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BOI – Preço tem maior queda em 20 anos

Luis Cláudio Cicci

Um cenário do tipo tempestade perfeita, com uma conjunção de fatores — inclusive o escândalo de corrupção envolvendo o maior frigorífico do mundo, a JBS — fez o preço da arroba do boi gordo apresentar, em maio, a mais significativa baixa dos últimos 20 anos. No mês passado, a quantidade de reais que o produtor recebeu por 15 quilos de peso dos animais prontos para abate caiu 4,63%, aos R$ 128, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), vinculado à Universidade de São Paulo (USP).

A má notícia para o pecuarista chega timidamente como boa nova nos açougues. Especialistas concordam que três motivos resultaram na realidade de hoje, que preocupa o fazendeiro, o principal responsável pelo Brasil ter se tornado referência mundial na produção de carne. “É uma campanha, a hora é de conscientização, o pecuarista só deve vender o necessário para pagar as contas do dia a dia”, recomenda o diretor técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Valdecir Marin Júnior. “Essa foi uma queda histórica.”

A crise econômica contribui para a realidade atual, com a queda na demanda interna devido ao menor poder aquisitivo das famílias. A carne bovina, proteína mais cara que do porco e do frango, está cada vez menos presente no prato do brasileiro. O consumo per capita anual da carne caiu de 42 quilos (kg), em 2010, para 30,7 kg, em 2016, o menor valor desde 2001, de acordo com a Consultoria MB Agro — a média histórica no país é de 37 kg por pessoa.

Se menos carne chega às mesas, inevitavelmente sobra boi no pasto. E, conforme a produção de carne fica menos lucrativa, cresce o abate, o que aumenta a oferta de animais e derruba ainda mais o preço pago pelos animais. Na pecuária, o ciclo normal da atividade é de um ano e meio. Entre 2012 e 2016, mais vacas ficaram nos pastos para a reprodução e a matança de matrizes baixou de 42% do total para 38,6%, segundo o Cepea. E isso também tira valor do boi gordo.

Efeito dominó, o animal desmamado para reposição nas fazendas de engorda, com idade entre 8 meses e 1 ano, em janeiro, tinha preço médio de R$ 1.250.

 No mês passado, foi cotado abaixo de R$ 1,1 mil, desvalorização de 1,95% só em maio. “A queda no abate de fêmeas, entre 2012 e 2016, é de menos de 4 pontos percentuais, mas isso dá diferença significativa no volume de bezerros e nas outras categorias de reses”, diz a economista do Cepea, Mariane Crespolini.

Para fazer valer ainda mais a lei da oferta e da procura, um maio atípico, de chuva, com pasto frondoso, permitiu alongar o período de terminação dos bois. Capim verde e abundante rende animais mais pesados e antecipa o abate de reses que tão cedo não iriam para o frigorífico. Com o mercado retraído, o que seria boa notícia vira produto em excesso e faz o preço cair. “O produtor só tem uma alternativa: colocar o produto no mercado”, comenta o economista do Centro de Estudos em Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (GV Agro), Felippe Serigati.

Para confirmar o cenário caótico e fazer a crise chegar forte ao pasto, nada melhor do que um escândalo, que ameaça inclusive o presidente da República, com o comprovado envolvimento da maior empresa compradora de bois gordos em doações irregulares para políticos, com efeito em toda a cadeia produtiva. O grupo JBS, dono dos frigoríficos Friboi, é porta de entrada no mercado de aproximadamente 30% dos bovinos que saem das fazendas brasileiras. A situação da JBS traz insegurança ao mercado. “Traumatizado, o produtor decide que, para aquela empresa, não mais vai vender”, explica a economista do Cepea.

O rebanho brasileiro é de 210 milhões de cabeças. A taxa de desfrute, ou de animais que vão para matança, fica, usualmente, entre 15% e 20%, ou seja, mais de 30 milhões de reses anuais. Conforme estimativa da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), sozinha, a JBS mata três de cada dez animais abatidos no Brasil. No Mato Grosso, que abriga o maior rebanho do País, 49% das reses morrem nos frigoríficos Friboi.

