O Comandante Supremo e os Ensinamentos da História Militar

General-de-Exército da Reserva, Carlos Alberto Pinto Silva,

ex-comandante de Operações Terrestres (COTer), do Comando Militar do Sul,

do Comando Militar do Oeste, e Membro da Academia Brasileira de Defesa.

Em nosso país a alienação dos governantes em relação às Forças Armadas há muito deixou o terreno do desinteresse para adentrar no campo da insensatez. Nas monarquias euroropeias, os herdeiros reais passam por uma escola de formação militar, alguns em mais de uma, servem como oficiais em guarnições militares e ao longo da vida, periodicamente, se aperfeiçoam e absorvem novos conhecimentos, compatíveis à relevância da função pública que irão exercer.

Nos EUA e nas repúblicas mais desenvolvidas do mundo os chefes de Estado, por não terem sido preparados para o cargo, reconhecem a deficiência e buscam se inteirar do assunto pelo assessoramento competente daqueles que dedicaram suas existências à Arte da Guerra.

Em todos esses países, militares e as Forças Armadas são prestigiados e reconhecidos como meios essenciais para defesa da pátria, a preservação das instituições e a manutenção da própria democracia. No Brasil, o oposto: elas têm sido negligenciadas, tratadas muitas vezes como estorvo e, com frequência, profanadas em seu passado de serviços prestados, na tentativa de incompatibilizá-las com a própria nação a quem servem.

Parcela significativa do que ocorre pode ser atribuído ao desconhecimento que a classe política possuí sobre elas, não somente de suas necessidades, mas, sobretudo, de seus valores, de suas tradições e de suas peculiaridades como instrumento de imposição, quando imperativo, da aspiração do Estado.

O Comandante Supremo das Forças Armadas, encargo constitucional intransferível, e Ministros, deputados, senadores e funcionários civis com responsabilidade funcional na área de defesa, não dispondo desse conhecimento deveriam procurar alguns ensinamentos básicos na História Militar.

A leitura da biografia e de obras dos dois mais destacados pensadores militares do século XIX, Jomini e Clausewitz, e do maior estrategista militar e político do Brasil Império, Caxias, lhes proporcionariam alguma noção das minudências do caráter das Forças Armadas. Jomini serviu ao exército Suíço, foi general de Napoleão e do Exército Russo, e Clausewitz, talvez o melhor estrategista que o mundo conheceu, começou sua carreira no exército prussiano com doze anos de idade. Caxias, por sua vez, assentou praça como cadete aos 5 anos e por mais 70 anos dedicou-se ao país, pacificando suas lutas internas, vencendo suas guerras externas e, por duas vezes, presidindo o Conselho de Ministros.

Segundo Jomini, o príncipe (Governante) deve receber uma educação ao mesmo tempo política e militar, pois ele encontrará provavelmente mais homens de capacidade administrativa em seus conselhos do que bons estadistas e soldados; por isto, deve procurar ser as duas coisas e caso pessoalmente não conduza seus exércitos, deve ser a sua primeira tarefa e o seu imediato interesse ter o seu lugar preenchido. Deve confiar a glória do seu reino e a segurança dos seus estados ao general mais capaz de dirigir seus exércitos.

Ainda de acordo com Jomini, “se a habilidade de um general é um dos mais seguros elementos da vitória, prontamente se verá que a judiciosa escolha de generais (e integrantes da área de defesa) é um dos pontos mais delicados da ciência do governo e uma das partes mais essenciais da política militar (de Defesa) de um Estado, uma vez que a mesma compreende considerações políticas, relativas às operações militares de exércitos, que não pertencem nem à diplomacia, nem à estratégia, e nem à tática.”

Jomini expressa, também, que “é particularmente necessário exercer vigilância sobre a preservação dos exércitos no período de uma longa paz, quando eles podem facilmente se degenerar. Estamos longe de dizer que um governo deve sacrificar tudo ao exército. Pois isso seria um absurdo, mais precisa fazer do exército o objeto de seus constantes cuidados. Quero dizer simplesmente que governos civilizados precisam estar sempre prontos para fazer a guerra sem delongas, isto é, que eles não devem nunca ser encontrados despreparados.”

CLAUSEWITZ, por sua vez, mostra a cerrada inter-relação entre os assuntos políticos e militares, apregoando “que da mesma forma que um homem que não domina completamente um idioma estrangeiro pode, às vezes, deixar de se expressar corretamente, os estadistas frequentemente emitem ordens que entram em choque com o objetivo a que devem servir. Repetidas vezes isso acontece, o que demonstra que certo domínio de assuntos militares é vital para os que são responsáveis pela política geral.”

Devido ao impacto da política na estratégia, os líderes políticos precisam combinar habilidade política com estratégia, da mesma forma que os lideres militares precisam possuir uma compreensão da política nacional.

Os Poderes Constitucionais, a sociedade e as instituições do Estado (dentre as quais estão as Forças Armadas), “tríade extraordinária de Clausewitz” da atualidade, devem ser considerados instrumentos racionais da política nacional. “Racional”, “Instrumento” e “Nacional”: palavras que encerram conceitos chaves para o estabelecimento de um novo paradigma. Assim, a decisão de se empreender intervenções importantes na vida política nacional, como a Estratégia Nacional de Defesa necessita:

– ser racional, no sentido de estar baseada numa avaliação de custos e benefícios para o Estado e para a sociedade;

– ser instrumental, ou seja, empreendida para alcançar um objetivo relevante definido, e;

– ser nacional, de maneira a que seus objetivos satisfaçam os interesses do Estado, justificando o esforço necessário à mobilização da Nação.

Entre outras coisas, Clausewitz, ainda, sugere que os lideres políticos mantenham consultas diligentes com chefes militares.

Por oportuno, pode-se identificar no desabafo de Caxias, em carta ao Visconde de Rio Branco por ocasião do episódio conhecido por “Questão Christie”, o sentimento das Forças Armadas quando não recebe do Estado a atenção devida:  “Não se pode ser súdito de nação fraca. Tenho vontade de quebrar a minha espada quando não me pode servir para desafrontar o meu País, de um insulto tão atroz”.

Da mesma forma, todos que por dever de Estado lidam com as Forças Armadas devem ter em mente que nesse convívio não há lugar para artimanhas políticas, as promessas devem ser cumpridas: “Eu voltarei”, disse Douglas Mac Arthur quando deixou as Filipinas em março de 1942. Se ele tivesse acrescentado “no fim do ano”, sua reputação teria sido seriamente abalada na ocasião em que lá desembarcou em 1944. Promessa não cumprida pode erodir o moral”. (Marketing de Guerra – AL Ries e Jack Trout).

Finalizando duas ideias do Gen Charles de Gaulle extraídas do Livro “O Fio Da Espada”:

Qual política tem êxito quando as armas sucumbem? Qual estratégia é valida quando os meios lhe faltam? Roma privada de legiões, nada teria obtido da habilidade do Senado.

– Cedo ou tarde, porém, prevista ou não, desencadeada de propósito ou suportada com horror, eis a guerra. No primeiro brilhar das espadas a ordem dos valores se subverte. Saindo da penumbra o chefe militar é investido imediatamente de uma autoridade estarrecedora. O futuro da pátria depende imediatamente daquilo que ele decide. Todo um povo dirige para ele a sua angustia.

 

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