Tuma Jr – Lula era agente duplo servindo à polícia e às montadoras

José Nêumanne

 

“Lula era o tipo de agente duplo, ou seja, passava informações privilegiadas ao meu pai sobre movimentações dos sindicalistas e fazia o jogo das montadoras de veículos para conseguir atender às reivindicações tanto dos empresários quanto dos trabalhadores”, disse o policial Romeu Tuma Jr. nesta edição semanal da série Nêumanne Entrevista neste blog.

 

Autor do best-seller Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado (Topbooks), ele também falou a respeito da investigação sobre a morte do prefeito de Santo André Celso Daniel, quando este coordenava o programa de governo do ex-líder sindical em sua primeira campanha vitoriosa para a Presidência da República. “Condenaram alguns indivíduos como executores, mas, pessoalmente, tenho a convicção de que o Dionísio Severo seria um deles e não foi apontado no processo que se encerrou, fruto da investigação feita pela outra equipe (…).

Quanto aos mandantes, não se puniu ninguém e creio que, com a morte do Sérgio Sombra, a última esperança reside numa eventual delação premiada dos empresários de Santo André presos e condenados por participação no esquema de propina comprovado. Ficou muito claro para mim que não interessava aos governos federal e estadual da época investigar mais nada”, revelou.

 

Paulistano, casado, pai de quatro filhas e avô de uma neta, Romeu Tuma Jr. é advogado e sócio fundador do Escritório Romeu Tuma Sociedade de Advogados. Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e Faculdades Integradas Guarulhos (FIG) (1978 a 1982), diplomou-se no Curso Superior de Polícia pela Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo (2000). É especialista em segurança pública e polícia judiciária, tem experiência em projetos de segurança com cidadania, integrando atuação policial, equipamentos sociais, ações de cidadania e direitos humanos.

Habilitado em Processo Legislativo e Direito Eleitoral, atuou como Autoridade Central Brasileira em inúmeros acordos de cooperação jurídica internacional em matéria penal, civil, extradição e em questões migratórias, especialmente acordos multilaterais no âmbito do Mercosul. É delegado de polícia da classe especial da Polícia Civil do Estado de São Paulo e foi secretário nacional de Justiça, do Ministério da Justiça. É delegado de polícia comissionado na Polícia Federal e foi o primeiro chefe da Interpol em São Paulo.

Na política, exerceu mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (2003 a 2007), na qual presidiu as Comissões de Segurança Pública e de Defesa dos Direitos do Consumidor, além de ter sido eleito corregedor parlamentar e vice-presidente da Comissão de Administração Pública. Já publicou seis livros, entre os quais se destacam Assassinato de Reputações – Muito Além da Lava Jato (2016), Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado (2013) e Máfia dos Fiscais, Reflexões Sobre o Crime Organizado (2000).

 

 

Nêumanne entrevista Romeu Tuma Jr.

 

Nêumanne – O senhor se lembra precisamente de como conheceu pessoalmente Luiz Inácio Lula da Silva, em que circunstâncias e com qual frequência chegou a conviver com ele?

 

Tuma – Lembro-me bem. Foi durante a prisão dele nos anos 80. Naquela época convivemos bastante, quase que diariamente, durante o período em que ele ficou hospedado no Dops. Após isso, tive alguns contatos esporádicos com Lula durante os anos que se sucederam. Quando fui deputado estadual em São Paulo (2003-2007) e ele presidente da República, encontrava-o com mais frequência durante agendas coincidentes e eventos. Já em meados de 2007, após o fim do meu mandato, fui convidado por ele para ser secretário nacional de Justiça, cargo que ocupei até junho de 2010, período em que o encontrava com mais frequência por causa das atribuições institucionais.

 

 

N – Em que fatos específicos o senhor se baseia para afirmar, como o faz em seu livro Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado, sem sombra de dúvidas, que o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, hoje do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva, foi informante de seu pai, o delegado Romeu Tuma, então diretor do Dops paulista?

