um tenente-coronel e algum de seus subordinados, todos usando seu tradicional chapéu da cavalaria americana, e deixaram na comitiva esta forte impressão. Neste sentido, dois detalhes chamaram bastante a atenção: primeiro, a utilização da viatura Stryker com canhão de 105 mm, usada mais como veículo de apoio para a infantaria (para abertura de buracos nas paredes, permitindo assim a entrada em edifícios) do que propriamente em suas missões clássicas de combate contra blindados ou infantaria.
Outro detalhe foi que o reconhecimento quase já não é mais realizado por tropas de cavalaria pois, segundo o comandante, este perdeu o sentido de ser, em função do emprego da aviação e meios como helicópteros, radares, veículos aéreos não tripulados, dentre outrosA dosagem de viaturas Stryker nas subunidades é de 9 Viaturas de Transporte (foto x) e 3 Vtr 105 mm. Isto leva o EB a refletir sobre a constituição das Brigadas de Infantaria Mecanizadas.
O discutido Regimento de Carros de Combate, no entender deste autor, perde completamente seu sentido de ser, já que este tipo de brigada estaria mais voltado, supostamente, a um combate não convencional.
d. Viaturas sobre rodas: mobilidade estratégica e redução de custos
Indubitavelmente, a redução de custos foi o principal fator levantado a respeito da adoção da Vtr Stryker, além da ampla mobilidade por estradas. É um equipamento que permite o combate noturno, de fácil manutenção e que proporciona alto nível de proteção da tropa. Entretanto, ressalte-se que apesar da excepcional qualidade do meio, sua limitada mobilidade através campo, principalmente por terrenos mais lamacentos, foi citada constantemente como limitador.
Reforçando esta tese, todas as viaturas Stryker são dotadas de cabo de aço e guincho, além do costumeiro cambão para reboque. É mais uma viatura blindada de transporte de pessoal, com limitadas capacidades para o combate convencional.
Quanto a viatura Canhão 105 mm, perguntei a todos se não seria melhor, ao invés de possuir três militares e carregamento automático, a guarnição ser de quatro militares. Todos foram unânimes em dizer que sim, inclusive porque o carregamento automático leva até 7 segundos, em quanto que um carregador bem adestrado pode fazê-lo em até 4 segundos, além da guarnição do carro contar com mais um membro para a sobrevivência (serviços de manutenção, guarda, etc).
e. Viaturas Sobre Lagartas : Combate Convencional e confiabilidade
Pelos quesitos de segurança, mobilidade, potência de fogo e precisão do armamento, os militares estadunidenses confirmaram que, sem sombra de dúvida, não há meio mais eficaz que aqueles sobre lagartas. A confiabilidade neste meio é muito maior. Obviamente esta impressão se baseia nos meios blindados ali existentes, que são de excelente qualidade e última geração, mas esta impressão nos permite visualizar que por aqui a coisa não deve ser tão diferente.
Durante a visita, foi possível visualizar o exaustivo treinamento de tiro realizado por uma tropa valor companhia blindada ( veículos sobre lagarta). O detalhe que impressionou foi a quantidade de linhas de tiro disponíveis , com alvos automatizados e com equipamentos para seu controle, além de sua qualidade: cerca de 20 de diferentes configurações. O EB possui somente uma linha de tiro deste tipo, funcionando no polígono de tiro do Barro Vermelho, em Saicã, no município de Rosário do Sul-RS.
f. Simulação, Simulação , Simulação…
Qualquer que seja a decisão a ser adotada pelo EB para dotar as suas tropas blindadas, a qualidade do "Como Treinar" passará necessariamente pelos simuladores de todos os tipos possíveis. Em Forte Hood, eles seguem concentrados no Close Combat Tactical Center (CCTT) – Centro de Treinamento de Combate Aproximado – que realiza o treinamento virtual tanto para as tropas dotadas de um tipo de blindado ou outro.
Os treinamentos em simuladores não estão mais tão custosos, e até um exército aparentemente sem problemas orçamentários está tirando proveito disso: prova disso foi o treinamento de técnicas escolta de comboios que presenciamos, em veículos "mockup" de madeira, usando o software comercial VBS 2.
Como gestoras da simulação, seguem empresas contratadas, que apoiam os militares nos treinamentos e realizam a manutenção e upgrades de softwares tão necessários.
Neste sentido, confirma-se que a linha de ação adotada pelo COTER e pelo o Centro de Instrução de Blindados para o treinamento de militares em simuladores vem sendo similar à adotada pelos EUA.
A futura criação, em Santa Maria, do Centro de Adestramento, vai ampliar ainda mais estas capacidades. A nova iniciativa so EB requer empresários empreendedores que aceitem o desafio e óbvios recursos orçamentários para impulsionar este grande projeto, atualmente gerenciado pelo Comando da 3ª Divisão de Exército, em Santa Maria-RS.
3.CONCLUSÃO
A visita ao Fort Hood foi bastante proveitosa, e nos levou a refletir . Os diversos ensinamentos colhidos vem num momento muito adequado, no qual a Força Terrestre realiza estudos para sua transformação.
O dilema do EB sobre o "Como Equipar", no caso da adoção de blindados sobre rodas ou lagartas, deve passar por analises muito mais profundas, do simples dilema tático – operacional "que tipo de viatura adotar", para um nível mais estratégico-operacional : "que tamanho de núcleo convencional o EB deve adotar?", e ainda com que apoios (fogo, engenharia, anti-aéreos, logísticos, etc) contar.
Afinal de contas, como dizia o General do Exercito Alemão que desenhou as tropas blindadas de seu país durante a II Guerra, Heinz Guderian em seu Clássico Panzer Leader:
“Os carros de combate, atuando junto com a infantaria, não são capazes de provocar per se os efeitos desejados, se as demais armas que o apóiam não atingirem os mesmos padrões de velocidade e mobilidade em terrenos variados” (Guderian, Heinz. Panzer Leader) .
Como conclusão final e curiosidade, deixo para apreciação de todos uma foto da comitiva retirada no museu da 1ª Divisão de Cavalaria, de um Urutu apreendido das forças iraquianas durante a operação "Iraque Freedom".
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O autor: Tenente-Coronel Marcelo Carvalho Ribeiro de Cavalaria do Exército Brasileiro, da turma de 1990 da AMAN, e comanda o Centro de Instrução de Blindados (CI Bld).