Temer recebe bem proposta da Boeing

Daniel Rittner

O grupo montado pelo Planalto para acompanhar a proposta da Boeing ainda espera algumas explicações, uma delas sobre as garantias de que linhas de produção importantes não serão levadas para fora do Brasil. Outro questionamento é sobre o eventual acesso da Boeing às patentes sob domínio da Embraer, inclusive em outras áreas, como a de defesa.

Boeing e Embraer aguardam aval de Temer

A Boeing e a Embraer apresentaram ao governo um modelo de acordo pelo qual a multinacional americana teria 51% e a fabricante brasileira ficaria com 49% das ações em uma terceira companhia, que seria criada exclusivamente para a linha de aeronaves comerciais, segundo informaram interlocutores próximos do presidente Michel Temer. Essa divisão é bem vista no Palácio do Planalto, mas Temer ainda não deu aval à concretização do negócio, conforme relatos de assessores presidenciais.

De acordo com uma fonte do setor privado, entretanto, o mais relevante não é a participação da Boeing e da Embraer na joint venture que estará acima da empresa operacional, mas sim a fatia de cada uma na empresa operacional em si. "A ideia ainda é que a Boeing tenha 80% a 90% da empresa operacional", disse. Segundo esse raciocínio, a Boeing pode ter participação acionária direta na "companhia de baixo".

O grupo montado pelo Planalto para acompanhar a proposta da Boeing ainda está à espera de algumas explicações. Uma das dúvidas gira em torno das garantias de que linhas de produção importantes não serão realocadas para fora do Brasil. A preocupação maior nem é tanto com o futuro imediato. O que se busca é mais clareza de que não haveria migração gradual dos processos de desenvolvimento e de fabricação de aviões para outros países.

Outro questionamento é sobre o eventual acesso da Boeing às patentes sob domínio da Embraer, inclusive em outras áreas, como na de defesa. A transferência de tecnologia associada à compra dos caças Gripen, da sueca Saab, acentuam a importância disso. Será preciso definir uma série de salvaguardas para impedir que tecnologias em posse da Saab acabem indo parar nas mãos da Boeing – sua concorrente direta no mercado de jatos militares.

Na avaliação do Planalto, as conversas têm evoluído e estão hoje em situação melhor do que em dezembro, quando o interesse da Boeing foi inicialmente revelado. Mesmo assim, auxiliares de Temer evitam falar em um "timing" para o acordo definitivo e reiteram que o presidente continua irredutível quanto à manutenção de uma "golden share" (ação de classe especial com direito a veto em questões estratégicas) com o governo. "Ele ainda quer conhecer no detalhe alguns itens da oferta", diz um assessor.

Na semana passada, após almoço com o presidente e comandantes militares, o ministro Raul Jungmann já havia dado a senha de que houve evolução. "As negociações estão indo bem. Houve um entendimento de que nós não venderíamos a Embraer, e isso foi aceito pela Boeing. Então as negociações têm caminhado e há avanços no caminho da constituição de uma terceira empresa."

Jungmann, principal mediador entre o governo e as empresas até agora, deixará essa função ao migrar do Ministério da Defesa para a pasta extraordinária de Segurança Pública. Ele toma posse hoje. Joaquim Silva e Luna – general do Exército que o substitui interinamente na Defesa – entrará na linha de frente das conversas.

Luna já vinha acompanhando as discussões, como secretário-geral do ministério, mas sua ascensão leva auxiliares do presidente a questionar se poderia haver um endurecimento no diálogo com a Boeing, dada a resistência dos militares a qualquer tipo de acordo que sugira desnacionalização da Embraer.

Mesmo de forma temporária, o general é o primeiro representante das Forças Armadas que comanda a Defesa desde sua criação, em 1999.

Intervenção no Rio pode atrasar acordo de Boeing e Embraer¹

A intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro e a criação do Ministério da Segurança Pública tendem a atrasar as negociações para criação de uma nova empresa entre Boeing e Embraer, apurou o Estado.

A preocupação surge após o Ministério da Defesa ser convocado a liderar a ação militar no Rio e Raul Jungmann ser indicado ao novo ministério. Jungmann é o principal interlocutor das duas companhias com o governo e toda a negociação é feita na esfera do Ministério da Defesa.

Alguns dias antes do carnaval, o Ministério da Defesa recebeu a proposta para organização societária da nova empresa a ser criada entre Boeing e Embraer. Representantes do governo analisam o documento e darão um parecer às empresas.

Antes de qualquer reação, porém, as companhias foram pegas de surpresa com o anúncio de que, dias depois, o mesmo Ministério da Defesa fora convocado às pressas para coordenar a intervenção federal no Rio.

Executivos envolvidos na negociação avaliam que a intervenção fez com que a atenção da Defesa e do próprio governo fosse direcionada para o Rio. Ainda que não tenha havido nenhuma declaração oficial do governo brasileiro, a percepção da Boeing e da Embraer é que o negócio saiu do centro do radar do Palácio do Planalto porque os nomes do governo que tratam do assunto e os líderes da intervenção no Rio são coincidentes.

O entendimento foi reforçado ontem com a notícia de que o ministro Raul Jungmann, principal interlocutor da Boeing e Embraer no governo, pode mudar de cargo com a indicação ao novo Ministério da Segurança Pública. Uma fonte que acompanha a negociação de perto diz que atualmente “a bola está com o governo” porque as conversas só podem avançar com o aval de Brasília.

Dessa forma, o entendimento é que o ritmo das negociações será imposto pelo Palácio do Planalto. As empresas têm interesse em negociação rápida, especialmente a Boeing, que já sinalizou o desejo de concluir as tratativas antes que o assunto vire tema da disputa eleitoral para presidência. Ao governo brasileiro, foram apresentadas algumas propostas de organização societária.

O desenho indica posição majoritária dos americanos – algumas sugestões indicam pelo menos 80% do capital da nova empresa de posse da Boeing. Poder de veto. Apesar da fatia minoritária dos brasileiros, o poder de veto do governo – exercido por meio da chamada “golden share” – seria preservado nas atividades da Embraer.

Isso acontece porque a proposta faz diferenciação explícita entre o conceito de “propriedade” e “controle” da nova companhia, o que preservaria o interesse do Brasil em temas como a unidade de defesa da Embraer. Ou seja, a Boeing seria dona, mas o Brasil poderia mandar em alguns temas.

A grande diferença entre a fatia da norte-americana e da brasileira é explicada pelo tamanho das duas empresas. Enquanto a Boeing tem valor de mercado superior a US$ 210 bilhões, o valor de mercado da Embraer gira em torno de US$ 5 bilhões.

Ou seja, o valor da brasileira não chega a 5% da americana. Diante dos números, a fonte rechaçou valores citados na imprensa durante o fim de semana que indicariam nova empresa com participação acionária de 51% para os americanos e 49% para os brasileiros. “Está muito longe do que estamos negociando”, disse.

Procurado oficialmente, o Ministério da Defesa negou que a intervenção no Rio e a criação de um novo ministério possam atrasar a criação da terceira empresa que pode sacramentar a parceria Boeing e Embraer. A Embraer preferiu não comentar. A Boeing não respondeu até o fechamento da edição.

¹com Estadão – Fernando Nakagawa

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