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Consertando cidades frágeis: soluções contra pobreza e violência urbana

Por Robert Muggah – Texto do Foreign Affairs
Tradução, adaptação e edição – Nicholle murmel

 

Pessoas ao redor do mundo convergem para as áreas urbanas há séculos, e mais da metade da população mundial hoje vive em cidades. Hoje, a orientação do crescimento urbano está mudando dramaticamente, à medida em que populações na África e na Ásia, não mais europeus e americanos, se deslocam para grandes polos continentais em números sem precedentes.

Segundo estimativas recentes das Nações Unidas, no futuro mais de 90% da população global se concentrará em cidades e favelas espalhadas por países em desenvolvimento. Enquanto isso, o crescimento populacional em economias desenvolvidas vai diminuir – em algumas nações, pode até se tornar negativo.

Cidades no limite

A transição global para as cidades vem sendo uma experiência bem sucedida. Urbanistas nas maiores metrópoles mundiais aprenderam como tornar os espaços mais seguros e habitáveis. Em boa parte dos países desenvolvidos, cidades inteligentes constroem redes de dados para controlar desafios locais como criminalidade, tempo de entrega de serviços e emissão de carbono.

Mas nem todas as cidades vão pelo mesmo caminho. Á medida em que as megacidades prosperam – 600 delas concentram dois terços do PIB global – vários municípios médios e pequenos ficam para trás. Para aumentar mais ainda esse abismo, existem as “cidades frágeis” – onde o contrato social entre o governo municipal e os cidadãos entrou em colapso e o que se tem na prática é vácuo de poder.

Com algumas exceções, esses centros de fragilidade se localizam nas Américas do Norte, Central e Sul, onde ficam 45 das 50 metrópoles mais perigosas do mundo. Em alguns aspectos, cidades em expansão rápida, como Acapulco no México, Caracas na Venezuela, Maceió no Brasil e San Pedro Sula em Honduras, são precursoras do que está por vir no resto do hemisfério Sul com a ausência de intervenção política mais decisiva.

Faz tempo que especialistas se debruçam sobre o que leva algumas cidades à crise constante enquanto outras prosperam. Entre as melhores hipóteses está a descoberta de um famoso criminologista: a violência urbana é “grudenta” – mesmo que o padrão mude com o tempo, ela tende a se concentrar em localidades específicas. Na maioria das cidades, a grande incidência de crimes acontece nas esquinas de algumas ruas. Por exemplo, em Bogotá, na Colômbia, sociólogos concluíram que cerca de 1% das ruas concentravam virtualmente todas as vítimas fatais de crimes entre 2012 e 2013.

Outro fator que alimenta a criminalidade e a insegurança é a urbanização veloz. Geógrafos urbanos descobriram que o tamanho e a densidade da cidade em si não desencadeiam a criminalidade. Afinal, Seul, Xangai e Tóquio estão entre as maiores metrópoles do mundo, mas também estão entre as mais seguras. Em vez disso, o elemento-chave parece ser o ritmo desenfreado e a natureza desordenada desse crescimento – a “urbanização turbo”.

Karachi é um clássico desse processo. Esse monstro paquistanês inchou de cerca de meio milhão de habitantes em 1947 para mais de 21 milhões hoje. E apesar de gerar mais de 75% do PIB do Paquistão, a megalópole se tornou uma das mais violentas do mundo. Várias outras cidades frágeis – incuíndo Dhaka em Bangladesh, Kinshasa no Congo e Lagos na Nigéria – são hoje 40 vezes maiores do que eram nos anos 1950, e o perigo aumentou mais ou menos na mesma proporção.

Demógrafos também detectaram uma relação próxima entre concentração de jovens e violência. Muitas cidades com renda média e baixa têm grandes populações jovens. Em algums dos ambientes mais frágeis, 75% da população tem menos de 30 anos. A idade média de lugares como Bamako (Mali), Cabul (Afeganistão), Kampala (Uganda) e Mogadíscio (Somália), só para citar alguns exemplos, é de cerca de 16 anos. Em contraste, a idade média dos moradores de Berlim, Roma e Viena é de 45 anos.

