Irã diz que não vai mais cumprir acordo nuclear

O governo do Irã anunciou neste domingo (05/01) que deixará de cumprir "quaisquer limitações" impostas ao programa nuclear do país pelo acordo assinado em 2015. Em comunicado, o Irã afirmou que adotará o quinto e definitivo passo para eliminar a última restrição técnica imposta ao programa: o abandono do limite ao número de centrífugas que o país poderia ter dentro do acordo.

Pelo pacto, o país só pode manter no máximo 6.100 centrífugas de enriquecimento de urânio. Na prática, o Irã agora deixa de respeitar os limites operativos impostos pelo acordo ao percentual de enriquecimento de urânio e à quantidade de material enriquecido que o país pode possuir. Isso também significa que não haverá restrição à pesquisa e desenvolvimento nuclear do país.

O anúncio ocorre dois dias após o ataque americano ao aeroporto de Bagdá que matou o general iraniano Qassim Soleimani. Desde maio de 2019, o país vinha reduzindo gradualmente seus compromissos dentro do acordo e violando várias cláusulas em resposta à saída unilateral dos Estados Unidos do pacto.

Após a saída dos americanos em 2018, os EUA voltaram a impor sanções econômicas contra Teerã, que haviam sido suspensas após a assinatura do acordo em 2015, visando obrigar o regime iraniano a aceitar um pacto mais rígido.

Em novembro, o Irã já havia dado o quarto passo de redução de compromissos ao retomar o enriquecimento de urânio na central de Fordo com a injeção de gás em 1.044 centrífugas. Atividades de enriquecimento de urânio na central de Fordo, localizada cerca de 180 quilômetros ao sul de Teerã, estavam suspensas desde a entrada em vigor do acordo nuclear.

A retirada gradual do Irã também foi encarada como uma forma de pressionar os outros países signatários a salvar o acordo: Alemanha, China, França, Reino Unido e Rússia, além da União Europeia (UE). Pelo acordo, o Irã podia usar a energia nuclear pacificamente, mas estava impedido de produzir armas nucleares.

O descumprimento das últimas restrições impostas pelo Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, o nome oficial do acordo) era uma resposta esperada após o ataque dos EUA que matou o general iraniano Qassim Soleimani em Bagdá.

Na nota, o governo do Irã diz que o programa nuclear do país se desenvolverá de acordo com suas "necessidades técnicas", sem dar detalhes do que isso significa. Apesar de dizer que não respeitará mais as restrições, o Irã não deixou claro se está efetivamente deixando o acordo.

Segundo Teerã, as ações ainda podem ser revertidas desde que o acordo nuclear seja cumprido de forma recíproca, ou seja, que as sanções econômicas impostas contra o país pelo governo de Donald Trump sejam suspensas.

O governo do Irã também promete que a cooperação com a AIEA será mantida, o que indica que o país permitirá inspeções de especialistas enviados pela organização ligada à ONU.

A AIEA é o órgão responsável por verificar o cumprimento do acordo nuclear e a implementação do Tratado de Não Proliferação (TNP), assinado pelo Irã em 1968. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Abbas Mousavi, sugeriu que a decisão do país de seguir em frente com o descumprimento das restrições impostas pelo JCPOA é uma consequência da morte de Soleimani. "Na política, todos os acontecimentos e ameaças estão vinculados entre si", afirmou.

Milhares de iranianos se despedem de general morto

Milhares de pessoas vestidas de preto encheram as ruas de Teerã nesta segunda-feira (06/01) nas cerimônias em homenagem ao principal comandante militar iraniano Qassim Soleimani, morto em um ataque americano em Bagdá.

Segundo a televisão estatal iraniana, a cifra de participantes chegou a milhões. O governo decretou feriado na capital iraniana, para que o maior número possível de pessoas possa participar do ato.

Empunhando retratos do militar, a multidão se reuniu na Universidade de Teerã antes que o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, presidisse orações pelo general morto. Soleimani, de 62 anos, era líder da poderosa Força Quds da Guarda Revolucionária iraniana, unidade de elite responsável pelo serviço de inteligência e por conduzir operações militares secretas no exterior.