 

T – Em fatos que acompanhei como policial na época. Lula era o tipo de agente duplo, ou seja, passava informações privilegiadas ao meu pai sobre movimentações dos sindicalistas e fazia o jogo das montadoras de veículos para conseguir atender às reivindicações tanto dos empresários quanto dos trabalhadores. Por exemplo, naquela época era difícil aumentar os preços dos veículos porque havia um controle rígido do governo. Aí o Lula, em combinação com os empresários, arrumava greves para forçar uma negociação das montadoras com o governo em troca de vantagens para os trabalhadores. Lula também sempre informava meu pai sobre quem era quem nos movimentos sindicais e sobre a personalidade de cada um dos lideres e de seus companheiros.

 

N – Como um informante do Dops à época do regime militar conseguiu tornar-se o mais importante líder operário e da esquerda do Brasil na segunda metade do século 20? Isso o surpreendeu?

 

L – Francamente, não surpreendeu. Ele era habilidoso, tinha a proteção dos empresários, dava-se bem com as autoridades, era um negociador, não comprava brigas sem saber o resultado antes, então nós já sabíamos que uma hora ele chegaria aonde chegou. Além de tudo, tinha um discurso que era como mel aos ouvidos do povo. A esquerda não tinha ninguém com as características do Lula e muito menos com os contatos que ele tinha. Portanto, sabíamos que com o desgaste dos governos militares, e do centro-direita, a ascensão dele era só uma questão de tempo, só uma questão de patrocínio político-partidário, o que veio com o desempenho do José Dirceu. Aliás, a relação dele com as montadoras se manteve estreita até o fim de seu governo. Várias pessoas confirmam isso, e o próprio Palocci acaba de delatar mais um caso envolvendo representante de uma montadora que pagou propina a Lula.

 

N – Como o senhor definiria a personalidade desse cidadão? Que qualidades o levaram ao topo do poder, da glória e da fortuna? E que defeitos são responsáveis por estar ele agora cumprindo penas altíssimas como preso comum, sem perspectiva de liberdade tão cedo?

 

T – Lula tinha uma liderança grande, formada na base do conhecimento, no poder da informação. Sua rede de contatos em todos os níveis era grande e isso lhe dava grande vantagem. Ele sabia exercer o papel de líder e sabia jogar muito bem com informação e contrainformação. Tinha uma personalidade forte, mas sabia dosar. Ele batia com a mão do gato. Sempre teve paus-mandados para fazer o que ele não queria fazer ou não podia fazer. Ele tinha sede de poder, seu projeto era para 30 anos de governo nas mãos não do PT, mas de quem ele pudesse influenciar.  A ganância foi crescendo com o tempo, creio que após disputar várias eleições e conhecer o sistema de doações empresariais e as contrapartidas. Após sua chegada à Presidência, o poder, a convivência com suas benesses e a companhia de líderes de países totalitários que o bajulavam em troca dos recursos do povo brasileiro, via BNDES, lhe subiram à cabeça.

 

Você imagina Lula em Cuba vendo o Fidel Castro poder usufruir centenas de casas, fumar os melhores charutos, tomar as melhores bebidas, e assim em vários países onde o povo passava fome, mas seus presidentes ditadores incrustrados no poder por décadas tinham do bom o do melhor. E Lula quando os visitava usufruía aquilo tudo. Na sua cabeça, após a implantação do Bolsa Família, em que ele entende que acabou com a miséria no Brasil, o Minha Casa Minha Vida e os subsídios para as montadoras com que iludiu a classe média na compra de carros, sem entender que com o tempo se endividaria e perderia o bem, por que não poderia ter uma vida igual à dos seus companheiros daquelas ditaduras de esquerda, desde que veladamente?

 

Viagens nababescas, o romance que abalou dona Marisa, que era um freio para ele e a partir dali passou a cuidar mais de si do que aconselhá-lo, tudo isso contribuiu para o fim que ele encontrou na Lava Jato.

 

Lula subestimou a inteligência dos mais pobres e da nova classe média, achando que virara um deus e as pessoas perderiam a visão e o sentimento de indignação com assaltos aos cofres públicos. O Brasil não aceitava mais o rouba, mas faz.

