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A seca não vem da Amazônia

Nota DefesaNet

Em matéria exclusiva do Jornalista Julio Ottoboni, DefesaNet publicou em 02 Dezembro 2014:

EXCLUSIVO – Questões ambientais se transformam em novas armas na política Link

O Editor

Vinícius Gorczeski e

Bruno Calixto

Época

A maior crise hídrica da história do Brasil é culpa do governo, de São Pedro, das mudanças climáticas ou de seu vizinho gastador? Existe uma corrente crescente de sem-água que acreditam que a causa da seca histórica está em outro lugar. Ela seria consequência do desmatamento na Amazônia.

A explicação inspira campanhas de ONGs como o Greenpeace e a WWF. Uma pesquisa feita pelo Instituto ReclameAqui a pedido de ÉPOCA mostra que 40% dos cidadãos dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro dizem que a devastação na Amazônia é uma das principais causas da seca. Reportagens sobre isso apareceram em veículos da imprensa internacional, como a BBC, o jornal britânico The Guardian e o americano Wall Street Journal.

A tese influente surgiu em uma entrevista coletiva do pesquisador Antonio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no dia 30 de outubro de 2014 em São Paulo. Ele apresentava seu estudo O futuro climático da Amazônia. A pesquisa aprofunda uma função conhecida da floresta. A mata gera a umidade que forma as chuvas da Região Norte e também viaja para o sul do continente, engrossando as nuvens na Bolívia, no Paraguai, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.

O estudo descreve um risco real de que, com menos floresta, esse sistema entre em colapso. Não avalia se o processo já estaria em andamento. Mas, em entrevistas a jornalistas, Nobre foi menos cauteloso que seu estudo. "A seca no Sudeste tem relação direta com o desmatamento na Amazônia." Procurado por ÉPOCA, Nobre endossou que o desmatamento lá é a principal razão para a falta de chuvas cá. Suas declarações repercutiram.

A atmosfera, no entanto, é mais complexa. Na verdade, como explicam climatologistas e meteorologistas, as vilãs da história são as áreas de alta pressão atmosférica formadas sobre o continente. O fenômeno impediu a entrada, no Sudeste, de frentes frias vindas do sul e de ventos úmidos oriundos da Amazônia, segundo Franco Villella, do Instituto Nacional de Meteorologia. O bloqueio espantou os cientistas porque, embora seja comum no inverno, ocorreu em janeiro de 2014 e repetiu-se em 2015.

Prever fenômenos como esse é mais arriscado que cravar a temperatura do próximo domingo. "A seca tem razões de escala global, que precisam ser mais bem estudadas. Não dá para atribuir a ocorrência ao desmatamento na Amazônia, como não se pode afirmar que seja um efeito do aquecimento global", diz Villella. Foram necessários três anos para que uma agência americana elaborasse um estudo realmente abrangente que ex-plicasse uma das piores secas da história californiana, que começou em 2011.

O desmatamento na Amazônia ainda é alto, e a fiscalização tem de melhorar. Mas faz anos que seu ritmo cai. A área de florestas derrubadas baixou de 29.000 quilômetros quadrados em 1995 para 4.800 em 2014. Se o desmatamento na Amazônia fosse a causa da seca no Sudeste, a primeira região afetada seria o entorno da floresta.

As chuvas se reduziriam drasticamente na Bolívia e no Paraguai. Nesses locais, aconteceu o oposto. O desvio do fluxo de chuvas que iria para o Sudeste foi demonstrado por dados do Inpe e do Sistema de Proteção da Amazônia. Os ventos chuvosos rumaram para Rondônia, Bolívia e Peru em janeiro de 2014 e em 2015.

O Brasil tem sete biomas, todos importantes para o clima. É normal que as atenções se concentrem na Amazônia. A derrubada de árvores centenárias, gigantescas e raras no Norte comove mais do que o desmatamento no Cerrado ou na Mata Atlântica, ambos mais relevantes para proteger os mananciais que abastecem o Sudeste.

O bioma amazônico é o único a ter um fundo de recursos. Criado em 2008, seu caixa registra R$ 1 bilhão, e dele saíram R$ 390 milhões até dezembro. Para quem milita pela conservação e por mais pesquisas na Amazônia, é tentador associar, numa única narrativa dramática, os dois grandes fenômenos: a devastação na Amazônia e a seca no Sudeste. Uma história tão cativante tem alto poder de captação de recursos de entes públicos e privados.Também é um jeito de as ONGs ambientalistas fazerem o morador da cidade grande sentir na pele os efeitos da destruição na longínqua Região Norte. A estratégia, entretanto, é arriscada.

Usar argumentos sem embasamento contribui com a ignorância científica da população e pode atrapalhar uma boa causa. A tese desastrada sobre a seca ter nascido na Amazônia poderá, no futuro, ser usada contra os ambientalistas. O relatório de Nobre é relevante: ele atesta a importância da Amazônia para o fluxo de chuvas na América do Sul. Sem ela, Sudeste, Sul e vastas áreas em países vizinhos se tornariam desertos. Não é preciso mais que isso para convencer a sociedade.

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