A quem interessa uma crise militar?

Publicado MSIa 09 Março 2012


Sílvia Palácios


A tensão criada entre a cúpula do Governo Federal e o comando das Forças Armadas, em torno do rumo a ser tomado pela denominada Comissão da Verdade, não pode ser entendida apenas sob a visão estreita de que se tratariam dos desdobramentos de um passo necessário para que o País acerte as contas com a História.

Em realidade, essa insistente investida dos setores ideológicos radicais, encastelados no Partido dos Trabalhadores (PT) e agremiações políticas congêneres e em uma pletora de organizações não-governamentais (ONGs) com a mesma orientação, que chegaram ao Governo Federal na presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, integra uma campanha de décadas dos centros de poder anglo-americanos contra as instituições dos Estados nacionais ibero-americanos, em especial, as suas Forças Armadas. Agora, o objetivo imediato é provocar uma reorientação da política externa brasileira, de forma a realinhá-la com os EUA e abandonar o processo de uma diplomacia independente em relação à integração da América do Sul e ao Oriente Médio. É com esse pano de fundo que vem sendo exacerbado o tema dos direitos humanos, quase às vésperas da visita da presidente Dilma Rousseff aos EUA.

O mais preocupante é que esse tipo de acomodação às pressões externas têm determinado uma série de decisões estratégicas no País, como se viu em diversas oportunidades, nos governos anteriores, tais como nos casos das delimitações de grandes reservas indígenas e da draconiana e restritiva política ambiental nacional.

Nesse empenho, se insere a militância ostensivamente assumida por representantes da mídia, como é o caso da jornalista Míriam Leitão, das Organizações Globo, notória representante dos interesses anglo-americanos no País.

É possível que nem a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, nem sua colega de Política para as Mulheres, Eleonora Menicucci, se deem conta desse fato, quando proclamam as suas diatribes contra as Forças Armadas e insistem em vocalizar as demandas da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra a Lei da Anistia, a forma institucional encontrada pelos brasileiros, ao final da década de 1970, para se reconciliarem os interesses nacionais.

Diplomacia dos direitos humanos

Não obstante, o fato é que os temas dos direitos humanos, proteção ambiental, questões indigenistas e fundiárias e “igualdade racial”, têm sido intensamente manipulados pelos centros de poder anglo-americanos, como parte de sua agenda “globalista” de enfraquecimento das instituições dos Estados nacionais soberanos, dentro do igualmente utópico conceito de um mundo “pós-westfaliano”, no qual um papel crescente vem sendo atribuído a entidades como as ONGs, que, supostamente, representariam melhor as demandas das sociedades.

Na prática, muitas dessas ONGs funcionam como autênticos elementos de guerra irregular, influenciando a formulação de políticas públicas e ações governamentais de interesse dos seus patrocinadores, como governos e fundações privadas estrangeiros, de uma forma muito mais eficiente do que seria possível com ações militares clássicas – o que se enquadra no conceito de “guerra de quarta geração”, no qual um Estado se opõe a elementos não-estatais (mesmo que estes estejam a serviço de outro Estado nacional).

Uma demonstração dessas pressões externas, que evidenciam o caráter intervencionista de uma diplomacia “oficiosa”, é a ameaça ostensiva do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), de deflagrar uma campanha internacional contra o Brasil, caso o País não cumpra a decisão da CIDH sobre a Guerrilha do Araguaia. A conotação da ameaça fica evidenciada na declaração da diretora da ONG, Beatriz Affonso: “Este ano vão se cumprir dois aos sem avanços substanciais. Não faz sentido um país que quer entrar para o Conselho de Segurança da ONU se recusar a avançar na punição dos que, em nome do Estado, cometeram essas violações. Qual a idoneidade do Estado brasileiro para decidir sobre possíveis intervenções em outros países? (O Estado de S. Paulo, 26/02/2012).”

Em especial, o conceito de direitos humanos defendidos por tais grupos e seus promotores internacionais reflete uma concepção limitada e maniqueísta, que converte esses direitos em um autêntico fetiche abstrato, em grande medida, desvinculados de um conceito abrangente de Bem Comum e dos interesses maiores da sociedade. Um exemplo emblemático da orientação ideológica dos paladinos dos direitos humanos da Esplanada dos Ministérios foi a deplorável decisão de negar a extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, condenado em seu país por quatro homicídios qualificados.

Desafortunadamente, a reação intempestiva da presidente da República, ao determinar ao ministro da Defesa Celso Amorim uma intervenção contra o manifesto dos clubes militares sobre as declarações das ministras, chegando a pedir uma punição para um dos seus organizadores, sugere que a chefe de Estado pode estar deixando as reminiscências do passado condicionarem a sua atitude frente a uma situação que exige, acima de tudo, uma visão plena dos interesses do Estado brasileiro, em um momento crucial de definições na transformação da ordem de poder global em curso – processo no qual as F.As. tendem a desempenhar um papel fundamental.

De fato, o Brasil é o único integrante do grupo BRICS cuja capacidade militar é muito inferior às suas dimensões e potencialidades econômicas, sendo atualmente incapaz de prover uma capacidade dissuasória mínima contra qualquer eventual agressão externa de monta. Ademais, é visível o exemplo negativo da vizinha Argentina, onde o revanchismo político implicou em uma brutal deterioração das condições operacionais das Forças Armadas, deixando o país em uma humilhante condição de impotência diante de episódios como as recentes provocações militares do Reino Unido, em torno da disputa pelas Ilhas Malvinas.