 

Além disso, ele se tornou ganancioso e revelou algo de sua personalidade que ninguém conhecia: a covardia. Essa conjunção o arruinou.

 

N – Em que circunstâncias o senhor passou a ser encarregado, como delegado da Polícia Civil do Estado de São Paulo, da investigação da morte de Celso Daniel, que era prefeito de Santo André, cidade vizinha de São Bernardo do Campo,na Grande São Paulo, e à época era o coordenador da campanha presidencial de 2002 do favorito Luiz Inácio Lula da Silva?

 

T – Quando eu era coordenador da força-tarefa que investigava uma organização criminosa instalada na cidade de São Paulo que ficou conhecida como Máfia dos Fiscais, acabei afastado por pressão de inúmeros políticos investigados à época.

 

Importante recordar a época da Máfia dos Fiscais (1998-2000), quando instalamos a primeira força-tarefa bem-sucedida com a Polícia Civil de São Paulo e o Ministério Público para investigar crimes diversos que tinham envolvimento de fiscais, agentes públicos e vereadores da cidade de São Paulo. Vários políticos foram presos e condenados, sofremos toda sorte de pressões, até mesmo tentativas de assassinato da reputação de delegados e promotores, mas jamais se permitiu qualquer vazamento criminoso, adjetivação de alguém indiciado ou mesmo condenado. Lembro-me até de um episódio interessante, quando o então prefeito Celso Pitta baixou uma norma proibindo taxistas com antecedentes (sem avaliar do que se tratava) de fazer cadastro na Prefeitura para exercer a profissão e eu o procurei para questionar se aquilo só valia para taxistas, porque até ele e alguns de seus secretários já haviam sido indiciados.

 

Mesmo assim, sem fazer acusações pela mídia, fui mandado para a Seccional de Taboão da Serra, como castigo. Após algum tempo houve aquela fuga de helicóptero do Dionísio Severo do Presídio Parada Neto, em Guarulhos, que pousou no município de Embu das Artes, minha jurisdição. Dois dias depois, houve o sequestro do prefeito Celso Daniel, e ao investigarmos a fuga e o paradeiro do Dionísio, que era o líder do CRBC (Comando Brasileiro da Criminalidade), a maior facção rival ao PCC, detectamos que os casos tinham uma conexão. Ou seja, o resgate do Dionísio foi feito para que ele participasse do sequestro do Celso Daniel. Logo em seguida, num domingo, encontramos o corpo do então prefeito morto numa estrada vicinal na cidade de Juquitiba, também na minha área de atuação.

 

Imediatamente determinei a instauração de um inquérito policial para apurar as circunstâncias do homicídio do ex-prefeito na minha seccional, local dos fatos, até porque até aquela altura não havia inquérito instaurado, pois se investigava um suposto sequestro em São Paulo.

 

Com celeridade fomos fazendo diligências, desde a coordenação da perícia local, buscas em possíveis cativeiros que poderiam ter sido utilizados, até que veio uma ordem superior e avocaram o inquérito, remetendo-o para o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) em São Paulo. Ali já senti que o fim das investigações era mais importante que o esclarecimento do crime, tanto para os petistas quanto para os tucanos.

 

Tuma entrou no caso Celso Daniel quando era delegado em Itapecerica da Serra, de cuja jurisdição fazia parte Juquitiba, onde o cadáver foi encontrado. Foto: Acervo pessoal

 

Tuma entrou no caso Celso Daniel quando era delegado em Itapecerica da Serra, de cuja jurisdição fazia parte Juquitiba, onde o cadáver foi encontrado. Foto: Acervo Tuma Jr

N – No calor dos acontecimentos, Lula e seu lugar-tenente, José Dirceu de Oliveira e Silva, mandaram o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh para as exéquias de Celso Daniel em Santo André pregando a federalização do crime por julgá-lo político. Em que ocasião específica e por que o PT mudou de opinião, passando a defender pelo mesmo porta-voz a hipótese de crime banal, quase mesmo aleatório? E por que, a seu ver, isso aconteceu?

