Antonio Temóteo e Natália Lambert
Mesmo após confessar em delação premiada que pagaram propina para diversos políticos e gestores públicos em troca de financiamentos de fundos de pensão de estatais e bancos públicos, os irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores da J&F Investimentos, não serão presos ou usarão tornozeleira eletrônica. Os irmãos ainda terão direito de manter residência nos Estados Unidos.
O acordo nem sequer prevê o afastamento deles de funções executivas na holding e nas demais companhias do grupo, como a JBS. Os Batista e os outros cinco delatores pagarão somente uma multa de R$ 225 milhões, menos do que os mais de R$ 1 bilhão que teriam ganhado em especulação no mercado financeiro.
Embora a companhia tenha de pagar outros R$ 11,2 bilhões em acordo de leniência proposto pelo Ministério Público Federal (MPF), terá prazo de 10 anos para ressarcir os cofres públicos. Se os depósitos forem mensais, o grupo gastará R$ 93,3 milhões, montante insignificante perto da receita líquida de R$ 170,3 bilhões da JBS, uma das diversas empresas.
A proposta feita pela J&F aos procuradores era de pagamento de apenas R$ 1 bilhão, mas foi recusada. Até o fechamento desta edição, não havia notícia sobre a assinatura do termo. Entretanto, o MPF informou aos representantes da família Batista que as discussões seriam encerradas às 23h59 e a proposta expirada.
A expansão dos negócios se deu a partir de 2004, quando Joesley foi apresentado a Victor Garcia Sandri, empresário e amigo íntimo de Guido Mantega, então ministro do Planejamento. Ele relata na delação que Sandri cobrou R$ 50 mil mensais para intermediar encontros entre os dois e garantiu que a propina seria repartida com Mantega. Assim que o petista passou a comandar o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 2005, a empresa recebeu um financiamento de US$ 80 milhões.
Na opinião do professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Henrique Badaró, o benefício dado aos irmãos Batista não parece justo, diante de todos os crimes cometidos, pelo fato de eles saírem, praticamente, ilesos, permanecendo, inclusive, no comando das empresas. “Eles tinham, ao menos, que deixar as companhias.” O professor considerou “profundamente imoral” Joesley e Wesley terem faturado com a compra de dólares antes da divulgação da denúncia, que fez a moeda disparar.
Um procurador da República, que prefere não se identificar, ponderou que os donos da JBS não estavam condenados como os delatores da Odebrecht, se dispuseram a ajudar de formas diferentes e tudo isso é levado em consideração em um acordo de delação premiada. “Tudo depende do que eles têm a oferecer e, obviamente, de quem eles vão conseguir provar o envolvimento nos ilícitos. Claro que um presidente da República tem peso maior na balança.”
No mercado, diversos executivos avaliaram que o MPF e o Judiciário foram brandos em relação às punições impostas aos irmãos Batista. Entretanto, admitiram que nenhuma outra delação trouxe tantos elementos comprobatórios. “Para eles, o crime compensou. Cresceram às custas do governo, pagaram propina para políticos de todos os partidos possíveis e agora moram nos Estados Unidos, com a desculpa de que estão sendo ameaçados”, reclamou um banqueiro que preferiu anonimato.
ASCENSÃO
Até 2006, a Friboi, empresa que mais tarde se tornaria a JBS, já era um dos maiores frigoríficos do Brasil, mas não estava entre as 100 maiores companhias do país. Faturava apenas R$ 4 bilhões ao ano. Mesmo com a chegada de Luciano Coutinho ao BNDES, Mantega garantiu que a estatal se tornasse sócia dos irmãos, por meio da compra de participação acionária.
Desde a abertura de capital, em 2007, os Batista receberam mais de R$ 10 bilhões do banco público para custear a aquisição de diversos concorrentes, até se tornarem os maiores processadores de proteína animal do mundo. Os contratos eram fechados com percentuais de propina acertados para o PT e para Mantega.
Atualmente, quase 80% da receita da JBS é gerada no exterior, sobretudo nos Estados Unidos. A abertura de capital da companhia no país foi adiada diante das negociações do acordo de delação com o MPF e dos diversos processos que enfrentam no país. Os irmãos querem transferir a sede da companhia para lá, mas para isso dependem da assinatura de um outro acordo com o Departamento de Justiça norte-americano e do aval do BNDES.
O acordo de acionistas com a estatal, que possui 21,3% de participação na JBS, prevê poder de veto do banco público em questões relativas a reorganizações societárias. Direito que foi exercido no ano passado, quando os irmãos Batista tentaram transferir a sede da empresa para a Irlanda. O banco público justificou que a transferência da propriedade de ativos que representam 85% da geração do caixa operacional da JBS para o estrangeiro implicaria a desnacionalização da empresa.