AZEDO – Tapa na cara do cidadão


Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense

O Brasil não é para principiantes, dizia Tom Jobim; ou seja, não é para amadores, ainda mais quando se trata do Congresso Nacional. As Dez Medidas Contra a Corrupção, com mais de dois milhões de assinaturas, são resultado de uma iniciativa dos procuradores da República para endurecer o jogo contra empresários, executivos e políticos corruptos, mas estão servindo de cortina de fumaça para aprovação de uma lei que anistia os envolvidos na Operação Lava-Jato.

Por duas vezes, a manobra já foi tentada e fracassou em plenário, mas, na próxima terça-feira, voltará à pauta da Câmara dos Deputados. O presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nega a existência do substitutivo e garante que, se for apresentado, o submeterá à votação nominal.

O problema é que desde a Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, o Brasil mimetiza leis aparentemente progressistas para manter o status quo. Nossa primeira Carta Magna era de inspiração liberal, mas a introdução do direito à propriedade privada como cláusula pétrea não mirava o desenvolvimento do capitalismo, o objetivo era apenas preservar a escravidão, que somente acabou em 1888, com a Lei Áurea.

Assinada pela Princesa Isabel, a abolição só chegou quando a monarquia já não se aguentava em pé. É mais ou menos o que se quer fazer agora com aprovação de uma legislação que, ao “criminalizar” o caixa dois eleitoral, absolve todos os crimes praticados no escândalo da Petrobras, isto é, salvar o “capitalismo de laços”, seus oligarcas e nababos da dèbâcle em que se encontram.
 
Foi muita ingenuidade dos procuradores acreditar na aprovação de uma legislação que apartasse as doações eleitorais das empreiteiras por meio de caixa dois dos crimes conexos, como recebimento de propina, superfaturamento de obras, desvios de recursos públicos, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Essa atribuição é do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar os processos da Lava-Jato. Os deputados da comissão especial aprovaram o relatório do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), mas esqueceram de combinar com os políticos já enrolados na Operação Lava-Jato, que jamais aceitarão isso.
 
Não foi à toa que dois lobbies se digladiaram nos bastidores da Câmara, de quarta para quinta-feira, enquanto a comissão varava a madrugada para aprovar o relatório. De um lado, procuradores de todo o país abordando os deputados de suas relações; de outro, o poderoso lobby das empreiteiras com advogados e assessores de relações institucionais. A votação em plenário foi suspensa, mas a Odebrecht adiou a assinatura do seu acordo de delação premiada, aparentemente porque Marcelo Odebrecht ainda se recusava a fazê-lo. A moeda de troca das empreiteiras na Câmara não é mais a mala cheia de dinheiro, é o medo dos deputados em risco de encerrarem a carreira política na cadeia. Na verdade, trata-se de uma corrida contra o relógio para aprovar a anistia antes da delação.
 
Efeito Borboleta

A teoria do caos (ou seja, o estudo da desordem organizada) explica melhor a situação. Quando simulou no computador a evolução das condições climáticas, seu autor, o meteorologista Edward Lorentz, acreditava que pequenas modificações nas condições iniciais de ventos e temperaturas acarretariam alterações também pequenas na previsão do tempo.

Mas o resultado foi o contrário: pequenas modificações nas condições iniciais provocaram efeitos desproporcionais. Em um ou dois dias, eram insignificantes; em um mês, os efeitos produziam padrões catastróficos.
 
É mais ou menos o que está acontecendo em relação à criminalização do “caixa dois”. Todos os políticos que receberam dinheiro de caixa dois da Odebrecht estão à beira de um ataque de nervos e dispostos a pôr um fim à Operação Lava-Jato, numa manobra que acabaria também por beneficiar os demais envolvidos: empresários, executivos, lobistas e doleiros. Quem viu o filme Efeito Borboleta pode imaginar outras consequências.

“Essa proposta de anistia do caixa dois de campanhas é um tapa na cara do cidadão honesto desse país”, criticou o senador José Antônio Reguffe (sem partido/DF), em pronunciamento no Senado. É mais ou menos o sentimento generalizado da sociedade. Seus colegas, porém, estão chamando o povo de volta às ruas.

 

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