 

T – É verdade. Primeiro eles faziam fortes declarações sobre o crime ser político, contra o PT, contra a candidatura do Lula, etc. e tal. Com o caminhar das investigações, o discurso foi mudando e a pressa em ver o caso encerrado foi dando lugar aos discursos. Diferente de se cobrarem esclarecimentos, cobrava-se agilidade para encerrar o caso, apontando quem estivesse pela frente como autores, e ninguém mais falava em crime com motivação política. Os indícios que eram encontrados e apresentados eram sempre contraditados de forma desprezível.

 

N – Que providências o senhor tomou como delegado para descobrir executantes e mandantes do crime, que foi dado como sendo de encomenda pelo Ministério Público Estadual, mas como um assalto banal pela polícia estadual paulista? Por que o senhor foi afastado dessas diligências, quem o fez e alegando que motivos? O que seus substitutos no processo conseguiram apurar para elucidar a execução ou assassínio banal?

 

T – Importante lembrar que quase todo o trabalho que o Ministério Público Estadual fez para chegar à conclusão de ser um crime de mando com motivações políticas foi com base na investigação que minha equipe conseguiu desenvolver até onde pudemos, portanto, um trabalho da Policia Civil de São Paulo. Acontece que havia outra delegacia que pertencia ao DHPP que também investigava o crime por ordem superior, a qual acelerou as investigações, descartou nosso trabalho, dificultou a troca de informações e chegou a uma conclusão diferente, que não tinha como se sustentar, na minha modesta opinião. Mas por determinação superior nós ficamos impedidos de prosseguir nas investigações da morte do Celso Daniel e tudo o que conseguimos foi com astúcia, durante as investigações sobre a fuga do Dionísio. E como os casos tinham conexão, os indícios e provas foram surgindo cada vez com mais clareza. Não tenho dúvida de que meu afastamento dessa investigação se deu para evitar a total elucidação do caso, assim como ocorreu quando mataram o Dionísio Severo na cadeia, num episódio até hoje não esclarecido. Está claro que os mandantes do sequestro eram pessoas próximas profissionalmente do prefeito e que as motivações foram políticas e financeiras. Com o tempo, a própria Lava Jato apreendeu um contrato que faz um elo importante para esclarecimento do caso, o qual eu já havia relatado em meu segundo livro, Assassinato de Reputações II – Muito Além da Lava Jato.

 

N – O senhor foi processado por algum dos apontados como responsáveis pelo crime em seu livro Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado, para apresentar provas de suas afirmações incriminando-os? Por que o então senador pelo PSDB Aloysio Nunes Ferreira mobilizou a Polícia Federal (PF) para levá-lo em condução coercitiva para dar que tipo de explicações aos agentes encarregados de ouvi-lo?

 

T – Aqueles que disseram à imprensa que me processariam não o fizeram. Relativamente ao senador Aloysio Nunes, algo muito estranho aconteceu. Ele oficiou ao ministro da Justiça supostamente para pedir apuração dos fatos que relatei no livro. Mas isso nunca aconteceu e ele nunca cobrou, muito ao contrário. Mandaram a PF me intimidar.

 

Quando alertei sobre esses métodos, ninguém com poder de autoridade preocupou´se em investigar e fazer cessar essas condutas. O próprio ministro da Justiça da época, José Eduardo Martins Cardozo, anunciou que investigaria. No fim, o que ele fez foi mandar me investigar a partir daquele oficio do senador Aloysio, e sem a instauração de inquérito policial, com uma condução coercitiva esdrúxula, sem ordem judicial, sem as formalidades legais, após eu já ter sido ouvido por escrito, e pior, sem apurar as denúncias. A OAB seccional SP instaurou um procedimento que resultou em ato de desagravo a mim com repúdio às autoridades policiais envolvidas. E daí? Até hoje o que se lembra é da manchete do jornal e das “acusações” que não existiam, tanto que nem uma denúncia sequer foi apresentada pelo Ministério Público e nenhum processo foi aberto contra mim.

 

Agora que a coisa virou moda, a expressão que cunhei passou de assassinato de reputações à chacina de reputações, e atingiu a mais alta Corte da nossa Justiça, quem sabe algo seja feito.

