Análise: Primeiro militar a comandar a Defesa em 20 anos

Francisco Leali

No troca-troca que o presidente Michel Temer patrocina agora para criar o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, o civil Raul Jungmann deixa a Defesa para assumir o novo posto.

No lugar dele, o governo vai pôr um general, Joaquim Silva e Luna. Sinal de prestígio às Forças Armadas, sinal de que Temer dá adeus à história que só registra civis no posto desde a criação da pasta no fim dos anos 1990.

Em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso mandou para o Congresso uma proposta de emenda constitucional extinguindo os quatro ministérios militares (Estado Maior, Exército, Marinha e Aeronáutica).

Estava proposta a Pasta da Defesa. As três forças passariam à condição, até hoje em vigor, de comandos militares. Na época, havia um princípio em voga: um civil chefiaria a estrutura militar. A ideia foi recebida com desconfiança e até descontentamento nos quartéis. Mas não tinha volta.

O governo Fernando Henrique deu ouvidos ao modelo americano que coloca um civil para cuidar das ações mais relevantes da defesa nacional. Os militares ficam com o planejamento e execução das operações.

E a política fica só com os políticos. Os planos e teorias, em Brasília, sempre sofrem ajustes. Quando a PEC tramitava no Congresso, aliados do governo, para acalmar os militares que se sentiam rebaixados, diziam que o ministro da Defesa seria apenas uma "rainha da Inglaterra": tem poder, mas não manda de fato.

E foi assim que o senador Élcio Álvares (do antigo PFL-ES), derrotado nas eleições de seu estado, em 1998, virou o "ministro extraordinário da Defesa". Era extraordinário porque a pasta ainda não tinha sido criada oficialmente – o que só ocorreria já em meados de 1999, no segundo mandato de FH.

O adjetivo também servia para medir o pouco ou quase nenhum poder que o político capixaba tinha sobre seus comandados. O deputado Jair Bolsonaro que, na época só tratava de temas da caserna, brigou publicamente contra criação da nova pasta. Mas, Álvares ficou apenas um ano no cargo e enfrentou insubordinações e também denúncias contra seu nome.

Depois dele, a relevância do Ministério da Defesa passou então a depender do nome escolhido para a função. Ainda no governo FH o posto ficou com Geraldo Quintão (ex-advogado-geral da União). Ao assumir o cargo em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou na Defesa José Viegas.

O diplomata até tentou, mas não conseguiu impor seu comando aos militares. Para dizer que estava dando toda atenção à caserna, Lula pôs então o vice-presidente José Alencar para acumular com as funções de ministro.

Ficou ali até 2006, quando foi substituído por Waldir Pires, que resistiu no posto por um ano. O ex-ministro do da Justiça e também do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim assumiu em 2007 ainda na gestão Lula.

Até hoje, é o mais longevo no posto _ só deixou quatro anos depois por conta das diferenças com a então presidente Dilma Rousseff. Seguiram-se no cargo o diplomata Celso Amorim e os políticos Jaques Wagner e Aldo Rebello.

No governo Temer, veio outro político: Raul Jungmann, o mesmo que agora será guindado ao novo superministério da segurança. História à parte, os civis que sempre comandaram a Defesa, uns mais hábeis, outros menos, conseguiram reforçar a teoria de que na cadeia de comando federal primeiro vem o presidente da República, depois os ministros e só então os comandos militares.

Parecia, então, prevalecer a ideia de que o poder político não deveria mais ser a praia dos militares. No novo rearranjo do Executivo, o governo Temer, que gestou a intervenção federal no Rio, pode estar disposto a não criar novas arestas com as Forças Armadas que andam correndo para produzir um plano de ação contra o crime no estado que agora administram.

Entre procurar um aliado civil que talvez não se afinasse com generais, almirantes e brigadeiros, Temer preferiu optar por um oficial para agradar a tropa.

Especialista em combate urbano

Do quadro da reserva, o general-de-exército quatro estrelas e novo ministro interino da Defesa, Joaquim Silva e Luna, é apontado por colegas das Três Forças como um exímio especialista tanto em guerra de selva quanto de inteligência em combate urbano, com apurado faro político.

A formação é em engenharia. Comandou a brigada de infantaria de selva em Tefé, na Amazônia, além do Batalhão de Engenharia e Construção de Roraima. possui pós-graduação em Política, Estratégia e Alta Administração do Exército e em Projetos e Análise de Sistemas, mestrado em Operações Militares e doutorado em Ciências Militares, cursos de Guerra na Selva e de Combate Básico das Forças de Defesa de Israel.

Foi convocado, na reserva, em 2014, pelo então ministro da Defesa, Jaques Wagner, para a função de secretário-geral de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto. Foi mantido pelo sucessores, Aldo Rebelo e Raul Jungman, e agora ocupa o posto máximo da Defesa.

Com esse currículo, será o primeiro militar a comandar o Ministério da Defesa desde sua criação, no governo Fernando Henrique, e pretende atuar em conjunto com o ministro Raul Jungman, que foi transferido para o novo Ministério Extraordinário da Segurança Pública.

— A arma que o general Silva e Luna escolheu no Exército foi a engenharia. Como comandante desses batalhões de engenharia e construção , abril estradas pelo Brasil inteiro. Mas é muito habilidoso também na política. Foi adido militar em Israel e sua tarefa era justamente negociar a paz e evitar conflitos — diz o general da reserva Augusto Heleno , ex-comandante militar da Amazônia e ex-comandante das tropas brasileiras no Haiti.

