Tambores de Guerra: fantasma de nova guerra no Oriente Médio

Rodrigo Craveiro

A frase de Mustafa Kemal Atatürk (1881-1938), fundador da República da Turquia, tornou-se uma máxima para 80,8 milhões de conterrâneos: "Paz em casa, paz no mundo". Sob a justificativa de pacificar a nação, há dez dias, Ancara iniciou uma incursão militar na província de Afrin (noroeste da Síria), com o objetivo de expulsar os combatentes das Unidades de Proteção Popular (YPG).

A milícia curda – considerada terrorista  pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan – é um dos principais aliados dos Estados Unidos no plano de dizimar o Estado Islâmico (EI). "Os terroristas não poderão evitar o fim doloroso que os aguarda, nem em Afrin nem em Manbij", avisou Erdogan.

No sábado, uma declaração do líder turco revelou suas intenções na Síria: "Não importa o nome da organização terrorista, seja Daesh (acrônimo em árabe do EI), PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) ou YPG. Com a ajuda de Deus, vamos esmagá-los como um rolo compressor".

Os Estados Unidos mantêm 2 mil soldados no norte da Síria, cuja missão é prestar suporte às YPG. O risco de confronto entre Turquia e EUA assombra o Oriente Médio. Ancara exige que Washington retire os milicianos curdos de Manbij, uma das cidades escolhidas como base pelo Pentágono, e parece determinada a levar a Operação Ramo de Oliveira às últimas consequências. Por sua vez, o governo americano descarta remover suas tropas.

A aviação turca intensificou ontem os bombardeios, enquanto soldados turcos avançavam pelo interior da Síria. Os confrontos deixam sitiados 30 mil civis de Afrin. De  acordo com a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), ataques aéreos turcos mataram 14 pessoas, entre elas cinco crianças, no domingo. Pelo menos 55 moradores morreram desde o dia 20.

Coronel da reserva das Forças Armadas da Turquia e especialista do Instituto Turquia do Século 21 (em Ancara), Erol Bural afirmou ao Correio que o Exército turco e o Exército Sírio Livre entraram 8km em território sírio e capturaram 18 vilarejos.

"As tropas sírias neutralizaram quase 600 membros da organização terrorista PYD (Partido da União Democrática, do qual as YPG são o braço armado). Os EUA prometeram à Turquia expulsar as YPG de Manbij quase três anos atrás, mas não o fizeram. Pelo contrário, enviaram 4 mil caminhões lotados de munição e de armas  pesadas para o grupo", explicou.

"Se Ancara planejar uma operação em Manbij, existe o risco de tensão com Washington. Se os EUA não tirarem as tropas de lá e dispararem contra o Exército turco, isso será o fim da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)."

Comunicação

Ilter Turan, presidente da Associação Internacional de Ciência Política e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Istanbul Bilgi, não descarta o risco de confronto entre turcos e americanos. "Os EUA já estão envolvidos na guerra, seja na condição de força, quanto na aliança com as YPG.

A possibilidade é de os dois lados combaterem entre si caso as tropas de Ancara se movam em direção a Manbij", advertiu à reportagem. "Existe comunicação constante entre os governos de Erdogan e de Donald Trump. O problema está no fato de que as agências federais dos EUA "cantam diferentes músicas", e os americanos firmam compromissos que depois renegam." Para ele, a confiança entre os países praticamente desapareceu.

Pesquisador do Instituto de Estudos Orientais da Academia de Ciências Russas, Konstantin Truevtsev disse ao Correio que há perigo de agressão por parte dos curdos sírios e do exército do presidente da Síria, Bashar Al-Assad. Ele lembrou que facções da oposição a Damasco condenaram a invasão turca.

"Ao mesmo tempo, a Operação Ramo de Oliveira oferece mais oportunidade para que as forças de Al-Assad atuem de modo mais efetivo em outras áreas, como na província de Idlib. Ainda há esperança de que a campanha de Ancara tenha escopo limitado, pois é um forte inconveniente para os EUA, a Otan, a Rússia e o Irã. Todos esses lados agirão, direta ou indiretamente, não apenas para limitá-la, mas para  interrompê-la", comentou.

Segundo Truevtsev, Erdogan possui duas razões para lançar a ofensiva: o PYD e as YPG, os principais instrumentos político e militar dos curdos sírios, foram construídos pelos curdos turcos. Mais do que isso, o federalismo coletivo, sistema político do Curdistão Sírio, foi inventado pelo curdo turco Abdullah Öcalan, preso na Turquia e considerado líder também pelos curdos sírios.

"Eles clamam por expandir esse sistema para toda a região, incluindo a Turquia. Por isso, Erdogan considera os curdos sírios uma grande ameaça ao governo." As autoridades turcas detiveram mais de 300 pessoas, acusadas de "propaganda terrorista" nas redes sociais, por criticarem a operação bélica.

Eu acho…
 
"Existe uma guerra de multiatores na Síria. Antes, as forças da Turquia tinham realizado uma operação de escopo limitado na cidade síria de Jarabulus e ali permaneceram. Os americanos, os russos, os iranianos, o Exército turco e outros grupos, além das forças de Damasco, estão envolvidos nos combates.

A Turquia empreende uma ação limitada para expulsar os guerrilheiros das Unidades de Proteção Popular (YPG) da província de Afrin."  Ilter Turan, presidente da Associação Internacional de Ciência Política e professor de ciência política da Universidade Instabul Bilgi.

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