 

Juridicamente um passo importante para se combater assassinato de reputações por parte do Estado e seus agentes, é abolir com os irregulares procedimentos anômalos como o PIC (Procedimento Investigatório Criminal) do MP, PCD (Procedimento Criminal Diverso) da PF, e uso dos relatórios de inteligência como peça de polícia judiciária, aos quais ninguém tem acesso para exercer o sagrado direito de defesa, ao contraditório, e os quais não passam por nenhum controle nem fiscalização de órgãos correcionais. Também é preciso extirpar o Método Científico Cronológico Dedutivo, procedimento criado na PF em que se permite que as autoridades usem dedução pessoal como fato real. Isso é absolutamente ilegal e instrumento de Estado totalitário. Como você vai acusar e a Justiça condenar alguém por que se deduziu algo? É o que acontece de uns tempos para cá. O Código de Processo Penal virou obsoleto, ninguém respeita prazos, ritos, regras, a coisa vai da cabeça de quem investiga, de quem denuncia (que é a autoridade que deveria exercer o controle) e de quem julga, que na maioria das vezes fecha os olhos para essas aberrações, quando não é conivente. O pior é que a sociedade já se acostumou com isso e quando algum juiz, desembargador ou ministro de instância superior verifica essas arbitrariedades e anula os atos, as pessoas são inflamadas e tendem a caluniar como se eles fossem os criminosos. Assassinato de reputações é uma engenharia que vem ganhando força institucional paralela ao Estado de Direito.

 

N – Nestes 17 anos depois do crime, algum executante ou mandante foi identificado, processado e apenado na forma da lei, ou o crime continua impune? O senhor tem alguma ideia de quem o possa havê-lo encomendado e a mando de quem, e por que nada foi feito de concreto para resolver de uma vez caso de tanto impacto na opinião pública?

 

T – Condenaram alguns indivíduos como executores, mas, pessoalmente, tenho a convicção de que o Dionísio Severo seria um deles e não foi apontado no processo que se encerrou, fruto da investigação feita pela outra equipe a que me referi.

 

Quanto aos mandantes, não se puniu ninguém e creio que, com a morte do Sérgio Sombra, a última esperança reside numa eventual delação premiada dos empresários de Santo André presos e condenados por participação no esquema de propina comprovado.

 

Ficou muito claro para mim que não interessava aos governos federal e estadual da época investigar mais nada.

 

Tuma na tribuna da Assembleia Legislativa, onde cumpriu outra das paixões da vida toda, além de polícia e Corinthians: a política. Foto: Acervo pessoal

 

N – O que o inspirou a criar o título de seu livro Assassinato de Reputações, que agora entrou na moda, tendo sido usado até pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, para justificar um inusitado e surpreendente inquérito para identificar e punir críticos dos membros da Corte e de seus familiares? O que o senhor acha desse uso indiscriminado da expressão?

 

T – O livro que escrevemos foi uma forma de apresentar a minha verdade sobre o que passei à sociedade, aos meus amigos e especialmente à memória do meu pai, que morreu por conta desse legado da era Lula. Precisava fazer um alerta sobre esse método que eu combatia no governo e me vitimou, antes que ele ganhasse as proporções que atingiu hoje. Foi uma peça de defesa, uma vez que nunca tive a oportunidade de me defender nem de ter os fatos revelados por alguém com transparência e veracidade.

 

Ninguém pode imaginar o que eu passei e o que minha família passou. As marcas da humilhação que minha esposa  sofreu, e minhas filhas, jamais serão curadas. Eu comi o pão que o diabo amassou sem dever nada, sem nenhuma denúncia ou fato digno de ser objeto de algum processo. Ainda que estivesse ciente de que quando se investiga o crime organizado a gente está sujeito a ataques físicos e morais, jamais poderia imaginar que fosse tão extensa a Orcrim instalada no próprio Estado. Estamos acostumados com um Estado paralelo, mas o Estado criminoso alvejando seus agentes é muito tiro pelas costas, difícil suportar.