É um oligopólio que se estende por 17 Estados brasileiros onde a empresa fincou pé. Estrategicamente, a presença é mais forte no Mato Grosso do Sul, em Tocantins, no Pará e em São Paulo, que, junto com o Mato Grosso, formam o Corredor do Boi Gordo. “Aí, onde ocorrem os maiores abates, o grupo comprou novas plantas”, explica o diretor técnico da ABCZ, Marin Júnior.

CONCENTRAÇÃO

Ao revelar como a JBS se relacionou com políticos, o executivo e dono Joesley Batista expôs a corrupção. Indiretamente, mostrou na prática como a holding fez poder gerar ainda mais poder. “O desejo do homem vira um absurdo, gera insanidade, é a tragédia humana”, comenta, ao citar Aristóteles, o dono do açougue TBone e cliente da Friboi, Luiz Amorin. “Incrível como o próprio Estado criou uma legislação que dificulta a vida dos pequenos”, diz.

A queixa do açougueiro coincide com as críticas à política governamental de concentração de mercado que fez a JBS se tornar a gigante presente em 20 países. “É preciso aumentar a concorrência, resgatar os médios e pequenos para pulverizar o varejo, essa é a saída a curto e médio prazos”, reivindica o diretor técnico da ABCZ. “E esse é um papel do governo.”

Em nota, a JBS esclarece que o preço da arroba do boi gordo está diretamente relacionado ao atual ciclo da pecuária. “A maior oferta de gado para abate com a queda do consumo no mercado interno atrelada à economia retraída influenciam diretamente no preço da arroba”, informa.

 

 Redução deve continuar em 2018

 

A reversão da queda no preço da arroba parece possibilidade remota. Avaliação do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) para o mercado futuro indica R$ 128, para outubro, e R$ 130, para fevereiro de 2018 — em janeiro de 2017, a medida valia R$ 150. “É uma perspectiva de futuro bem desfavorável, sem expectativa de reversão para o próximo ano e meio”, opina o economista da Macroagro Consultoria Econômica, Carlos Thadeu Filho.

 

O cumprimento das cotas de exportação faz o diretor da ABCZ, Marin Júnior, pensar diferente. “O cenário deve mudar até agosto porque os frigoríficos terão que cumprir os contratos de vendas para o exterior”, diz. Ele prevê a arroba a R$ 138 em dois meses. Felippe Serigati, econmista do GV Agro, acredita que o ano terminará de modo diferente para o pecuarista. “No próximo semestre, a queda pelo excesso de oferta não vai se sustentar”, avalia.

 

Essa opinião está fundamentada na boa safra de grãos, que diminui o custo da ração. Mesmo que apenas 10% das reses destinadas ao abate tenham passado pelo regime de confinamento, na última década, o produtor de carne se aperfeiçoou e é comum o gado receber suplementação alimentar durante a seca, mesmo estando no pasto.

 

Entre os especialistas, a opinião é de que o efeito da Operação Carne Fraca no mercado do boi gordo foi irrelevante. “Ainda não há evidências de que esse episódio reduziu significativamente os embarques para o exterior e não há hoje nenhum grande fornecedor que poderia substituir a carne brasileira”, comenta Serigati.

“É escândalo ruim porque gruda uma etiqueta na carne brasileira, como se esse fosse um produto de segunda linha”, acrescenta. Para a especialista do Cepea, Mariane Crespolini, é possível falar em exagero. “Houve um sensacionalismo, dona de casa que jogou carne fora desnecessariamente.”

 

Em duas lojas de Brasília que vendem carne, a baixa no preço da arroba ainda não se fez notar. “Por enquanto, nenhum reflexo no varejo”, conta o proprietário da Senhora Carne, na Asa Norte, Rodrigo Oliveira. Negócio feito há duas semanas, para a compra de sete reses, foi fechado pelo mesmo valor combinado em março passado, R$ 130. Luiz Amorin, do TBone, usa o filé mignon como referência: a lembrança é de que esse corte, que em dezembro e janeiro chegou a custar R$ 90, foi vendido no mês passado a R$ 70 e, agora, chegou a R$ 64,90. “Já era época da carne estar subindo por causa de a entressafra e me parece que o preço deu uma estabilizada.”

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