O ministro Nelson Jobim (Defesa) está em Bogotá para negociar o acordo com a Colômbia, que deve ser concluído em dois meses

Tânia Monteiro e Rui Nogueira

Pacto. Jobim quer mobilidade para deter o crime organizado

Respeitando os princípios da soberania e da reciprocidade, os governos dos dois países querem adaptar o controle das fronteiras ao fato de que o crime organizado é transnacional e usa os territórios sem nenhuma preocupação com a soberania.

O acordo vai criar uma faixa de terra envolvendo os dois lados da fronteira para livre circulação e cooperação entre militares e agentes federais do Brasil e da Colômbia.

Na prática, os dois países querem "transportar" para a fronteira terrestre o acordo em vigor sobre vigilância aérea. Nesse acerto, as forças aéreas brasileira e colombiana estabeleceram que numa faixa de 150 quilômetros para cada lado elas praticariam uma cooperação especial. No ar, esses 300 quilômetros formam uma "zona de vigilância comum".

Os radares dos aviões brasileiros e colombianos "enxergam" a área comum de 300 quilômetros e, sem precisar invadir o espaço aéreo, se comunicam o tempo todo para que aeronaves suspeitas sejam monitoradas ininterruptamente. Quando um avião suspeito passa da Colômbia para o Brasil, os militares colombianos alertam os brasileiros. E vice versa. A fronteira e a soberania não servem de desculpa para interromper a vigilância, sem que isso signifique intromissão no espaço aéreo vizinho.

"Rios entrantes". No caso do espaço terrestre, o acordo vai ter de contornar uma peculiaridade: ao longo dos 1.644 quilômetros de fronteira, principalmente na região da "cabeça do cachorro", a linha de fronteira não é uma "terra seca", mas uma malha formada por centenas de "rios entrantes". Por isso, o acordo em negociação vai estabelecer uma faixa de rios que os militares brasileiros e colombianos poderão percorrer dentro de um e de outro país.

"Não adianta parar na linha oficial e soberana e ver o crime organizado se refugiar tranquilamente no outro lado", dizem os assessores da Defesa.

O ministro Jobim disse ao Estado que o acordo de cooperação para vigilância de fronteiras dá mobilidade aos militares e agentes federais. "Precisamos cortar o esquema dos criminosos, que vivem fazendo movimentações que funcionam apenas como isca para atrair militares. Sabem da baixa mobilidade e atraem os militares para locais por onde estão passando apenas amostras do verdadeiro contrabando.

Quilômetros acima ou abaixo do local usado como isca falsa está passando a carga verdadeira. É preciso ter mobilidade, percorrer os rios com agilidade e surpreender o crime organizado", descreve Jobim.

O governo quer que o acordo com a Colômbia sirva, depois, como modelo de negociação com o Peru e a Venezuela. A coordenação das operações ficará a cargo do Comando Militar da Amazônia.

A região da "cabeça do cachorro" é conhecida como a segunda "tríplice fronteira" problemática, envolvendo Brasil, Colômbia e Venezuela. A primeira "tríplice" fica no Cone Sul e envolve as fronteiras entre Brasil, Argentina e Paraguai.

"Confiança mútua". O Ministério da Defesa vai usar o acordo para liderar o processo de "cooperação regional" por consenso em matéria de segurança, como ficou decidido em meados de maio passado na III Reunião Ordinária do Conselho de Defesa Sul-americano, que foi realizada em Lima, no Peru.

O Conselho, que é um organismo da Unasul (União de Nações Sul-americanas), incentiva os países a adotar "medidas de fomento da confiança mútua em segurança". Além da vigilância de fronteiras, os países querem estabelecer regras comuns de "marcação e rastreio de armas", "medidas de prevenção e impedimento da ação de grupos armados", além da "luta contra o terrorismo".

O Brasil já colabora com os vizinhos no combate ao crime organizado, disponibilizando dados do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Há registros de casos concretos envolvendo a Força Aérea Brasileira (FAB) em operações de cooperação com militares da Colômbia e do Peru.

A mais notável dessas operações ocorreu em junho de 2003. Um jato R-99B de sensoriamento remoto, isto é, com alta capacidade de espionagem eletrônica, decolou da base de Anápolis (GO) e apoiou a missão de resgate de 74 reféns tomados por guerrilheiros no Peru. A maioria dos reféns era de funcionários de uma empresa argentina e a operação foi bem sucedida.
 

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