 

A vítima de assassinato de reputação tem uma sensação parecida com a dos jovens que sofrem bullying, em que o autor pratica o ato, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem que esta tenha a  possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder.

 

Relativamente ao inquérito instaurado pelo Supremo, talvez seja discutível a questão de que o mesmo Poder que, em tese, foi vitimado investigue, acuse e julgue. Soa estranho. Mas algo precisa ser feito e talvez já tenha passado da hora.

 

Também a Justiça precisa começar a agir, especialmente em relação às vítimas desses crimes em geral, pois as afirmações que ultrapassam a expressão da opinião, cheias de adjetivos, e corroboram na criação de milícias digitais para praticar assassinato de reputações ou chacina de reputações, por meio de calúnias, injúrias e difamações quase que majoritariamente calçadas em fake news e/ou notícias manipuladas e fraudadas, não podem prevalecer sobre a verdade e muito menos permanecer impunes.

 

Assassinato de reputações é um método de ditadores para criar fatos sobre alvos e assim proporcionar investigações com ampla divulgação, cujo resultado sempre será criar interrogação na cabeça das pessoas sobre a idoneidade da vítima desse método totalitário. É uma pena de morte para quem é vítima, especialmente porque se equipara a fake news, pois sua base é uma informação falsa, inexistente, e ninguém consegue na Justiça o mesmo tratamento, ou seja, a retirada dos canais de busca e a proibição da veiculação. É uma condenação sem direito de defesa e sem recurso, e o pior, sobre algo que o indivíduo não fez.

 

Não é exclusivo de instituições e de governos, mas necessariamente em grande escala, disparado com o envolvimento de agentes públicos antes ou depois de planejado. Na maioria das vezes é matéria-prima para perseguição política e pessoal, por instituições, contra seus “alvos” escolhidos. E não é raro que agentes públicos combinem essas ações com veículos de comunicação para “esquentar” supostas denúncias fake. As autoridades usam a imprensa para noticiar elucubrações porque elas não têm provas, indícios nem coragem de escrever nos autos aquilo que vazam. E alguns veículos se deixam usar sem comprovar o que estão recebendo nos famosos “furos” e “offs”. Acabam servindo de absorventes para criminosos infiltrados no aparelho estatal. É uma vergonha!

 

É a prática inversa da boa investigação, em que se parte do crime para o criminoso. Com o assassinato de reputações se cria um suposto criminoso para condená-lo antes de qualquer investigação, e muitas vezes antes mesmo de se saber se cometeu algum crime ou até já se sabendo ser ele inocente.

 

Com o advento das redes sociais, com a existência do “tribunal do Google”, uma vez assassinada a reputação, é quase impossível resgatar a honra perante à sociedade. Hoje as empresas já nem pedem atestado de antecedentes, o que se faz é vasculhar a vida dos candidatos a emprego nas redes sociais, na Wikipédia e no Google. Ninguém checa a veracidade das informações e fica por isso mesmo. É um escárnio!

 

No meu caso, o objetivo, e eu disse à época, era me afastar das investigações que eu realizava à frente da Secretaria Nacional de Justiça, com o trabalho e com os avanços que promovíamos com o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativo e Cooperação Internacional) e a Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), e me retaliar por não concordar com esses métodos e por eu me negar a esquentar dossiês contra adversários do governo petista. Eu era secretário nacional de Justiça, chefe de uma instituição de Estado, e não um instrumento de governo. Atingindo minha reputação, enfraqueceriam as ações e inibiriam os demais atores da equipe, além de criarem descrédito no que era feito. Tanto conseguiram que ninguém quis ouvir com profundidade o outro lado, nem apurar o que estava por trás daquela operação. Muitos bandidos foram beneficiados com minha saída e muitos avanços foram paralisados.

 

Eu me lembro bem de um convênio que propus ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de uso do laboratório contra a lavagem de dinheiro que tínhamos no DRCI para monitorar as doações nas eleições de 2010. Estive com a ministra Cármen Lúcia, ela ficou empolgada, estava tudo certo. Quando saí, não assinaram. Havia grande resistência no governo, pois certamente aquilo impediria os crimes de que hoje se tem notícia. Muitos desses crimes teriam sido evitados.