Ele foi morto em um ataque americano com um drone que atingiu o veículo em que estava nas imediações do aeroporto de Bagdá. O assassinato aumentou as tensões entre os arqui-inimigos Teerã e Washington.

O Irã disse no domingo que deixará de cumprir "quaisquer limitações" impostas ao programa nuclear do país pelo acordo assinado em 2015, já enfraquecido desde que os EUA se retiraram unilateralmente do pacto em maio de 2018.

A multidão em Teerã mostrada pela televisão estatal parecia ser o maior desde o funeral do fundador da República Islâmica, aiatolá Ruhollah Khomeini, em 1989. Khamenei pareceu chorar enquanto rezava diante dos caixões cobertos de bandeiras que continham os corpos de Soleimani e outros cinco "mártires" mortos no ataque americano.

A voz do líder falhou de emoção quando ele orava, forçando-o a fazer uma pausa. O líder supremo foi ladeado pela filha de Soleimani, o substituto do general morto como comandante da Força Quds, Esmail Qaani, o presidente iraniano, Hassan Rohani, o presidente do Parlamento, Ali Larijani, e o principal comandante da Guarda, general Hossein Salami.

"As famílias de soldados americanos no Oriente Médio passarão os dias esperando a morte de seus filhos", disse a filha de Soleimani, Zainab. "O louco do Trump que não pense que tudo acabou com o martírio de meu pai", acrescentou. Zainab também afirmou que os Estados Unidos e seu aliado Israel enfrentarão um "dia sombrio" em resposta à morte do general.

As pessoas rezaram junto com Khamenei e gritavam "morte aos EUA". Um cartaz erguido por uma das pessoas dizia "é nosso direito buscar uma vingança severa", ecoando comentários de líderes políticos e militares iranianos. Muitos iranianos consideravam Soleimani, que era um veterano da guerra de oito anos contra o Iraque, um herói nacional. Ele era amplamente considerado como a segunda figura mais poderosa do Irã depois de Khamenei.

Os caixões de Soleimani e de Abu Mehdi al-Muhandis, líder da milícia iraquiana Forças de Mobilização Popular [Hachd al-Chaabi], que também foi morto no ataque de sexta-feira, foram envoltos em suas bandeiras nacionais e passaram de mão em mão sobre as cabeças dos participantes do cortejo no centro de Teerã.

A vasta procissão, mostrada nas imagens da televisão bloqueando ruas inteiras da capital, começou na Universidade de Teerã e se movimentou em direção à praça Azadi, ou praça da Liberdade. Enquanto marchavam, os participantes gritavam "morte aos EUA" ??e "morte a Israel", empunhando bandeiras do Iraque, do Líbano, e bandeiras de cor vermelha, considerada a cor dos mártires no Irã.

O ataque de drones dos EUA que matou Soleimani foi ordenado por Trump, que disse que o comandante da Força Quds planejava um ataque "iminente" a diplomatas e forças americanas no Iraque. O corpo Soleimani chegou ao Irã no domingo.

Após um cortejo nas ruas de Bagdá, o caixão foi transportado para a província iraniana do Khuzistão, na fronteira com o Iraque e, no domingo, desfilou nas ruas da cidade de Ahvaz, no sudoeste iraniano e na cidade sagrada de Mashhad, no nordeste do país, antes de chegar a Teerã.

O enterro está agendado para a terça-feira em Kerman, cidade natal do comandante. O assassinato de Soleimani levantou temores de um novo conflito no Oriente Médio. Na sexta-feira, Khamenei prometeu "vingança severa" ao declarar três dias de luto.

Trump respondeu no sábado, avisando que os militares dos EUA fizeram uma lista de 52 locais no Irã que podem ser atacados e que as forças americanas os atingiriam "muito rápido e com muita força" se a república islâmica atacasse pessoal ou bens americanos.

No domingo, os líderes de Reino Unido, França e Alemanha pediram contenção. "Apelamos a todos os envolvidos para que mostrem o máximo de contenção e responsabilidade", disseram eles em comunicado conjunto.

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