Não quer dizer que juventude signifique fragilidade urbana, mas sim as características dessa população de pouca idade. Homens sem emprego e com baixa escolaridade enfrentam mais risco de serem mortos ou cometerem homicídios. Segundo alguns especialistas, existe uma dinâmica de contágio na violência entre essas pessoas. E o inverso também ocorre, a presença de moradores jovens, bem escolarizados e com ocupação em um determinado bairro – a chamada classe criativa – traz vários dividendos positivos, incluíndo mais segurança.

Renascimento urbano

A boa notícia é que fragilidade urbana não é irreversível. A realidade pode ser mudada com tempo e investimento. Vamos tomar como exemplo o Rio de Janeiro, antes um paradigma de cidade no limite. A violência do grime organizado e da polícia nos anos 1990 e começo dos anos 2000 se tornou famosa, e os habitantes das comunidades das favelas se acostumaram com o estrondos e estalos dos tiros disparados na vizinhança.

Mas a partir de 2009, o Rio experimentou uma transformação notável. As taxas de homicídio caíram vertiginosamente em 65% entre 2009 e 2012. Os investimentores voltaram para a cidade. Moradores e turistas também. Apesar de os problemas persistirem e a violência ainda ser inaceitavelmente alta, a cidade está se recuperando graças a uma nova abordagem diante da política e dos investimentos sociais.

O Rio de Janeiro não foi a única megacidade a protagonizar um Renascimento. Logo ao lado, São Paulo também passou de um dos centros urbanos mais perigosos do Brasil para um dos mais seguros à medida em que as taxas de homicídio despencaram 70% entre 2000 e 2010. Outros estudos de caso com reviravoltas positivas incluem Ciudad Juarez no México, Medellín na Colômbia e mesmo Nova York – todas as cidades tiveram queda na violência fatal nas últimas décadas.

Mais exemplos não faltam. Mesmo cidades extremamente debilitadas – Joanesburgo (África do Sul), Kingston (Jamaica), Lagos (Nigéria), Nairóbi (Quênia) e San Salvador (El Salvador) – tiveram melhoras significativas. E as histórias de recuperação, particularmente na America do Norte e do Sul, sugerem que uma combinação de medidas pode deter a fragilidade urbana se a classe política se comprometer a levá-las a diante.

O primeiro passo é uma comunicação melhor. Em alguns lugares, os prefeitos abriram canais de diálogo intenso com comunidades socialmente vulneráveis sobre temas como organizações criminosas, fornecimento inadequado de serviços públicos e instituições policiais e judiciais fracas ou corruptas. Esse tipo de debate honesto é essencial para identificar prioridades em comum e mobilizar recursos às vezes limitados de forma mais eficiente. Prefeitos como Enrique Peñasola, de Bogotá, Rodrigo Guerrero em Cali e Antonio Villaraigosa em Los Angeles mostraram que uma mudança radical na abordagem da fragilidade urbana é possível.

Outra solução é aproximar essas cidades em situação delicada de outras mais estáveis e prósperas para compartilhar experiências. Desde os anos 1950, iniciativas para “cidades irmãs” uniram metrópoles americanas com contrapartes europeias arrasadas pela Segunda Guerra para ajudar na reconstrução. Iniciativas mais recentes criaram parcerias entre cidades dos EUA e da África, da Austrália com ilhas no Pacífico Sul, e municípios canadenses com latino-americanos.

Grandes fundações também estão participando ao contribuir com projetos para que líderes municipais compartilhem ideias (como a New Cities Foundation e a rede United Cities and Local Governments) e enfrentem desafios internaconais mais amplos (como o Global Parliament of Mayors pretende fazer)

Mais outra opção é concentrar esforços em pontos estratégicos, prevendo e, quando possível, evitando a violência. Policiar esses locais-chave traz efeitos positivos para bairros inteiros, com evidências consideráveis de que comunidades próximas também se beneficiam.