Em vista do quadro de nuvens carregadas e fortes turbulências que caracteriza o cenário global, em que um dos componentes críticos é uma retração do poderio militar e econômico estadunidense – com as reações negativas deste fato dentro das próprias fileiras do Establishment -, não surpreende que os parceiros brasileiros no BRICS, especialmente, a Rússia e a China, estejam se preparando para todas as contingências. Por tais motivos, o Brasil precisa, igualmente, estabelecer os seus planos estratégicos, para o que necessita do entendimento e do empenho de todos os setores da sociedade – e, portanto, não pode dar-se ao luxo de ensejar dissidências internas causadas por um grupelho de indivíduos que se comportam como viúvas da Guerra Fria.

Assim sendo, é fundamental que as cabeças frias prevaleçam, para evitar o aprofundamento de um quadro de tensões internas, que beneficia apenas os interessados em obstaculizar a maturidade e a ascensão do País no plano mundial.

Antecedentes

O tema dos direitos humanos vem sendo instrumentalizado contra o Brasil desde meados da década de 1970, com o advento do governo de Jimmy Carter, que o utilizou como parte de uma estratégia para tentar anular o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, o qual via como séria ameaça à sua agenda de não-proliferação nuclear. Em sua visita ao País, em março de 1978, Carter provocou grande irritação no governo do presidente Ernesto Geisel, ao dar uma carona em seu carro ao então cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, de quem recebeu denúncias sobre violações de direitos humanos pelo regime militar.

Posteriormente, juntamente com o pastor Jaime Wright, alto dignitário da Igreja Presbiteriana no Brasil (que proporcionou o suporte financeiro), e o rabino estadunidense Henry Sobel, do Centro Israelita Paulista, ambos com importantes vínculos políticos nos EUA, Arns seria o coordenador do projeto que resultou na publicação do livro Brasil: nunca mais, em 1985. No livro, são listados os nomes de centenas de integrantes das forças militares e policiais que participaram da repressão às insurgências armadas no País – muitos deles, potenciais alvos de futuros processos, se dependesse dos militantes dos direitos humanos encastelados nos porões do Planalto.

Por detrás do projeto, estava o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), órgão que, sob a fachada da integração religiosa, oculta as altas funções que executa como integrante das redes mais intervencionistas do aparato de inteligência anglo-americano. Criado em 1937, o CMI teve entre os seus fundadores o britânico lorde Lothian, um dos líderes da facção pró-Hitler na Grã-Bretanha, e o estadunidense John Foster Dulles, representante da Igreja Presbiteriana e futuro secretário de Estado no governo de Dwight Eisenhower, no qual seu irmão Allen foi o diretor-geral da Agência Central de Inteligência (CIA).

O CMI também esteve bastante ativo na campanha de desarmamento civil, na qual os seus estrategistas ainda não digeriram a acachapante derrota sofrida no referendo brasileiro, em agosto de 2005.

A entidade apoia, igualmente, as redes ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e seus apêndices, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), todos empenhados em campanhas ambientalistas contra grandes projetos de infraestrutura, que têm custado caro ao País.

Na década de 1990, tais redes receberam o reforço de duas ativas integrantes do “exército irregular” de ONGs mobilizadas, em particular, contra as instituições militares da América do Sul, a Human Rigths Watch/Americas e o CEJIL. A vinculação de ambas aos centros de poder anglo-americanos é facilmente constatada com uma consulta aos seus patrocinadores. O sítio do CEJIL, por exemplo, lista entre eles: a Federação Internacional de Planificação da Família (IPPF, na sigla em inglês), organização criada pela família Rockefeller para promover o controle demográfico; a Fundação Nacional para a Democracia (NED), órgão oficial do governo estadunidense; as fundações MacArthur e Ford; e a Fundação para a Promoção de uma Sociedade Aberta (FOSI), do megaespeculador George Soros.

O fundador e presidente do CEJIL, o advogado chileno José Miguel Vivanco, é um veterano integrante do aparato supranacional dos direitos humanos, tendo afiado as garras em anos de militância na Human Rights Watch/Americas.

Em agosto de 1995, as duas entidades apresentaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), uma petição, denunciando o Estado brasileiro pelo desaparecimento de combatentes da Guerrilha do Araguaia, na campanha militar de 1972-1974. Em dezembro de 2010, a CIDH divulgou a sua sentença, condenando o País e “ordenando” ao Estado uma série de providências que, cumpridas à risca, implicariam na total subordinação do sistema judiciário nacional a uma estrutura jurídica supranacional orientada por conceitos ideológicos totalmente alheios ao ordenamento histórico de nações soberanas.

Sem surpresa, a decisão da CIDH foi aplaudida pelos representantes dessa corrente de ação encastelados no Governo Federal, como o então secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e o presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, atual secretário nacional de Justiça, ambos defendendo a absurda tese de que a legislação supranacional se sobrepunha à decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a irrevogabilidade da Lei da Anistia.

Embora, na ocasião, o Governo Federal tenha reagido à decisão, por intermédio de firmes declarações do então ministro da Defesa, Nelson Jobim, e, posteriormente, rechaçado de forma ainda mais contundente a sentença da CIDH contra o projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte, o atual imbróglio se encaixa à perfeição na agenda intervencionista supranacional que o órgão integra.

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