O general Joaquim Silva e Luna foi para a reserva depois de comandar o Estado Maior do Exército. Quando convocado da reserva, em 2014, mostrou preocupação em “entregar os melhores resultados” ao próprio Ministério da Defesa, à Marinha do Brasil, ao Exército Brasileiro, à Força Aérea Brasileira e à sociedade brasileira.

Sua atuação na Amazônia é elogiada por parlamentares da oposição.

— Muito competente e respeitado — diz o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) , sobre a atuação do general em Tefé.

— O Exército, em meu estado, sempre fez grandes obras sociais, um trabalho de cidadania e brasilidade muito bonito — diz o senador Telmário Mota (PDT-RR), sobre o trabalho do batalhão de engenharia e construção em Roraima.

Segundo a assessoria de comunicação do Ministério da Defesa, em 1969 Joaquim Silva e Luna ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Já comandou a 16ª Brigada de Infantaria de Selva, foi chefe de gabinete do comandante do Exército e chefe do Estado-Maior do Exército. E, ainda, participou da Missão Militar Brasileira de Instrução no Paraguai.

 

Militar vai assumir a Defesa pela 1ª vez¹

O governo anunciou ontem o general da reserva do Exército Joaquim Silva e Luna como novo ministro da Defesa. Ele substituirá Raul Jungmann, deslocado para o recém-criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública. Com a nomeação de Silva e Luna, o presidente Michel Temer quebrou uma tradição desde a criação da pasta, em 1999, colocando pela primeira vez um militar no comando da Defesa. A escolha de Jungmann e de Silva e Luna foi antecipada pela Coluna do Estadão.

Apesar de o porta-voz do Palácio do Planalto, Alexandre Parola, ter anunciado que o general do Exército assume o cargo interinamente, o Estado apurou que a intenção do presidente é mantê-lo no posto até o fim do seu mandato.

A escolha de Silva e Luna foi defendida pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen. Ele já era uma espécie de “braço direito” de Jungmann, como secretário-geral do Ministério da Defesa.

“O nome disso é continuidade. Decidiu-se pela continuidade e por quem tem proximidade com o ministro da Segurança Pública para alinhar os esforços, facilitando todas as ligações e contatos para as ações de segurança que vão continuar acontecendo daqui para a frente. Só isso”, disse o ministro do GSI ao Estado.

Etchegoyen admitiu que a escolha de um militar para o comanda da Defesa pode ser alvo de críticas, mas, segundo ele, houve um “consenso” das demais Forças em relação à escolha de Silva e Luna. “O problema que tem hoje é que todo mundo é candidato a alguma coisa e, neste cenário, valeu mais a continuidade”, afirmou o ministro do GSI.

Além do bom trânsito nas Forças Armadas, contou a favor de Silva e Luna a experiência na pasta e o fato de ser um general da reserva. A maioria dos oficiais-generais consultados pela reportagem afirmou considerar a decisão como “uma necessidade transitória e temporária”.

Ontem, durante evento em Porto Alegre, Etchegoyen declarou que a escolha de Silva e Luna não causa “desconforto” na Marinha e à Aeronáutica. “Eu acho que a gente deve subir um pouquinho este debate para um nível mais adequado, porque tudo tem uma razão para colocar a responsabilidade ou a culpa nas Forças Armadas. Qual é o problema das Forças Armadas? É ter prestígio? Seria esse o problema? Honestamente, não vejo isso porque os militares são disciplinados”, disse.

Na Marinha e na Aeronáutica, no entanto, há ressalvas à situação. A avaliação de alguns oficiais é de que o ideal seria tanto o cargo de ministro da Defesa quanto o de secretáriogeral serem ocupados exclusivamente por civis. Estes mesmos oficiais lembraram que a escolha traz de volta a discussão que existia no antigo Estado-Maior das Forças Armadas, órgão que precedeu o Ministério da Defesa, em que integrantes do Exército tiveram protagonismo em relação a representantes das outras forças.

Segurança Pública. O governo anunciou ontem que criará o Ministério da Segurança Pública por meio de medida provisória. Tanto o texto da MP como a escolha de Silva e Luna para a Defesa foram fechados em reunião na noite de domingo, no Palácio do Jaburu, entre Temer e quatro ministros. Na semana passada, o presidente chegou a estudar criar a pasta via decreto, o que, segundo fontes do Planalto, evitaria a necessidade de apoio do Congresso.

O presidente convocou para quinta-feira, às 11h, no Planalto, uma reunião com governadores para falar sobre combate à violência já com Jungmann como titular da recém-criada pasta. Foram convidados todos os governadores do País. Além de Jungmann, vão participar do encontro os ministros Torquato Jardim (Justiça), Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), Etchegoyen, Silva e Luna, líderes no Congresso e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).

Para viabilizar o funcionamento do novo ministério, o governo vai criar pelo menos nove cargos de assessoria, além de fazer o remanejamento de servidores da Justiça para a pasta. O Ministério da Segurança Pública abrigará Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e Secretaria de Segurança Pública (inclui a Força Nacional).

¹com Estadão – Tânia Monteiro

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