Mas desenvolver uma abordagem eficiente requer investimento em coleta de dados em tempo real e policiamento orientato para problemas específicos. Também é preciso novas tecnologias, como gerenciamento policial a partir de dados e ferramentas de vigilância usadas nos Estados Unidos, conhecidas como “Compsat” e “Domain Awareness Systems”.

Uma vez que essas táticas dependem de monitoramento, incluíndo câmeras inteligentes e leitores de placas de automóveis, surgem preocupações legítimas acerca da privacidade individual. Mas essas preocupações são contrapostas pelos benefícios que tecnologias avançadas – incluindo análises preventivas, sensores remotos e câmeras camufladas nos próprios policiais – trazem para o trabalho de segurança pública.

Fortalecer centros urbanos exige atenção especial não apenas a espaços específicos, mas também a grupos específicos de pessoas. Homens jovens e desempregados com antecedentes criminais são estatisticamente mais propensos a transgrdir a lei do que outros cidadãos. Na verdade, cerca de apenas 0,5% da população costuma responder por mais de 75% dos homicídios em cidades grandes. Mas em vez de estigmatizar homens jovens, autoridades municipais devem dar apoio.

Soluções comprovadamente eficientes incluem mediação para interromper a violência entre facções rivais, educação direcionada e projetos recreativos e de ocupação para adolescentes em situação de risco, além aconselhamento e apoio no cuidado das crianças de mães e pais solteiros.

A estratégia que vai mais longe e que consegue se manter melhor envolve investimento focado em medidas para reforçar a mobilidade e a coesão social e urbana. Urbanistas e investidores privados precisam resistir à tentação de reproduzir segregação e exclusão social, e insistir que o bem-estar coletivo esteja à frente dos interesses particulares.

Investimentos em transporte público de qualidade, espaços urbanos inclusivos e políticas sociais como transferência de rende mediante contrapartida dos beneficiados podem ir longe na jornada para melhorar a segurança pública nas cidades fragilizadas.

Há vários exemplos de como reduzir a criminalidade, mas Medellín nos dá o caso mais convincente de como fazer. Durante os anos 1990 a cidade colombiana era a capital mundial dos homicídios. Mas uma linha de prefeitos, começando com Sergio Fajardo, reverteu a situação ao focar atenção política para as áreas mais pobres e perigosas.

Esses governantes conectaram as periferias às regiões de classe média via um distema de bondes, ônibus e infraestrutura de primeira-classe. Em 2011, os homicídios haviam diminuído em cerca de 80%, e em 2012 Medellín foi nomeada Cidade do Ano (desbancando Nova York e Tel Aviv) em um concurso anual realizado pela Citi e pelo The Wall Street Journal.

Também temos sinais que dão esperança acerca de novas tecnologias que podem ter papel decisivo. Internet e tecnologias de informação e comunicação já estão fechando o hiato entre e dentro dos centros urbanos. Exemplos de novas cidades inteligentes que passaram a aproveitar as vantagens dessas ferramentas incluem Kigamboni na Tanzânia (um distrito administrativo da capital Dar es Salaam), Cité le Fleuve no Congo, Tatu e Kozo no Quênia e Hope e Eko em Gana.

Na Índia, o primeiro-ministro, Narendra Modi, recentemente anunciou planos para criar 100 municípios high-tech nos próximos 20 anos, adicionando à lista de centros urbanos tecnologicamente adaptados as cidades de Ahmedabad, Aurangabad, Khushkera, Kochi, Manesar, Ponneri e Tumkur. Investimentos em materiais e softwares estão alimentando um ciclo virtuoso ao fornecer às cidades mais talentos e consolidar suas posições como pólos de inovação e conectividade.

Para transformer as cidades frágeis, as autoridades públicas, empresas e grupos civis organizados pecisam reconhecer os riscos que acompanham a urbanização desenfreada, mas também as várias soluções disponíveis. Isso significa iniciar um diálogo sobre o que funcona e o que não funciona e partilhar essas descobertas em nível global. Prefeitos bem sucedidos nos países em desenvolvimento precisarão das lições aprendidas ao redor do mundo para resolver desafios locais. Os governantes mais proativos já adotaram essa atitude.

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