 

Meu livro explica minuciosamente os métodos usados e nos últimos anos acompanhamos cotidianamente essas práticas só aumentarem.

 

Hoje raramente existem investigações policiais como antigamente, com critérios e práticas de inteligência, científicas, de campo. Vivemos de alguns anos para cá a era dos grampos e agora, a das delações. São métodos reativos, nenhuma prevenção do crime, antecipação do delito, e pior, fábricas de denúncias cuja defesa se torna praticamente impossível. A palavra do criminoso vale mais que a da vítima. Não se busca a verdade real, mas algo que possa ser apontado para incriminar o indivíduo. É uma fraude, uma vergonha, e creio que a lei de abuso de autoridade poderia prever algo no sentido de punir responsáveis nesses casos comprovados.

 

Não se pode admitir a fraude do devido processo legal nem do princípio da presunção da inocência e da ampla defesa. Têm o mesmo valor que tem o direito à informação, não à desinformação ou contrainformação que usam nesses métodos.

 

Usam fatos especulativos como nunca se viu antes. Fazem desses fatos links fake para valorizar a informação e criar ambiente propício a investigações que já se sabem “frias”.

 

As pessoas não têm noção do mal que um assassinato de reputação causa à família de quem é vítima. Filhos, esposa, marido, pais, outros parentes, amigos, enfim, é uma verdadeira chacina. Ultrapassa a pessoa da vítima.

 

Quando a máquina institucional escolhe um alvo e avança sobre ele, não tem defesa que dê conta. Não sobra pedra sobre pedra. É um tsunami que deixa suas marcas para a eternidade. O sistema de freios e contrapesos não me parece estarem funcionando muito bem. Precisa ser aprimorado com muita urgência.

 

Veja, por exemplo, a extensão do estrago que um assassinato de reputação pode causar: no caso de um cidadão que vai ser nomeado para um cargo de confiança, ou mesmo alguém com notável saber jurídico, que pode ser indicado para uma das nossas Cortes superiores como ministro, esses cargos ou funções exigem “reputação ilibada”, como fica isso? O indivíduo não tem problema com a Lei da Ficha Limpa, nunca foi condenado, nem sequer indiciado, denunciado ou processado, mas alguém poderá dizer que ele não tem reputação ilibada por ter no Google algo contra ele, onde se sabe que houve assassinato de reputação?

 

Hoje é mais fácil acusar pela mídia e pelas redes sociais do que pelas vias processuais legais. A condenação pública se equipara à pena de morte. É pública, não requer provas e ninguém esquece. Assassinato de reputações é a prova da incompetência do Estado em investigar fatos supostamente criminosos. Isso acontece porque, na verdade, muitas vezes não há verdadeiramente fatos a serem investigados, mas sim “alvos” a serem esculhambados. O sistema progrediu negativamente por falta de freios legais e hoje vivemos, infelizmente, uma chacina de reputações.

 

Com tantos casos, também tem o outro lado. Virou moda a expressão e muitos criminosos vão se valer da tese para tentar esconder seus crimes, alegando assassinato de reputação. Por isso fiz o alerta há anos e lamento terem sido tão negligentes.

 

A Justiça também tem de começar a separar o conceito de pessoa privada de pessoa pública e, principalmente, a pública de pessoa conhecida ou famosa. E a partir daí saber dosar o que é crítica e o que é crime contra a honra. Direito de expressão e de informação não está acima do direito à privacidade e, principalmente, à honra. Quem quer criticar que o faça sem cometer crimes. Xingamentos e adjetivações caluniosas não são críticas, são crimes. Ainda que encobertas por disfarces literários.

 

Em minha modesta opinião, é muito equivocada e simplória a posição de alguns juízes que absolvem assassinos de reputações, ou seja, aqueles que cometem crimes contra a honra em veículos de informação e nas redes sociais, sob a alegação de que quem é pessoa pública ou conhecida não tem direito a se sentir atingido. Aí, quando o pau que bate em Chico bate no Francisco, vem a chiadeira.

 

 

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